3.10.25

Injustiças documentadas (598)

À falsa fé, 

(pois) 

há falsa fé.

#4224

O busca-pólos 

é contra a moderação.

2.10.25

Aviso sem receção

Ó delicada fonte

que salivas gota a gota

o teu soberano desdém

pelas heresias escoltadas

pelos nenúfares sublimes

dos códigos de conduta 

auto-validados. 

Ó

do teu peito geográfico

toda a cidadania perfumada

com o sabre da opinião fácil

e eu

daqui modestamente te digo

que adoro habitar nos antípodas

amassando a massa-mãe dos pecados,

ou lá o que isso é,

limpando com o guardanapo do almoço

os restos dos dias desaproveitados

por gente assim fiel às suas fidelidades. 

Ai de vós

avós do pueril escafandro 

que vos protege do mundo lá fora 

que ensina a roda a rodar ao contrário. 

Pois assim que se arrependerem

e de mim se colarem 

juro logo ser outro ainda diferente

no compasso sem regras

que habilita os que se esqueceram

de causas

por causas (absolutamente) naturais.

Injustiças documentadas (597)

Penso rápido.

Penso, 

rápido.

Despenso.

#4223

SOS 

dos que estão 

sós.

 

(Salvadas sejam

as suas almas

pelos outros

que sós estão.)

1.10.25

Penso, rápido

Os dentes de fora

rabeiam a saliva colérica

os dentes querem sangue

sangue

e vítimas –

ou não é a História 

um inventário de vítimas 

e quase sempre perfumadas 

pela inocência profanada?

 

Não há maestro

e ninguém sabe do paradeiro 

das batutas.

Ninguém se empresta

à escuridão

como uma assinatura em branco

num contrato por revelar.

 

Ninguém confia

na palavra dada

quanto mais

na palavra vendável.

 

Assim vamos

fingidos e motivados

nesta Terra

de terra e mel e sangue

e todo o mar 

para nele encontrar

refúgio.

#4222

Os jardins 

não estão suspensos, 

a bem da humanidade.

30.9.25

A água que não conta

Ninguém 

desce de nível. 

Ninguém

gosta tanto assim 

de poços sem medida à fundura

que sejam meros vultos

fantasmas inabitáveis

e das suas bocas seja entoado

um silêncio aflitivo

que se desmede nas insaciáveis palavras

aprisionadas por uma mudez 

contrafeita. 

Salivo o suor sectário

finjo que estou a fugir

ou fujo por estar a fingir

e de mim ao medo meço uma légua 

no mar enredado pelo atroz, boçal

grito que desaloja os decibéis. 

Cuspo 

atrocidades sem nome

mastigadas contra as feridas abertas

sempre devolvidas 

como encomenda por reclamar

à falta de morada

na impossibilidade de acertar 

o nome certo. 

Cuspo

toda a matéria insana

a covardia dos valentes

a finesse dos mastins

as balas engolidas 

pelos apátridas da serenidade

a indigestão dos indigentes

os maus modos dos diplomatas

os devaneios de senhoras compostas

a descompostura dos deuses avulsos

a imodéstia dos vexados

as partituras gastas de artistas variegados

as luzes estonteantes dos apedeutas

o idioma à prova de gramática

as sepulturas à espera de moradores

as tonturas dos vilões destronados

a usura dos figurões

e toda a procissão

por onde desfilam os métricos exemplos

que inçam de virtude em virtude

de lugar sem lugar

desmontando as paredes grossas, atávicas

despojando o tempo da sua espessura

contrariando o mau feitio que se pega

que antes se pegue em monstros

do que paguem os boémios periciais

ou deles se faça o amianto 

destinado ao que ao amianto se destina

a formatura desqualificada.

No meio 

de um deserto por excesso de árvores

por excesso

dos excessos contados 

no inventário dos pecados

ah!

os malditos pecados

e quem perpetuou tão indigna sindicância. 

Parece

que estou cansado

de tanta folia do avesso

de palavras ejaculadas por serem o seu oposto

como quem cura a fazenda do avesso

e avulsa matéria despragmática torna sua posse. 

Ah!

se tudo isto fosse dito na infusão

das palavras efémeras

se tudo se tingisse de memória

só para contar de trás para a frente

e os insultos ficassem tatuados no abismo

seria 

só um vulto incógnito

a desenhar rostos minimalistas

nas paredes gastas pela usura 

da cidade.

 

#4221

Uso o estuário 

para ser inteiro 

sem esperar pelo 

entardecer.

29.9.25

Jura

Jurei

sobre a pele pálida

o decálogo

contra as botas cardadas

e os empenhados cultores 

de compassos morais.

 

Jurei

sobre os crisântemos depostos

não ser 

o sangue fervente

dos gangsters a soldo 

da destemperança.

 

Jurei

avivar a História

para servir o conhecimento

sem o olvido

da não repetição do tempo.

 

Jurei

o que mais jurar preciso seja

para desobrigar o Homem

da sua forca.

#4220

O corpo, 

amurado, 

preso 

pelo cinto de segurança 

contínuo.

28.9.25

#4219

Os logros 

por falta de comparência 

não deixam de ser 

logros.

27.9.25

Fogo exposto

Adio a boca amordaçada

o vento fala nos interstícios da pele

e o crepúsculo demora-se 

no avesso da alma. 

 

As improváveis sílabas 

mastigadas no tempo tartamudeado

colhem a manhã pela raiz

sob o olhar indigente do mundo atávico. 

 

Sobem a palco os irrisórios mastins

desarmadamente nus

iludidos num império despojado

para serem sindicados pelas almas impuras. 

 

Os mecenas falam sem embaraço

deles é a proposta de indulgência

à medida da sensata negação da vingança

como exemplo para os que suplicam redenção. 

 

A impermanência dos destroços do passado 

é a mnemónica para memória futura

o logro seria o olvido célere

a confusão entre perdão e redenção.

#4218

O suor 

fala na pele cansada 

de um lugar puído. 

26.9.25

Enciclopédia

A minha mão estendida 

para ser o rosto que te diz o amanhã. 

A pele sem remorsos que te ensina a usura. 

A madrugada sem atalaia. 

Um beijo que se soma os dias sobrantes.

A carne que amanhece a meio de um sonho. 

As estrofes que dizemos à medida do luar. 

O lugar onde só somos nós. 

O dia em que não paramos para ser ontem. 

#4217

Sou 

mais do que uma voz 

a bandeira escondida 

o fingimento da mudez.

25.9.25

Vigias

O osso cruel

a faca que fica por dentro

a fogueira onde decaem as flores

o entardecer arrastado

a lava diuturna, a abrandar

o abecedário confusamente colonizado

a matriz celta num teatro crepuscular

a matéria funda que se funda num estertor

a demência dividia por dois e meio

o embaixador itinerante que perdeu a fala

o muito polido sequestro do silêncio

o deve e o haver e o zero como saldo

a enseada brusca

a escrita impessoal e vagamente solar

um bouquet de beijos sortidos para descomprimir

a espada estiolada a desenhar fantasmas 

as ferramentas perdidas indulgência da ferrugem

a véspera adivinhada com um olhar capataz

as armas desengonçadas

e os Rambos de taverna

a matéria-tia arrefecida a gelo avulso

o equinócio sem paradeiro

a estrela masculina

o charlatão aperaltado

o fugitivo sem cais à espera

a sobremesa sem haver mesa

a conta desenfreada

o xerife condenado à orfandade

o pequenote que não é um rapazote

a tinta da tina

e a China suína

a estatura tingida de tatuagens

a estátua tomada por tiranos ambulantes

e uma volta ao mundo

uma dúzia de desejos desembainhados

a congelação não vaga da existência.

#4216

De emenda em emenda 

no murmúrio do fadário 

de quem se veste 

de gato preto.

24.9.25

Recurso

Os outros 

são o pesadelo que profana a carne. 

As mãos sobrepostas cobrem o corpo, 

ocultam-no dos outros 

sem que o possam sondar. 

O silêncio cuida da absolvição. 

Transforma os pesadelos num sonho só. 

A recusa dos outros 

não é uma sentença.

Injustiças documentadas (596)

Não pregues

em freguesia alguma.

#4215

O medo domado 

entra em cena 

na contrafação 

da luz diáfana.

23.9.25

Manifesto contra a senilidade

O século 

atirou sal de mais 

para o sangue 

num telúrico bocejo 

contra a inadmissibilidade da espécie. 

O século a seguir, 

desconfiado,

abriu concurso: 

deu folga 

ao excruciante pesar 

das almas passadas 

como se por elas suplicasse 

uma estirpe de confiança. 

O mérito não esconjurou 

o sangue ainda puído 

e a espécie insiste 

no suicídio como tal, 

o exemplar desexemplo 

do logrado pelo século paciente. 

Dele

não se diga 

ser anátema dos tempos, 

ou que seja diligente 

no acerto de contas 

com a espécie deslustrada: 

 

os votos falam pelas pessoas 

e o século assiste 

nos bastidores 

às urdiduras da loucura em movimento. 

 

São os votos a elegia fatal 

a que vão sendo somados 

episódios do desorgulho, 

da espécie que não merece 

as outorgas da biologia

nem a usura dos pontos de exclamação.

Injustiças documentadas (595)

Diz-me a tua caligrafia

a pessoa que não és.

#4214

O verbo sincopado 

à altura do rosto estrénuo 

junta o ocaso com a sede de saber.

22.9.25

Injustiças documentadas (594)

Sabemos 

o que é uma maré-viva. 

E uma maré-morta, 

é quando o tempo emudece?

#4213

Não é para acordar consciências, 

a poesia. 

Não se disputa assim 

o sono dos outros.

21.9.25

#4212

De cada vez que anoitece 

o sonho agiganta-se 

nas asas de uma quimera.

20.9.25

#4211

A metáfora 

nunca fala 

sozinha.

19.9.25

Injustiças documentadas (593)

Afinal de contas.

A final de contas.

Afinal decantas.

Injustiças documentadas (592)

Ali estava 

à espera 

de uma vaca de fundo 

sem dar conta 

que não estava na Índia.