18.9.25

#4209

O alterado verbo meu 

que não espera por dádivas.

17.9.25

Injustiças documentadas (590)

A falta de comparência dos deuses

deve-se à extinção do barro.

#4208

Sem mãos 

sem mãos 

sou eu, 

em combustão vulcânica, 

a conduzir um mundo.

16.9.25

Uma prateleira de versos (desbiblioteca)

Se um dia 

vier um vento omisso

e do avesso a cabeça fruir num precipício

não me digam 

que é uma conspiração de Morfeu 

não me digam

que estou de avanço pelo fuso telúrico

e de mim se espera 

apenas 

a morada do silêncio. 

Se um dia

as portas decadentes combinarem 

com os veios da luz contrafeita

e eu 

aos deuses continuar sem dizer palavra

que me sejam abraçadas as bocas extáticas

a irremediável porção da noite

desencomendada aos anjos galopantes

e num arremedo de audácia

a mim 

convoquem as estrofes ajardinadas

o penhor de todos os medos

e eu

via láctea sem muros

me torne baldio não cadastrado

o amador profissional

que dá de penhor o sangue eflúvio

e uma prateleira de versos.

#4207

Ninguém sabe 

dos amuletos dos outros; 

ninguém olha 

pelo avesso das mãos.

15.9.25

Um copo de canseira (das antigas)

Um cofre arrendado ao porteiro

a parola que se avinagra nos mentirosos

essa terrível mania de falar da vida dos outros

viver – como se fosse possível – a vida dos outros

o asfalto perene que se cola ao céu da boca

e acaba com a mudez das consoantes

as diatribes de que são vítimas

na pessoa de fantasmas bem oleados

ao frequentar a disciplina 

“princípios gerais da conspiração”.

Um nabo a tiracolo

(estou mesmo a falar do vegetal)

emagrecidos pela dieta exemplar

os lugares-tenentes assobiam para dentro

à passagem de uma mulher escultural

agora são proibidos os piropos

foram extintos os piropos

a bem da antítese da masculinidade tóxica.

Amanhã

quando vierem os operários da metalurgia

vais tirar o modelo das fardas;

pode ser o futuro último grito da moda

antes que a moda emudeça de vez.

Injustiças documentadas (589)

Ao nono dia 

tirou um curso intensivo 

sobre como passar 

dos atos às intenções.

#4206

Pela cara do dia 

o sangue está em vias 

de se tornar lava.

14.9.25

#4205

O rufia 

forrado pela ira 

entontece a noite deserta.

13.9.25

#4204

A fama 

é sempre decantada 

pela boca dos outros.

12.9.25

Desenvelhecimento

O piano amortece nas teclas trocadas

e nós mentimos à idade

boémios encartados

no povoar dos lugares pródigos.

Não deixamos

que os adiamentos falem mais alto.

Passamos uma rasteira ao tempo tirano

e acabamos a rir 

como se não houvesse outro verbo.

Somos o nome da cidade 

a esquecer a vergonha mortífera.

Injustiças documentadas (588)

Manual de instruções 

do peripatético pastor das massas:*

o ridículo

nem mata nem mói.

 

*[No dia em que é capa do DN a primeira sondagem com o Chega à frente das intenções de voto]

#4203

Cá nos arranjamos 

entre o ódio profissional 

e as cicatrizes da indiferença.

11.9.25

Injustiças documentadas (587)

Ninguém perguntou ao corço

se quer participar no carnaval.

 

[Laivos de antropocentrismo]

#4202

Estremunhados 

os olhos incendeiam 

o dia.

10.9.25

Parque de estacionamento

Desta janela

desenhamos a paisagem.

É a nossa feitoria

como se a história tivesse parado

e os rios habilitassem as estrofes cheias.

As mãos dão nomes aos lugares

numa alquimia que cobre de ouro

as veias animadas com o vagar do tempo.

Atravessamos o luar tingido:

é nas costas do medo 

que descobrimos o segredo.

#4201

As rijas penas 

sofrem-se 

no vagar da angústia.

9.9.25

Ciência, política

Os países 

não têm biografia.

 

As pessoas

não têm bandeira.

 

As almas 

não têm custódia.

Injustiças documentadas (586)

Excelso, 

ou o dantes chamado

Celso.

#4200

Atiro-me ao mundo, 

descarnado, 

e não sei bem 

se é o mundo insaciável 

ou se sou eu.

8.9.25

Palavra de desonra

Um aformoseado ramo de cheiros

coloniza o quarto

a centelha acende-se na fruição das mãos

mesmo que estejam às escuras os olhos

mesmo que pendidos amanheçam os dias

não são as convulsões averbadas pelos pesadelos

a desfazer os propósitos

e o reino não fica pária. 

 

Amanhã

começo no dorso da manhã

e sigo por aí dentro

até ser o imperador ilibado

o poeta sem franquia

que não desiste

não desiste

e do dia 

faz o seu trono imorredoiro. 

#4199

Os gomos da esperança 

esmagam-se 

contra a boca insaciável. 

O seu sumo promitente apetece 

até aos deuses.

Injustiças documentadas (585)

Os que têm mãos pequenas 

são apátridas da bondade.

7.9.25

Injustiças documentadas (584)

Se tivesse cara 

de muitos amigos 

precisava de um cofre.

Injustiças documentadas (583)

Um peixe 

dentro da água, 

comme il faut.

#4198

Os destroços por dentro 

devidamente escondidos: 

a angústia não quer saber 

da indulgência.

6.9.25

#4197

Lançou uma OPA 

às ideias alheias. 

À falta de originalidade 

disse upa, upa.

5.9.25

#4196

Estas cordas puídas 

analfabetas 

que confortam o sangue 

em convulsão.

4.9.25

Injustiças documentadas (582)

Mostrada a mostarda 

o nariz fez-se hipérbole. 

#4195

Se à agua 

destinares a mágoa 

saberás que ela não magoa.

3.9.25

Injustiças documentadas (581)

Apenas 

as penas 

a penas tantas

e apequenas almas muitas.

Injustiças documentadas (580)

De mãos a abanar 

mas com os braços carregados 

de liberdade.

#4194

Fazes xeque ao rei

mas estás proibido de fazer xeque 

aos Reis que conheces.

2.9.25

Injustiças documentadas (579)

Não tenho pena 

da pena dada 

nem de quem 

por uma pena a lavrou.

#4193

Nos vasos milimétricos 

exubera o sangue torrencial; 

a grandeza mora 

onde menos se espera.

1.9.25

Não digas desta sorte não beberás

Escolhi os dados sem números

não creio que a sorte tenha paradeiro

e que se oponha ao bálsamo do azar.

 

Escolhi o acaso

a melhor tradução da sorte e do azar.

#4192

Se não fossem estas asas 

o chão era uma utopia.

31.8.25

Injustiças documentadas (578)

Sou todo ouvidos 

– e, homessa, 

o resto também.

#4191

Depois de tornar vívida a sombra 

o eco contou o resto da história.

30.8.25

#4190

A pele como a pedra granítica 

o suor como a chuva fria 

a noite como o sono fundo 

as serranias como uma voz doída.

29.8.25

#4189

Adoto um tom 

adapto o som.

25.8.25

#4188

Há rodos que são poucos 

quando a palavra os mente.

23.8.25

Desobediência

Permitia o verbo dissidente

enquanto pendia sobre a fogueira

todavia de atalaia aos mastins desenfreados. 

Sentado numa margem

(a margem da sua escolha)

olhava os altaneiros procuradores 

com desdém 

deles desconfiando por dever de princípio. 

Os outros também desconfiavam dele:

era por intimidação

esbracejando com o medo da dissidência

e com a solidão que lhe era dedicada

como preço a pagar pela ousadia. 

Esse era o incentivo diligente que precisava

para continuar a morar naquela margem. 

Não brandissem bandeiras

hinos que faziam levantar plateias

os ossos dos antepassados 

como fermento da pertença

ou até o idioma por que se faziam entender

(que a língua só é pátria para os literatos

que a usam como ferramenta de profissão)

não despachassem para os compêndios da História

ou para outras mnemónicas sebastiânicas: 

a matéria-prima que precisava

era o livre pensamento

dispensava 

todas as trelas aparelhadas 

pelos diligentes engenheiros

que ensinam a obediência irrenunciável. 

Até hoje

não se arrependeu.

#4187

A pele puída 

tosse nos murmúrios do tempo.

22.8.25

Injustiças documentadas (577)

Dali vem o Dali.

Dali é dali. 

#4186

Estilhaçada a louça 

não era, todavia, 

a devastação hasteada 

em idioma púrpura.

21.8.25

#4185

A roda que veloz 

parece vertiginar mais depressa 

que o mundo.

20.8.25

O que fazer com a ferrugem?

O antídoto da ferrugem

é saber que a ferrugem 

não existe.

No dia 

em que a mnemónica

se perder no restolho da distração

a ferrugem

vai começar a tomar conta de tudo

com vagar mas pertinácia

até atingir o estatuto de irremediável.

Nessa altura

Nem a nostalgia 

 

(ou sobretudo ela)

 

será antídoto aceitável.

#4184

A partida 

a casa furada 

que chora 

as dores do futuro.

19.8.25

Injustiças documentadas (576)

Viva 

vi 

iva. 

#4183

A luz interrompida 

um sismo no tempo 

o medo emudecido.

18.8.25

Injustiças documentadas (575)

Saia sem a saia 

sem que saia 

com maus modos.

#4182

As frases 

deviam começar sempre com “mas” 

para ninguém soar a falso.

17.8.25

Os últimos dias não são os dias últimos

Os últimos dias

foram apenas a véspera

de outros dias. 

Deixo ao acaso

a matéria funda 

onde as vozes se congeminam

o lugar não sonhado

das flores evisceram o medo. 

Meto as metas no alfobre das perdas:

no lugar de onde venho

as armas não se terçam 

diante dos rostos impassíveis

e sei das estrofes descombinadas

que aguentam tempestades. 

Sei 

de fonte segura

o dia seguinte 

não se intimida com o pretérito

por mais pesado que seja 

o composto herdado

por mais inverosímil que venha a ser

o apanhado das memórias 

na colheita avulsa. 

Os fantasmas 

não precisam de esconjuro;

se fantasmas são

só se devem a quem os alimenta.

#4181

As solas 

que desapertam 

os nós e os enredos 

são as mesmas 

que os calcam.

16.8.25

#4180

Perguntaram 

na sala de aula 

quem queria ser Napoleão. 

Ao contrário de Dali, 

ninguém queria.

#4179

Obedece aos baldios 

as desregras 

são o melhor astrolábio.

15.8.25

Injustiças documentadas (574)

Ideias tão cerradas 

estavam mesmo a pedir 

para serem serradas.

Injustiças documentadas (573)

Sonho, todas as noites, com um país diferente.

Sonho com um país diferente todas as noites.

E são coisas diferentes.

#4178

As ondas rebentam

onde o areal as beija; 

um banho involuntário, 

não uma bomba fratricida.

14.8.25

Injustiças documentadas (572)

Em consciência:

inconsciência 

– um verbete da insânia. 

#4177

O ocaso 

é só a véspera

de outro ocaso.

13.8.25

Tira dentes

O processo fabrica as mãos

no augúrio do desmedo

que averba o dia prodigioso. 

O riso amacia as palavras. 

Desmonta a privação de modos

em esgares que esconjuram a bondade

 

(ele há casos

em que os desmodos entre o casal

não significam

senão

o insensato despovoar de cortesia

a insignificância de um sentido sem cimento).

 

O sol irrompe atrás do nevoeiro matinal. 

Há sempre uma cura

o fio que nos ata ao exterior de nós. 

As varandas não deixam ninguém de fora. 

Ah!

se soubéssemos o paradeiro 

dos dicionários escondidos

não seríamos apóstatas 

em nome próprio. 

Injustiças documentadas (571)

Coisas grossas em corpos finos 

acaba

numa trovoada desatada.

Injustiças documentadas (570)

Fez, 

tipo,

uma cena

no Sena.

#4176

Perguntei ao espantalho 

quantas auroras boreais tinha visto 

ele disse 

que passa muito tempo a dormir. 

12.8.25

Injustiças documentadas (569)

Escrevia 

dúvida 

e o teclado 

sintomaticamente 

devolvia 

dívida.

Injustiças documentadas (568)

Por falta de comparência 

– assim dita a lucidez.

#4175

O cursor flameja 

na folha branca e impaciente 

à espera de uma ordem

à espera de se transfigurar

em palavras.

11.8.25

O paraíso do monta-cargas

O córtex obsoleto

matéria-prima de necedades

concebe-se usura da inteligência

à conta da facúndia lúgubre.

Aos beócios sem remissão

as armas sem destruição massiva

 

(eles diriam maciça, 

em rima 

com a sua linhagem reconhecida)

 

a postiça erudição

à falta de paradeiro

profetas das suas próprias profecias

viciados na anestesia do demais.

#4174

Aceita o mau 

se o ou for o péssimo.

 

(Tempos desinteressantes)

10.8.25

Injustiças documentadas (567)

A esperteza saloia 

é uma desvantagem 

e um opróbrio regional.

#4173

Azar virado do avesso 

sem ser o idioma da sorte.

 

(Terra de ninguém)

9.8.25

#4172

Vista de fora 

a fronteira 

é só uma miragem.

8.8.25

Umbilical

Gota a gota

o suor bolçado

efervesce a pele

na clepsidra hiante.

 

Dos olhos

a paisagem sondada

desenha uma silhueta

no escafandro enferrujado.

 

No perímetro

lugar desviado do sagrado

adormece o adro

em seu sentido espectral.

 

Diz esta pérgula

que foi síndica de paixões

sem culpa formada

por ser bucólica atração.

 

Ao mar

as angústias evisceradas são devolvidas

nadam na profundidade

na escuridão em que medram.

 

Dou-me à noite

guardiã improvável da carne

na anestesia do pensamento

o lugar onde se fabricam os sonhos.

#4171

O disfarce

vestiu um disfarce 

e deixou de ser genuíno.

7.8.25

A procissão dos segredos

Que segredos esconde

a maré alta

a não ser a conceção do segredo

que se esconde sob o vidro fosco

do mar agitado?

 

Que verbos desalinha

a maré baixa

por deixar os destroços da maré prévia

de que não consta 

sequer 

entrada em dicionários?

 

Que saques

acordam na penumbra

enquanto as marés disputam o púlpito

e os números não contam

na aritmética?

 

Que provérbios

ficam por inventariar

pelo marégrafo intrigante

que esconde as folhas

sob o restolho do Outono?

#4170

Sou o dia aberto

o peito estrénuo

a fala sem intimidação.

6.8.25

Os cínicos

Uma vantagem dos cínicos 

é estarem sempre à espera 

dos contratempos 

para depois dormirem com eles.

Outra vantagem 

é desconhecerem a língua de trapos 

da desilusão.

#4169

Arruma a solidão 

na moldura do tempo.

5.8.25

Amuleto

O amuleto 

fala com as sílabas ao acaso 

no avulso ocaso vertido

em versos luminosos

versos que sorriem ao sol amplo.

#4168

O peso do ouro 

preso por arames 

no testamento dos estilhaços.

4.8.25

O naipe em falta

O espaço que dista

até deixar de ser lucidez

é a medida escolhida

a multiplicar por

(número à escolha do leitor).

A língua prova o azulejo

como se fosse o esquadro

onde se compõe a gramática.

 

Não digas à lua,

segredas

para ninguém ouvir,

ou ela esconde-se 

sob nuvens mal humoradas

e depois temos de adiar

o sortilégio da noite. 

 

Ao baralho

faltam

(número à escolha do leitor) cartas;

não se suponha

que um dos gladiadores

fica em vantagem:

a adulteração da sorte e do azar

é indiferente

ao número de cartas em falta. 

 

Corre ao miradouro

pode ser que vejas o luar

desenhado em azulejos distintos

onde se escondem

as cartas em falta. 

#4167

Mutantes 

como o sangue furtivo 

que foge do medo

e canta no estuário da manhã.

3.8.25

#4166

Ensaiam 

na maquinal dança sem fim 

a anestesia dos sentidos 

o apurado desfreio

que ilude a liberdade.

 

[“Sirât”, realizado por Óliver Laxe]

2.8.25

Injustiças documentadas (566)

Mnemónica para os distraídos: 

mais gato do que lebre.

#4165

No abotoar das ideias 

contam as palavras 

escolhidas a dedo.

1.8.25

Injustiças documentadas (565)

Na zona franca 

ninguém conta mentiras.

Injustiças documentadas (564)

E depois 

há aqueles 

cujas vidas 

são eternas obras 

de Santa Engrácia.

Injustiças documentadas (563)

Antes (de) cair em desgraça 

(há) que ser engraçado. 

#4164

Um lampejo de cor 

esbraceja no crepúsculo 

promete a luz que resgata 

a lucidez.

31.7.25

Cosmovisão

De todo o mundo havido

sinto que estou devedor

de muito mais mundo por haver.

Os lugares por inaugurar

a promissória

de cujo distrate o tempo cuidará

terão um dia inventário.

Não sei 

quanto mais mundo haverá

mas sei

que sou, 

e em parte significativa,

todo aquele mundo já havido.

#4163

Antes a dissidência 

do que desabar 

pelo peso da consciência.

30.7.25

Injustiças documentadas (562)

Por que se diz

pela hora da morte

como se fosse

um contrato de carestia

se à morte é tão fácil chegar?

Amnésia

Entorta as certezas 

no palco dos erros

onde vestes 

a humildade dos pequenos

e, contudo,

entroniza a imutável grandeza

da linhagem sem contrabando.

 

Engana as costuras 

que nas feridas transportas rastos

desacontecimentos sem memória

e a espingarda que rebenta

com as cicatrizes do mundo.

 

Faz com que a amnésia

venha comer à tua mão.

#4162

Acordava 

sem o fole dos pesadelos 

desalfandegado de todos os medos.

29.7.25

Assinatura com tinta permanente

As coisas que as coisas têm 

não se juntam aos adjetivos 

que sobre elas se inventariam. 

Se ao menos soubéssemos 

se as coisas têm um avesso 

não procurávamos pelas bainhas 

até sabermos do seu fundo. 

É como 

mergulhar num poço sem fundo: 

ninguém acredita na credenciação, 

mas não se vê nada 

a não ser o nada.

#4161

À vaia, 

ouvidos de parede

e sono discreto.

28.7.25

Saltar sem corda

É nesta custódia 

que quero albergue. 

Os rios abundantes, 

veigas exuberantes, 

colheitas frondejantes, 

um segredo 

para evitar a invasão 

de sobressaltos, 

a noite repleta 

de sonhos válidos. 

Um corpo 

em forma de dádiva. 

E o outro, 

recíproco,

numa coreografia servida 

por estrofes matinais.

#4160

Corpos silhuetas

expropriam a luz; 

deles 

é o trono do estio.

27.7.25

#4159

Talvez sem custódia, 

que somos amantes 

da liberdade.

26.7.25

#4158

Não tenhas medo da lanterna 

a luz não te morde o pensamento.

25.7.25

Sem fronteiras

Se perto fosse a ofensa

e de guetos falassem 

os idiomas sem diálogo

as vestes solenes 

com que se disfarçam

os lugares

teriam de arder numa pira. 

 

Se puídas fossem as bandeiras

e as bocas não falassem

por reflexo condicionado

as palavras seriam como velas acesas 

pelos ventos ao acaso

e dos mares demandados

só haveria notícia de sereias feiticeiras

e marinheiros testemunhas da madrugada. 

 

Não transigimos com os pesadelos

quando o lugar do crepúsculo

eles ocupam 

e arrepiam os versos que são a prova

de que as quimeras não são apenas

a fértil encenação de sonhadores avulsos.

#4157

Às almas sem costuras 

a luz desalfandegada da madrugada.

24.7.25

Injustiças documentadas (561)

E se ao menos 

fizéssemos de conta 

que amanhã é amanhã.

Injustiças documentadas (560)

Se tirares as medidas, 

sobra-te um nada.

#4156

O bem da sombra 

é ser o avesso da luz.

23.7.25

Sobre a sorte

A flor

beija a noite

que a costurou.

 

O nevoeiro

sitia a cidade

num pesadelo contumaz. 

 

A fala

conspira uma mudez

no estertor da solidão. 

 

Uma ponte

a soldo dos rebeldes

amanhece contra os prognósticos. 

 

A estrada

consegue ser um vazio

sempre a fugir dos outros. 

 

A madrugada

vence a atalaia dos sentidos

no verso acanhado dos deuses sem sono. 

 

Um idioma

sobe pelos dedos túrgidos

rouba os emudecidos lábios. 

 

Até que extremados

os loucos vegetam na lua possuída

desfeiteando os demónios em barda. 

 

Páginas depois

o olvido impede a nostalgia

dos circenses que desabençoam a fogueira. 

 

Tarde

o bocejo arremata um par de minutos

até os curadores do medo deporem. 

 

Calada

a boca sela 

a angústia estilhaçada. 

 

O vento

vem de longe

contar uma matemática sem números. 

 

Vem contar

entre meadas de vozes sibilantes

os segredos mal guardados. 

 

Até que

os cobradores do futuro

se fechem na escuridão que os açambarca. 

 

Então

invisíveis aos olhos lúcidos

desapertam a escotilha e falam.

 

Falam

incessantemente

com as sílabas todas sem vergonha. 

 

Como

dentes-punhais

cortando a carne podre a eito. 

 

Para então

cúmplices

desassorearem a mudez contrafeita.

Injustiças documentadas (559)

Controverso.

Contra o verso.

Encontro o verso.

#4155

De todos os dotes 

arrefecemos o mundo 

das ilusões mandatadas.

22.7.25

Cultura

Não tenhas sede 

de cultura

que a cultura está distraída 

e não tem sede de ti.

Podes dizer

com toda a propriedade

que a cultura é como 

um camelo.

#4154

De todas as cores imprevistas 

tua é a fala preponderante 

um amanhecer sem promessas frívolas.

21.7.25

Metáforas sem sabor

Ainda hoje

estou para saber 

a que sabem as metáforas

angariadas às três pancadas.

 

Desconfio

que é só uma prova de vida

daquelas congruentes com a epifania

de quem se dá a conhecer

do alto do seu eruditismo.

 

Fora disso

a metáforas metidas a martelo

são como 

víveres fora de prazo

que contribuem

para comida datada.