7.6.25

11:26

Se levares 

a água aos lugares-comuns

acabas testa-de-ferro

dos provérbios populares.

#4113

Sentados 

num palimpsesto de farsas 

e a mentira 

gravada como verdade.

6.6.25

Mil sóis

Mil os sóis que se põem

outros tantos são os alvores

prometidos.

Os olhos embebidos no sono

a jura da madrugada

e de trespasso

os sonhos atiram-se 

para dentro de outras vidas 

verticalmente assíduas.

Mil os sóis que se põem

sem nunca serem ocaso total:

lugares de outras latitudes

acendem o sol 

enquanto noutro a noite triunfa.

Os sóis têm de ser mil

eles que nunca têm o sono por atalaia.

#4112

É o tempo que agride o corpo 

ou o corpo

que não se esquece do tempo?

5.6.25

Imparcialidade imperfeita

Corre à meta sem pressa

a miríade de lugares

espera o olhar demorado

uma estrofe amadora

um par de fotografias

a emoldurar o tempo dedicado. 

 

Estende a mão indulgente

ele são tantos os errantes

e podem aprender

com os transvios que frequentaste. 

 

Adormece no lado errado da lua

não tropeces no engodo da perfeição

que exaustivas são

as juras aos palcos livres de rasuras. 

 

Aproveita 

a demora do tempo

não te hipoteques a resoluções

nem te intimides pelas que falhaste

para isso o tempo 

é uma medida curta.

#4111

A pele em ebulição 

convoca o vulcão

e a carne abraça-se

em convulsão.

4.6.25

Terraplanagem

Um cânone a mais, 

que pretendem como esteio

que não há excesso 

quando se fala de cânones.

O maçarico irrompe

subversivo:

anuncia sem ardis

ao que vem:

cânones há

que têm de ser sabotados

e a excessiva existência deles

fará com que ao ato beligerante

seja ao acaso.

No final 

quando o desembaraço da pendência 

for constituído 

se dirá 

o que sobra da civilização.

#4110

Nas páginas de um dia banal 

o corpo anestesiado erra 

no tempo anónimo.

3.6.25

Vinil

Anoitece o ramo frágil que amadurece no dia. 

A valsa sem diuturnidades cobra um estipêndio

não é de lama que se eviscera um nome

no provérbio de causas alinhadas com as árvores. 

Diziam:

não te deixes retalhar pelos arneses cómodos

não sejas aquele que diz a última palavra

não aninhes a cabeça no pomar onde cantam

suseranos impecavelmente cativos de ninharias. 

O que não diziam

era como atingir com os dedos

o sumptuoso tesouro apalavrado nas intenções

onde procurar a escotilha desembaciada

o que fazer com toda esta fortuna 

que não cabe dentro de números

a solene didascália que perfuma dias militantes

entre camadas de nevoeiro outonal

e as bocas que bolçam liberdade. 

O entardecer

transigindo na sardónica solidão

emudecia o sol;

a noite 

é sempre uma pátria sem certezas

o lugar desabitado que suplica os sonhos

a tabela de marés perfumada por jasmim

a voz cavernosa do comandante 

quando põe os homens em sentido

e os malditos desumorados

que fogem do destino 

como eu fujo

de canja. 

Está é a minha sindicância

plateau debruado a purpurinas de nada

a voz miada pelo canto dos olhos

o dissabor escondido em pepel de alumínio

ou uma task-force cheia de testas-de-ferro

gente de impecáveis pergaminhos

e de prosa laudatória e gongórica

num mútuo onanismo que requenta o nanismo. 

Os dardos apontados a eles,

companheiros atirados para o lugar dos párias,

apontados sem piedade,

que como eles 

detestaríamos ser.

#4109

Sangram as lágrimas 

no luar amaldiçoado

encomendado

a pequenos deuses.

2.6.25

Sonoplastia dos destemidos

O sismo fende as veias

no grito sancionado

que arruma o medo 

em plásticas cores mudas.

 

Tolhe os músculos

convocando o magma fundo

sem deixar sem freio 

a boca destemida.

 

Se admite vozes malsãs

em vez de concórdia banal

procura os sons dissidentes

como mnemónica da noite selada.

 

Entregue à sonoplastia cirúrgica

em marés iconoclastas

grutas sem claridade entreaberta

e escadas à prova de corrimão.

 

Os violinos não desdenham 

paradas de multidões em silêncio

são eles os feitores dos sons

sobrepostos aos emudecidos corpos.

#4108

Arremete sobre a indiferença, 

a jugular lateja de angústia.

1.6.25

#4107

Sobre os despojos do dia 

o corpo desliga do tempo

penhor do sortilégio da noite.

30.5.25

Injustiças documentadas (540)

Nem de todos é ambição

travar conhecimento 

com dias melhores, 

se conhecimento tal for travado.

#4106

A fome que foge do fogo

finta o fingimento-a-dias.

29.5.25

Mandamentos da mentira

Se forem de ouro os dentes que mentem

as mentiras são mais valiosas?

 

Se for omisso de dentes

o mitómano deixa de o ser?

 

Se os dentes estremecerem durante a função

a mentira aparece desfocada?

 

Se a mentira for dita com a boca cheia

os perdigotos são os seus vestígios?

 

Se a boca for alvo de um soco

a mentira é devolvida à procedência?

 

Se a boca ficar fechada

a mentira engolida já não é mentira?

#4105

Sem o sal em cima da pele 

a manhã parece decepada.

28.5.25

Injustiças documentadas (539)

O grama 

é a palavra 

mais transsexual.

Hibernação órfã

As mãos a ferro

tiram do fogo a fala telúrica

como se nelas habitasse

a lava exuberante.

 

Sem o medo do tempo

as fragas em convulsão estremecem

a pele açambarcada à noite densa

e todas as preces que se estimam

escondem do dia as mentiras puídas.

 

Falamos como as árvores

a sua pele que nasce com rugas

estaciona nos apeadeiros vagos

e contemplamos os vasos que latejam

nas estrofes que sobem a rua

as estrofes cúmplices da lua.

 

Somos estes corpos sem amarras

o sono crepuscular que recusa adamastores

tribunal supremo que ilude os usos

e do mar retiramos a gramática

nos despojos de uma maré esfíngica.

 

Pedem-nos para sermos tutores

de ventos sem paradeiro

e emprestamos os dedos

como astrolábios que os conduzem.

#4104

O amanhã rarefeito 

disputa a coroa 

da impossibilidade.

27.5.25

Esdruxulamente

Os dias sem chapéu

são como os dedos com ferida

lambidos por limões exasperados. 

Defumados os seus ossos

não fica à mostra sequer a silhueta:

os dias 

foram consumidos até ao magna

seu será um futuro arquiva

no hemisfério sem arestas 

que paira sobre fantasmas hediondos. 

 

Não são altivas 

as noites que se despedem dos déspotas

a bem do sono ensaiam o esconjuro

das palavras amaldiçoadas;

não fujo

nem finjo

as folhas quase caducas

não tarda

atapetam o chão

como se os pés cansados de tanto chão

precisassem de levitar numa cama-sepultura. 

Os demónios ficam à porta

a minha polícia avessa aos costumes

deixou-os de fora

num diligente perímetro à prova de intrusos. 

 

A mealha que desadultera a manhã

filigrana de ouro puro

a quadrar com a minha incorrigível impureza. 

Se não fossem os paradoxos

este lugar 

já era insuportável há muito mais tempo.

Injustiças documentadas (538)

Respeitosamente 

respeitosa mente

respeitosa, mente.

#4103

Vão paternalismo

que se extingue nos poros 

de um hino.

26.5.25

Troca tintas

Suam

os alarmes

talvez as pessoas se assoem

na cadeira última vaga

como soam

as cicatrizes na pele baça 

e depois se sentem

no lenço puído

antes de assentarem

a argamassa residual.

#4102

Subtraído o verbo adunco 

do dia ficava uma silhueta vaga.

25.5.25

#4101

No mar 

o silêncio

cobre o tempo.

24.5.25

#4100

Faz tiro ao alvo 

encesta a fúria 

num espantalho ao acaso.

23.5.25

Sapato curto

Tirando os olhos embaciados

e o ganir dos cães amedrontados

os verbos amedrontados em estrofes malsãs

os idiomas vicejavam 

numa Babel sem cidade. 

Os arrumos das almas estavam cheios

muitos queriam esconjurar 

peças inteiras herdadas do futuro sem data

propondo estafetas entre os dias consecutivos

sem precisarem de bênçãos literais

ou de envelopes com tiragem restrita. 

As sílabas eram seladas com válvulas mecânicas

e toda a pluviosidade recolhida em vasilhas 

para não haver 

lamúrias baseadas num estio delongado

nem se atearem as celestiais discussões

sobre clima e aquecimento e poluição. 

 

(Só discutem 

os que perseveram em estado de negação

e os que lhes dão atenção 

querendo negar o seu estado de negação.)

 

Os aflitos anciãos agarrados aos corrimões

avançam com a sofreguidão do vagar

protestando 

contra as intempéries do tempo

e de como ele conspira. 

Ninguém lhes dá ouvidos

ao serpentearem com as vozes trémulas

e as palavras trémulas que não chegam a ser

dominadas pelo silêncio avassalador. 

Pintam-se rosas selvagens numa parede avulsa. 

Vozes sem bússola chamam pelo poema

como quem suplica pelo sono 

(vencido pela insónia). 

 

Se os testamentos fossem vitalícios

ninguém movia as pedras do cais. 

Ninguém ensaiava o exílio

em litanias sem regra

nos estilhaços de si mesmo. 

Mas depois 

há uma geografia sem latitude que chama

o distinto lugar que entroniza a manhã

em beijos demorados que costuram as bocas

à medida que os corpos avançam para o eclipse. 

 

Não se atirem moedas aos déspotas

que sejam entoadas as entontecidas estrofes

que desenham a pele suada em câmara lenta

bebendo as alvíssaras 

que descobrem a bala perdida

como se ela quisesse ter paradeiro. 

 

Alguém diz:

somos satélites

essa é uma periferia que se cola à pele

a média que nos exaure como ambição centrípeta

no pródigo desengano que traz a indiferença. 

Se o mundo fosse medido pela métrica adiada

não havia diagnósticos pueris

nem atrasos sem calibre. 

 

Convidei os demónios para o jantar.

Fizeram de conta

que não era com eles. 

 

Amassado pela impertinente dúvida

tirei o casaco às desculpas

para o perdão não ficar à mercê de preces. 

Depois de todos os sumiços

com a versão imperfeita de mim

a guardar-se para momento tardio

juntei as artes todas junto às mãos

e proclamei a anarquia interior:

 

doravante

seria o pior dos insubmissos

dando cobertura aos desdém dos outros

todavia indiferente 

por outra ser a bandeira minha

sem saber nunca para onde viram os feiticeiros

atirados à arena onde se jogam os acasos. 

 

Muito gostava que o sortilégio dos pesares

não pesasse sobre mim

e deixasse por pastorear

 

(talvez, por exemplo)

 

os baldios que nunca quiseram dono.

#4099

Por muito que murche 

a flor não se perde 

nos estaleiros da memória.

22.5.25

Arrecadação

Sabes

o aconchego da noite

o chamamento dos nomes nossos

o paradeiro que dispensa guia

 

tudo isso

 

no sussurro de um vulcão

entre palavras e silêncio

na hipérbole dos verbos 

a pólvora que dança nos corpos desiguais

 

tudo isso

 

no amanhecer que esconjura pesadelos

e desmata os desertos hiantes.