18.10.21

Intendência

O colibri orquestra o oceano.

Ele não sabe que seu parto

deu-o o mar imensurável.

Não sabe

que de tão imenso

o mar se esconde com medo

de o tomarem como exíguo.

As vozes protestam:

vivemos todos num enclave

sitiados por paradoxos que nos consomem

sem sabemos a autoria das noites medonhas

das comendas que se advertem 

contra o chão puído que nos não quer.

O colibri vigia o oceano.

Ele não sabe do seu pranto

do mar hercúleo

desfeito nos estilhaços da sua fragilidade.

Não sabe que armas precisa de terçar

para libertar os farsantes do seu pecúlio

e para da madrugada sobrante erguer estátuas

poemas válidos que substituam a gramática

devolvendo aos matriciais arquitetos

as regras deixadas a apodrecer.

O colibri pergunta ao oceano

o que o traz iracundo.

O oceano deixa o silêncio a levitar

uma coreografia que se subleva 

contra os feitores de tanta coerência.

E o oceano

vulcanicamente atirado contra os cais 

que dele protegem alguém

não desiste do sufrágio das almas:

quer que elas venham às janelas

espreitar o oceano temerário, 

que mais parece um foragido a sair de si mesmo

na colonização da terra que não é seu domínio.

O colibri não desiste do oceano.

Amanhece ao seu lado,

como se um mago afagasse o seu rosto

numa tentativa de temperança

e das suas veias 

retirasse todo o veneno que o consome

que consome as pessoas vestidas na sua humildade.

Mas o oceano contraria os vates que o desenharam

bucólico;

sitiado na sua agitação insolente

imita o alpinista e cresce por cima das dunas

ocupa o chão empedrado da alameda vizinha

deixando para memória futura

um restolho que não finge o desacato.

O colibri não se inquieta.

As mealhas da História conhecem os ciclos

e da destruição episódica 

que reverte a favor da povoação das almas.

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