15.4.25

#4062

O nariz do corsário 

ainda não aprendeu com a mostrada.

14.4.25

Injustiças documentadas (530)

Apareceu 

de peito feito

e nem sequer

foi ao silicone.

#4061

Se ainda sobrasse luz 

como do dia o adiamento se ajeitasse 

na súplica do ilustre impossível.

13.4.25

#4060

Fraquejava

– esse corajoso avental 

mostrado às claras.

12.4.25

#4059

A este bramido 

que nos cospe sem vergonha 

fogem os rostos enquanto não cedem 

por decência.

11.4.25

A fábrica dos sonhos

A leveza da tarde 

entre as árvores que renascem

e o rumor que evoca as falas limítrofes

levita no palco onde se aformoseia o dia.

Como se fosse uma anestesia

e em redor tudo deixasse de contar

os olhos fechados entram no exílio

desenham os contornos de um lugar singular.

 

Não se perfumam as armas de outros arsenais

não se tatua a desconfiança na melancolia

não se levantam as ondas iracundas

numa maré acostumada por ventos adestrados;

as ruínas escondidas

avalizam o tempo furtivo

rivalizam com os destroços avulsos

que não são despojos.

 

Se der à noite o que ela impetra 

– um quarto sombrio onde vagueiam as palavras

o luar logrado pelas nuvens acamadas

um rasto de sobriedade que povoa a lucidez – 

sinto a redenção a medir as veias

e sei que sou tutelado pelo sono seguinte

enquanto o amanhecer se prepara

na fábrica dos sonhos.

Injustiças documentadas (529)

Tanto se elucubra 

sobre a guerra comercial 

e ainda ninguém se lembrou 

de tarifar a guerra.

#4058

Este é o vento raso 

que penteia a pele.

10.4.25

Ímpares

É a maresia que adocica o dia

à medida que o relógio se adianta à luz

e os desacontecimentos se orquestram

no idioma válido. 

Diziam 

que somos todos derrotados

mas não acreditei;

está é uma teimosia cara aos vencedores

um cálice bordado a ouro para o melhor néctar

as pétalas encimando as pálpebras prístinas

e outros modos de falar 

que passam pelo silêncio. 

Tomo o entardecer como solução para as dúvidas

sob a tutela de um copo de vinho

a espada para desfeitear o dia tumultuoso

à espera que a maré encha

no recobro solitário dos verbos desarrumados. 

Esta é a fértil absolvição imprevista:

o revólver vazio 

acompanha a solidão da noite.

Ainda bem que não há vítimas

no perímetro sob a tutela do olhar.

Injustiças documentadas (528)

E depois havia aquele notável 

que, cansado de o ser, 

suplicava 

“quando for pequeno”.

Primeira página

Tomamos conta do luar

apanhamos de cor 

as pétalas que levitam

e dançamos os verbos encantados

que nascem no sangue amotinado.

#4057

Gosto do improvável: 

dos dias diferentes 

procede o condimento da vida.

9.4.25

Custódia

A senda aberta 

o grande temor do mundo

arrancado aos ferros ferrugentos

amacia as palavras que se estilhaçam.

Manifesto contra os contratempos

Podemos dar nomes a vulcões

ou apenas ficar à espera do luar

enquanto afastamos o crepúsculo

com as costas das mãos.

 

Podemos assentar os olhos no devir

amassando os verbos até serem pródigos

e cortejar os jacarandás

até que se tornem nossa bandeira oficial.

 

Podemos desejar os versos por fazer

sermos arquitetos da poesia sem estribo

ou apenas darmos a voz colossal

ao palco onde se emancipa a fala.

 

Podemos fugir da noite fria

empunhando as mãos enlaçadas

que fruem no hino magistral

enquanto vemos os dias em roda-livre.

 

Podemos ouvir o rumor das rugas

o silencioso penhor que não recusamos

e estender os passos ao tamanho do mundo

no calendário sem regras que levamos nas mãos.

#4056

Sou 

o chão 

que se entranha 

no corpo.

8.4.25

Conduta

Permanente contratempo

a égide dos olhos tomados pelas nuvens

e lá fora

a multidão sem protesto por falta de causa. 

 

Logo que os tribunais dos sentidos

ganhem sua pausa

peço à lua um chapéu sem abas

para do luar pedir duas estrofes de empréstimo

enquanto finjo um sono improvável

e escuto as falas que se entrecruzam

no reino destronado 

por conta da avenida dos heróis sem nome. 

 

Não se diga 

que há carestia de palavras. 

O poema arredondado 

sobe no crescente diurno

emoldura o rio prateado

como se fosse medalha olímpica. 

Injustiças documentadas (527)

Correr à boca pequena

é mais devagar 

do que correr à boca grande?

#4055

Desmata o preconceito. 

Não precisas dele 

até seres noite puída. 

Injustiças documentadas (526)

Descobri 

o (mesmo) saco 

onde está 

a farinha (adulterada).

7.4.25

Musgo

Rasuradas as lágrimas

extingue-se o vulcão da memória. 

 

Agora somos só nós

uns braços sem arestas

e a visibilidade da manhã fria. 

 

À sorte

pedimos a água que afasta a sede

uma maré sem nome

que se alista no cais sem prescrição. 

 

Dizemos adeus

aos fantasmas diletantes

e no compêndio da fala

convocamos as bocas sem mudez

elas em forma de poetas

embuçando o exército de párias.

#4054

O rio caduca

quando beija o mar.

6.4.25

#4053

Uma carta de amor 

não se escreve,

vive-se.

5.4.25

#4052

As ideias que se mestiçam

atapetam a glória 

de quem as pensa.

4.4.25

#4051

Diz 

com a força do sangue que trazes 

as estrofes de que te sabes composto.

3.4.25

Telhados de vidro

Das pistolas puídas falam os párias. 

O sol posto sobre as entradas

um embaraço aos estetas

como um campo minado 

por ferramentas amolecidas;

já nisso andam os pastores

desde a alvorada anterior à própria alvorada

o pecaminoso joelho em cima da luz ríspida. 

 

Depois

entram os cavalos desempossados

consomem a saliva irada de quem foi abandonado

impunemente desbaratando a liberdade herdada. 

 

São tantos os contos

que se atropelam na tela do pensamento;

não chega todo o vocabulário

nem a medida do tempo parece combinar

e a trovoada como pano de fundo

mistura-se com o rumor do fino fio de água

que é ainda véspera de um rio. 

 

Avançam

sobrepostos a uma meada de nuvens

os braços frenéticos que falam de segredos;

avançam

reféns da sua ordem meteórica de acasos

e nós

desde a plateia

esboçamos um coro esforçado

não escondemos o olhar seráfico

que se antecipa ao sono tutelar. 

#4050

Um lírio sem haste 

fala pelas lágrimas órfãs.

2.4.25

#4049

Praticamente a desembestar, 

o torneio que não se candidata 

ao fátuo.

1.4.25

#4048

As pétalas dançam 

memorizam o dia latente 

antes de serem expropriadas 

pelo vento tardio.

18.3.25

#4047

O festim 

troca silêncio por solenidade 

averba um porvir que dispensa 

juras.

17.3.25

Jardim

A participação na dança

não

o esmero nos socalcos 

onde se aformoseiam palavras

sim

o sulco na costura do Sul

talvez

o lugar embaciado

que desfalece no colo sentinela

não

o tira-teimas

contra teimosos incorrigíveis

sim

de malas aviadas no porão do futuro

talvez

e depois o grotesco pesar

que grita por dentro de vozes sombrias

não

o logro defenestrado

no óbice dos mastins profissionais

sim

e um adiamento sem deusa

apenas critério

talvez.

#4046

A ordem da lata 

sem tergiversações aposta 

em mandantes medíocres.

Injustiças documentadas (525)

Uma força 

que é uma farsa.

 

(De um cão que ladra 

mas fica por morder)

16.3.25

Marioneta

Em choque frontal

o clarão acende-se na frontaria da cidade.

As olheiras mandam nos rostos

eles que foram vacinadas a contra as lágrimas

os esgares disfarçando a fuligem dos rostos.

Não há espoliados na contagem dos danos:

a rudeza dos corpos

é o tirocínio sem falta

o olhar lúcido que se projeta

no cais firme em que se lançam as mãos.

#4045

O ruim humor 

pela calada

desarruma os olhos atreitos.

15.3.25

Injustiças documentadas (524)

Fazer suar os alarmes

como quem vai à sauna.

#4044

Pede, 

e espera, 

deferimento;

penhoradamente

– penhoradamente

 

(ou lá o que isso é: 

manto do fingimento,

disfarce dos impostores).

14.3.25

Assimetria

Cabia na enseada o curto chapéu da memória

as ondas modestas a roubarem o silêncio.

Nas trovas providenciais arrumavam-se as vozes

fendidas no espectral avanço da fala

pequenas sereias habilitadas pelas palavras.

Quem podia dotar a palavra

escondeu-se na mudez.

Ninguém soube a não ser o nada

menos os que se refugiaram no silêncio

que nem sob tortura acabariam por ceder.

Não faz mal:

o que escondem como monopólio do saber

tem a mesma importância 

das coisas desimportantes.

Reverencial

Avanço no medo

soterrado

pelos lingotes que falam manhãs

as umbrias que esbracejam

uma fala.

 

Concedo um lanço

aterrado

com os magotes que povoam amanhãs

as fímbrias que esvoejam 

o que cala.

#4043

Dizer 

transparente

para esconjurar 

fantasmas.

13.3.25

Mátria

A tua boca sabe ao sal que anoitece. 

A minha adormece saciada. 

Da noite que se entroniza sob o nosso olhar, 

os versos devolvem o silêncio. 

Em nós, 

a poesia amanhece sob o luar sentinela. 

Daqui é o dia que somos soldados,

armados com as munições dos amantes. 

#4042

Não fica o asfalto por dizer 

nesse pranto que se faz limítrofe.

12.3.25

O luar assaltado

Guarda a noite no espantalho ao relento.

 

As vozes que campeiam

são como pastores solitários

farejam as flores do campo.

 

Não meças na lua

a estatura desembaraçada:

o luar assaltado não remedeia

os esgares feitos por alturas do entrudo.

 

Guarda a noite

como se fosse um tesouro

e conserva-a na ossatura centrípeta

antes que os demónios estraguem o dia

e o vulcão ameace chegar ao céu.

Injustiças documentadas (523)

A desgraça

não é nada misantropa.

#4041

A bula 

não expurga

a gula.

11.3.25

Associação de ideias

Um joelho nas ideias:

 

para quê larapiar um saco de boxe

se os dedos indigentes 

descuidam do acesso à lua?

 

E depois

eram muitos os que mordiam o lábio

o reverencial bafejo que conspirava;

 

os desconfiados finam-se

de tanto desconfiar

como aqueles impostos que tributam

tudo o que ousar mexer. 

 

Não soube ser noite durante o dia

a crisálida veio contra mim

e fiquei com uma cicatriz

em forma de seis.

 

Não importa.

 

De hoje para trás

sei 

 

dos oráculos sem combustão

 

encontro-os no escuro

de olhos vendados

porque é fácil ser feiticeiro

quando tudo

 

já é sabido.

 

Injustiças documentadas (522)

Aos desmancha-prazeres

devia ser decretada 

a catadura de terroristas.

#4040

Dado o porte solene 

Avinagra-te de cima a baixo 

antes que sejas o rosto 

usado pela rua.

10.3.25

Rendição não rima com redenção

Rendição não rima com redenção. 

 

Os garfos ciciam ao ouvido

a récita teimosa

um rosto coberto por uma nuvem

extasia-se com o encantamento do ocaso

e devolve

em ovações 

o revolver espaçado que vomita munições

à medida que os rendidos se ajoelham

perante o futuro. 

 

Aos peticionários da redenção

alguém acenda a gambiarra

e diz-lhes

com o rosto imperturbável dos algozes

que ali só se trata de rendições. 

Então

desenganados

as almas cabisbaixas

ao corrente do espaço em breve finito

cambaleiam na antecâmara da morte

condenadas

os olhos cobertos por lágrimas de sangue

o tempo inteiro havido

cerrando as alcáçovas onde tudo se extingue. 

 

Naquela noite

os algozes hão de saber

que é uma noite igual às demais

sem a espinha açambarcada pelo remorso

que a redenção falhada

ficou por conta dos que se renderam

e eles

a raça superior que esbraceja o poder

nunca serão apanhados 

no delta da rendição.

#4039

Mais pelo torto 

do que pelo direito 

o sortilégio este de errar.

9.3.25

#4038

No sobressalto do tempo 

a voz demora-se 

num desfalecido pesar. 

8.3.25

Injustiças documentadas (521)

Ave, 

te saúdo, 

sem que me digas 

que o ave vale um avo.

#4037

Alguém se lamenta: 

agora 

é sempre a descer; 

ao menos 

vai cansar menos. 

7.3.25

Injustiças documentadas (520)

Vamos 

serremos as fileiras 

para testar a sua resistência.

Injustiças documentadas (519)

Não tenho etiqueta: 

cortei-a cerce

(que a etiqueta 

era exuberante). 

#4036

Os fantasmas

saltavam à vara 

pareciam 

atletas olímpicos.

6.3.25

Bullet points

Somos feitos de metáforas

a argamassa fina que cola os ossos

a cidade fecunda de onde tutelamos o mar

somos 

os gomos gordos que escorregam dos dedos

a alvenaria todavia puída

um refúgio escondido na planície 

uma gramática a desjeito

o desajeitado forcado 

que levanta o dia pelos cueiros

a mortalha suada sobre a boca servil

uma imenso mapa 

à espera de lugar.

#4035

Saltar barreiras 

sem manual de instruções.

5.3.25

Rendição

A rendição

tem de ser escrita 

apalavrada

com a jura solene de uma assinatura 

ou pode ser apenas dita 

sem entoar a jura 

apalavrada?

 

A rendição

é a tatuagem da derrota 

ou pode embutir na madeira 

um empate cavalheiro?

 

A rendição

pode ser fingida 

ou sendo apalavrada 

não admite farsa?

 

É possível

falsificar a rendição?

 

E o que interessa a rendição 

se não há sequer 

beligerância?

Injustiças documentadas (518)

Desenhamos 

as ameias 

a meias.

#4034

Vende-se 

elixir da desilusão.

Injustiças documentadas (517)

Loção 

de confiança.

4.3.25

#4033

Provei a água do rio 

que dizem ser doce. 

Esqueceram-se de deitar

o açúcar.

Injustiças documentadas (516)

Fim, 

de citação.

3.3.25

Impedimento

Não sirvo o inadiável

não sirvo para candeia

não sou o servil fantoche

disfarçado na vontade de outros

estremunhado na sua incendiada vontade. 

Não suponho farsas

não me sento no lancil do desespero

não corro atrás das vanguardas

 

(que contradição de termos)

 

penhorado por rostos impassíveis

devolvido aos meus impossíveis. 

Arqueio o braço pendido

os copos fulgurantes descendo dos céus

a mecha sem mouche

ou o espantalho servido de espátula

cortando a direito no Direito

tal como

o povo escarcéu que pudesse 

ó vontade ser feita

esquartejava o alegado que julgaram 

antes do tempo

silenciando o alegado

que eles já sabem tudo

o que está em falta saber.

#4032

A alma rendida 

frugal.

2.3.25

Injustiças documentadas (515)

Torcer o nariz 

mas sem o quebrar.

#4031

De mim 

digo uma sombra 

o lugar imediato 

onde me cumpro 

frágil.

1.3.25

#4030

A língua-viva

a língua, viva 

viva a língua.

Injustiças documentadas (514)

Ninguém se importa 

com os mitos rurais.

28.2.25

Dose e meia (hipocrisia)

Cheia vai a barriga 

de genuflexões e elogios

todos bastardos.

 

Dizem: 

o que importa?

 

Mesmo sabendo que são uma farsa

justamente por deles se saber

serem uma farsa.

 

Dizem:

para hipocrisia

hipocrisia e meia.

#4029

O fevereiro

parece um gato 

sem cauda.

27.2.25

Injustiças documentadas (513)

Quero dar-te uma palavra;

não espero que gratifiques 

tão longânime desprendimento.

Elogio do silêncio

Pede o silêncio

que não se faça pouco 

da tímida luz. 

Não é encenação

e mesmo que fosse

ao teatro perdoa-se sempre 

o palco de fingimento. 

Fica a mordaça 

entregue às palavras

que não chegam a ser ouvidas. 

O silêncio esconde-se 

nas ameias guardadas 

por espartanos fiéis

os que juraram arremeter 

contra os gongóricos. 

A palavra breve

monástica

tem mais a dizer

do que a prolixa tempestade 

que as atira, intermináveis, 

para o lugar onde irrespirável

o ar se amaldiçoa.

#4028

Fujo 

do fermento que falsifica 

a farda à prova de farsas.

26.2.25

Os colarinhos do dia

Agarro o dia pelos colarinhos

desafio-o 

a ser o lado visível da coragem

a sair do lodo em que se consome.

 

As flores não se escondem nos canteiros

nem quando a tempestade vira tudo do avesso:

 

o dia 

não pode ficar por menos

só precisa de ser agitado

fortemente convulsionado 

pelos colarinhos

para se libertar do torpor suicida.

 

Ai do dia

se sobrar impávido

e os colarinhos vierem puídos:

 

ainda confiamos no dia

não precisamos que ele seja embaixador

da apatia que nos condena

a vegetar sem ânimo de coisa diferente.

Injustiças documentadas (512)

O que há a dizer dos amigos do alheio 

são duas coisas: 

primeiro, 

são de uma generosidade desarmante 

(são mais amigos do que não é seu); 

segundo, 

medram na antítese do narcisismo. 

#4027

Um figo doce 

ajaeza o adro

respira pelos poros

da calçada cerdosa.

25.2.25

Vesúvio

O que deixarmos sem tréguas

será a caução gasta dos impérios a destempo

o gume acertado no roseiral

enquanto se fabricam dádivas

e as palavras entontecem na magreza da maré. 

Os deslimites juntam-se aos patriarcas do medo

que falam idiomas incontinentes

e exibem as joias intensivas 

que pesam sobre o peito válido. 

Não aceitamos conspirações

nem damos troco a déspotas

no reino nosso sem hino nem nome

destinamos ao enfado 

os que aparam a língua puída 

e desfeiteiam as páginas límpidas

as que haviam sido resgatadas

ao céu luminoso que dava nome

ao horizonte.

#4026

Por um fio

Ariadne salvou o mundo.

24.2.25

You get these words wrong

You get these words wrong:

 

finjo

fujo

dou-me

às palavras fungíveis. 

 

You get these words wrong:

 

amortalhado, não

nem murado

pois antes

mestiçado

corrijo as palavras

em proveito próprio. 

 

E portanto:

 

leave me alone,

 

sentinela

subindo à lapela

sulcando o precipício

o sinédrio da sabedoria

em cestas ensinada

sideral

no centrípeto salão

das palavras em forma 

de senha.

#4025

O sono sonso 

açambarca o siso 

e assombra o barco 

que assoma no sonho sumido.

23.2.25

#4024

O acepipe avinagrado

o corpo arrastado 

de um régulo sem cajado.

22.2.25

Injustiças documentadas (511)

Está talhado

para ser salvífico 

mas desconfia-se

que não tarda a talhar.

#4023

O gatilho sem sombra 

as reticências ingratas 

a boca que não se esconde 

no silêncio.

21.2.25

#4022

Não somos santos nem magos 

nem à conta de tamanho infortúnio 

apascentamos mágoas.

#4021

Conta-me tudo 

não deixes que o silêncio 

seja língua franca.

20.2.25

Geometria descritiva

A colheita dos vis

avizinha-se no espelho riscado

rosnam os desavisados sem pudor

apequenados no vulcão despenhado

dispensando o grotesco rumor da turba. 

 

Não seja pela vileza desanónima

o fausto crepuscular que esbarra na clepsidra

um estilhaço misturado com a carne

a matéria corrompida no altar dos farsantes

e tudo o resto

 

destroços abraçados a comendas

o justo rugir que substitui os idiomas.

Injustiças documentadas (510)

Travou-se de razões 

antes que as pastilhas 

ficassem gastas.

#4020

O corpo tépido

no incenso da manhã

agiganta o verso do dia.

19.2.25

Vigia

As luzes escondem-se no labirinto do corpo. Não mentem: averbam as juras desprezadas nos despojos de um tempo sem sinal. Somos sentinelas dos sonhos sem paradeiro, como se déssemos nome ao estuário que abriga os navios. Emprestamos luz ao mar. E ouvimos dizer que o mar está de vigia por nós.

#4019

Chora por ultimato 

a coragem 

não se vende às palmas.

18.2.25

Trama

Corres atrás da fonte das palavras

os dedos juram estrofes sem medo

como se apostassem na redenção. 

Desdissesse as juras amontoadas

os vultos então emparedados

condenados ao silêncio

e a noite enfim soberana na escolha

dos sonhos desembaciados. 

 

Os apeadeiros não tinham nome

como as pessoas não tinham nome

e eu sabia

no provisório desdém da verdade

que as profecias nunca têm validade. 

 

Chamava pelo ciciar da fala perto

um miradouro às escondidas

os corpos insinuados nas sombras revezadas

até que as portas desembaraçadas

se abraçavam às sentinelas sem freio

levantando as credenciais 

e o medo cristalizava em leves socalcos 

só à espera

de o luar confirmar 

a voz penhorada da noite.

#4018

Antes que o satélite do asnear 

entre em órbita

guarda 

para memória futura 

o artefacto da lucidez.

17.2.25

A maravilha da espécie

A pauta espoliada

à guarda dos centuriões

desmata os segredos de outrora

válidas arcadas sobranceiras ao espetáculo

da vida. 

O gelo finge as fissuras 

imita a estultícia sem rodeios

as pagas por haver no débito sem inventário

como as bocas pasmadas 

que esperneiam com o toque de Midas 

– o operário nas horas vagas da humanidade –

combinando as sílabas destronadas

com os episódios de humildade

que conferem, 

enfim,

a maravilha da espécie.

#4017

A sentença da manhã 

derramada sobre os rostos inaugurais 

conta os versos que saciam a letargia.

16.2.25

Injustiças documentadas (509)

Não tenho cabeça 

mas não ma deceparam.

#4016

A bola ficou na rede. 

Lamenta a orfandade 

sob o esgar tirano da rede. 

15.2.25

Injustiças documentadas (508)

A culpa já vive 

em união de facto.

#4015

Mantemos as cortinas hasteadas 

interditamos os olhares forasteiros 

como manda

a reserva do direito de admissão.