30.9.25

A água que não conta

Ninguém 

desce de nível. 

Ninguém

gosta tanto assim 

de poços sem medida à fundura

que sejam meros vultos

fantasmas inabitáveis

e das suas bocas seja entoado

um silêncio aflitivo

que se desmede nas insaciáveis palavras

aprisionadas por uma mudez 

contrafeita. 

Salivo o suor sectário

finjo que estou a fugir

ou fujo por estar a fingir

e de mim ao medo meço uma légua 

no mar enredado pelo atroz, boçal

grito que desaloja os decibéis. 

Cuspo 

atrocidades sem nome

mastigadas contra as feridas abertas

sempre devolvidas 

como encomenda por reclamar

à falta de morada

na impossibilidade de acertar 

o nome certo. 

Cuspo

toda a matéria insana

a covardia dos valentes

a finesse dos mastins

as balas engolidas 

pelos apátridas da serenidade

a indigestão dos indigentes

os maus modos dos diplomatas

os devaneios de senhoras compostas

a descompostura dos deuses avulsos

a imodéstia dos vexados

as partituras gastas de artistas variegados

as luzes estonteantes dos apedeutas

o idioma à prova de gramática

as sepulturas à espera de moradores

as tonturas dos vilões destronados

a usura dos figurões

e toda a procissão

por onde desfilam os métricos exemplos

que inçam de virtude em virtude

de lugar sem lugar

desmontando as paredes grossas, atávicas

despojando o tempo da sua espessura

contrariando o mau feitio que se pega

que antes se pegue em monstros

do que paguem os boémios periciais

ou deles se faça o amianto 

destinado ao que ao amianto se destina

a formatura desqualificada.

No meio 

de um deserto por excesso de árvores

por excesso

dos excessos contados 

no inventário dos pecados

ah!

os malditos pecados

e quem perpetuou tão indigna sindicância. 

Parece

que estou cansado

de tanta folia do avesso

de palavras ejaculadas por serem o seu oposto

como quem cura a fazenda do avesso

e avulsa matéria despragmática torna sua posse. 

Ah!

se tudo isto fosse dito na infusão

das palavras efémeras

se tudo se tingisse de memória

só para contar de trás para a frente

e os insultos ficassem tatuados no abismo

seria 

só um vulto incógnito

a desenhar rostos minimalistas

nas paredes gastas pela usura 

da cidade.

 

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