26.12.25

#4308

Inteiro 

– nem que o custo 

seja insular.

25.12.25

#4307

Vai sendo costume 

a ausência de guerra 

não ser a paz.

24.12.25

#4306

À noite, 

um brinde: 

há noite

e somos dela.

23.12.25

#4305

As luzes emudecem 

os corpos adormecem 

os sonhos amanhecem.

22.12.25

#4304

No mosto do perdão 

aninha-se o alívio da alma, 

o não gratuito apelo da quitação.

21.12.25

#4303

Um poço escondido 

onde se guardam segredos 

num fundo de águas crepusculares.

20.12.25

#4302

O corsário 

amaldiçoa as marés-vivas 

sem elas pirateava com mais deleite.

19.12.25

Niilismo categórico

Não acredito em nada

nem nessas faustosas teorias

que celebram o nada em teoria.

 

Não acredito

em balas e em bolos

na posse da erudição e na contrição

na bondade e na originalidade

Na escorreita afirmação da sabedoria

e da malévola intenção que tem curadoria:

 

nos estultos

e nos proeminentes vultos

nos disfarces de farsa

e nas medidas avantajadas da graça

nos polícias dos costumes

e nos zeladores de estrumes

nos saudosistas do futuro

e nos apóstolos do kuduro

nas massas intestinas

e nos arrotos das meninas

na pujança da bruta força 

e na corda de que a teimosia troça

nos jornais cabedais

e nas conspirações demais

no vinho adamado

e no reclame que não se faz rogado

nas rosas viçosas

e nas ruas vistosas

nas bocas exuberantes

e nos colóquios comunicantes

nas verbas rasantes

e nos olhos escaldantes

nas árvores matriciais

e nas agulhas geniais

no perfeito acabado

e no imperfeito castrado

nas intenções marejadas

e nas deusas ultrajadas 

nos olhos extáticos

e nos poemas fantásticos

nos nomes angariados

e nas flores nas mãos dos irados.

#4301

Um elogio póstumo 

não houve; 

o morto não ouve.

18.12.25

#4300

Com aquele desplante jurássico 

o geronte à prova de sindicância 

dá a provar a ilusão da igualdade.

17.12.25

#4299

A levedura do juízo 

envelhece 

nos trajes puídos do tempo.

16.12.25

O homem alado

Chamavas as árvores pelos nomes

e juravas aos deuses

nos intervalos dos sonhos

que estarias de atalaia 

contra os avanços das marés.

 

Pedias lume à noite imediata

como se à boca subissem os verbos famintos

e na pele fossem tatuadas moradas,

espelhos vigilantes das sombras desenfreadas

no acolhedor cais 

onde as rodas viradas do avesso

cantavam poemas malditos. 

 

Tiravas à sorte o lugar 

e esperavas,

esperavas que o luar aquecesse o rosto

e de todas as matérias fosse o sangue feito

para desses feitos improváveis

só ler as palavras sentidas.

#4298

Não pises a demora

para de mora não serem 

os juros peticionados.

15.12.25

Agora(s)

Este agora 

será como todos os agoras. 

Na sua assimétrica descompostura

os agoras avançam contra a mudez dos passados

ultrapassam até aqueles amanhãs apessoados

que reivindicam pergaminhos. 

Ontem

soube de um agora

que se agitou na sensação vaga 

de um gume sem paradeiro. 

E depois percebi:

cada agora 

é uma efervescência de efemeridade

que perde validade

mais depressa do que qualquer fruto.

#4297

No palco arrombado 

os fantasmas desfilam com vagar 

e nós 

somos as assombrações do medo.

14.12.25

#4296

Arrumo o peso morto 

que se mistura com o dia cansado, 

a rua não tem prisões 

mostra-se na penumbra amaciada.

13.12.25

#4295

Está tratado, 

o tratado que nos trata, 

a profilaxia do futuro.

12.12.25

Injustiças documentadas (626)

Trocamos 

dois dedos de conversa

não sabemos

se ficamos com os dedos trocados

ou com a conversa coalhada.

A ardósia dos pobres

Pé curto

a língua de trapos

ensaboa a ardósia

e deixa, em letra de médico,

o verso de barro.

 

Os cavalos comem alfafa

(é da ordem dos costumes literários)

e os tratadores 

trocam dois dedos de conversa.

 

Amanhã é a feira

esperam-se as casadoiras em sua demanda

e os rapazes não aguentam a espera.

 

Os cavalos podem,

eles sim,

com a espera que for precisa.

 

No meio da aldeia

a ardósia ultrajada pela letra de trapos

cumpre a sua função:

 

as pessoas passam

e ficam 

olimpicamente

indiferentes.

#4294

Lateja 

num frémito repentino 

o estaleiro alfaiate

a forma onde ninguém cabe.

11.12.25

#4293

Em pinças 

assim o exige a fragilidade

o estado perene 

de quem faz a contabilidade dos dias.

10.12.25

#4292

Cobro o frio com o corpo 

cobro o preço regateado.

9.12.25

Injustiças documentadas (625)

Ao abrigo 

da liberdade de circulação de capitais 

a Europeia União aceitou o resgate 

de Lisboa por Viena.

#4291

Anoitece 

o olhar embaciado 

cobra a esperança 

do dia adiado.

8.12.25

#4290

A pilhagem sem máscara 

segue em velocidade de cruzeiro 

a farsa colhe por défice de lisura.

7.12.25

#4289

O verso precoce 

atravessa o luar escondido, 

escolta os suores frios da noite.

6.12.25

#4288

Uma luz vermelha 

quando remexes nas provectas memórias 

magoa o peito 

que deseja o esquecimento.

5.12.25

Injustiças documentadas (624)

Conversa fiada, 

dizias, 

mas sem saberes 

o nome do fiador.

#4287

A desvantagem dos eremitas

é paisagística.

4.12.25

Desastrado

Apanhas as ostras com os dentes

tu que sabes falar uma dúzia de idiomas

e calças sempre sapatos puídos

sem nunca teres feito votos monásticos. 

Olhas pelos cantos dos olhos

para poupar a vista

e em verdade se diga 

que chegaste à proveta idade que carregas

sem nunca teres visto através de lentes. 

Há quem diga

és o único a disfarçar a miopia

o que ajuda a perceber

todos os vieses que recolhes com entusiasmo. 

De amanhã em diante

juras olhar as coisas só com um olho. 

Não concorres para Camões

que não se recomendariam os versos

se algum dia deles parisses autoria. 

Essa tua simplicidade

ainda te há de granjear

um par de dissabores.

#4286

A tença sem cabimento

deixa o serviçal todo ledo;

o estrago vertebral

fica tatuado no rosto coletivo.

3.12.25

Avarias

Ou a corda toda

desatada no pináculo do cinismo

que a obediência pertence aos fortes

e eu acanho-me na singela fraqueza

que me abraça.

 

Deste berço loquaz

escondo o sangue gourmet

aquele que vampiros e companhia dispensam

e por minha bússola tomo

com as mãos humildemente trémulas

o cálice que testemunha o néctar singular;

de um homem fraco

esperam-se vícios, não virtudes,

e até dizem

que a bússola estava avariada

e ninguém me disse nada.

 

Acordo

a corda toda

no promontório da incivilização,

como se ainda não tivesse arpoado

o meu vinte e cinco de abril,

os pesadelos desenfreados

escaldaram o dia

e agora, 

irascível e refém do avesso de mim,

teço-me 

nas juras que não haverei de fazer. 

#4285

Às vezes 

dizemos nicles, 

e não somos apóstolos 

do minimalismo.

2.12.25

#4284

Um certo fio 

entre o luar e os dedos 

tece a imagem de um feitiço. 

1.12.25

À posteridade

A posteridade

a secreção sem nódoas

o grito apiedado dos algozes

a roda sequencial das estrofes

dedilhadas as sílabas na vertigem 

de um caçador,

a posteridade

ó tão gasta e ainda antes do tempo.

 

A posteridade

a vítima favorita dos deuses

na condenação das vontades

ao mero remorso que vagueia

entre os destroços avinagrados 

pelas lágrimas furtivas.

#4283

Os pé de volta 

desenham as fronteiras havidas 

e os escombros deixam de contar.

30.11.25

#4282

O cheiro a perfídia 

enche os cofres dos malsãos 

transforma a corrupção em gramática.

29.11.25

#4281

A pele lisa 

recebe as palavras doadas 

no desembaraço do desejo.

28.11.25

Indiviso

Tanto queria o tempo inteiro

tanto era o que perdia

no úbere indiviso da noite. 

 

Tanto era o aperto da angústia

tanto queria o exílio por perto

na boca extinta por fantasmas sem nome. 

 

Tanto queria ser a lava do vulcão

tanto era aquele nome sem paradeiro

deitado na estola que protegia da ofensa. 

 

Tanto era o vigilante sem sono

tanto queria da noite a pedra inaugural

no provérbio arrastado pelo caudal vertiginoso. 

Injustiças documentadas (623)

As nozes 

obviamente 

a quem tem dentes.

#4280

Arrumo a tralha dourada 

os verbetes da fala 

transcritos em sangue gasto.

27.11.25

Injustiças documentadas (622)

Não quero poetas mortos 

que a poesia que há por vir

só a dão os vivos.

Toponímia

Em vez 

das folhas venais

da manhã anónima

das soluçadas mentiras

dos altares desta vez aos frágeis

das efemérides apátridas

dos motivos ao acaso

dos colarinhos desengomados

e das finas mesuras 

de quem já não deita cotovelos na mesa

um tira-teimas

que as teimas estão pela hora da morte

e ninguém sabe que preço é esse

nem se a inflação se soma à idade

a que temos direito

este nosso luar ausente

dos rostos engaiolados no respeito atávico

nas modas tirânicas que ensurdecem

e povoam o sono com insónias contumazes. 

Em vez 

das vezes em que vagamos a voz

vantagem minha

como no ténis

e o fio da aurora preso ao cabelo enxuto

descai no parapeito que ateia as luzes válidas:

não digam a ninguém

que recusei uma comenda

porque não sei ser 

vez em vez de mim mesmo. 

#4279

Um enorme telescópio 

virado do avesso 

um intruso de fora para dentro.

26.11.25

#4278

Onde os escombros falam 

a carne torna-se silêncio.

25.11.25

A neve tardia

Os olhos desamestrados

voam pelas paredes gastas

dão-se às mãos ateadas

sem o pesar das almas agastadas

sem o vinco sobre o sangue.

Um esgar sem notação

açambarca a luz tímida que espreita

sobre os ombros do dia. 

Espevita os melhores verbos

tomando os melhores anos na varanda solar

e lá fora 

é o frio que dita a lei

o ar composto de finas faúlhas de gelo

que purificam o pensamento. 

As candeias estão apagadas

prefiro tatear no mapa dos sentidos

fugir de todos os fogos medonhos

fugir, até,

dos semelhantes 

que acabaram de se sentar

nos mesmos bancos do comboio

e de mim deixar em legado

a claridade exilada 

a que sempre se escondeu por delito próprio

o parágrafo sempre envidado

quando os outros 

são presença notada.

Injustiças documentadas (621)

As famílias não se constituem 

como os países fazem nascer 

Constituições.

Injustiças documentadas (620)

Ter pés de barro 

há de ser desconfortável.

#4277

Às vezes 

antes a História 

fosse um desperdício.

 

[Entre a vã glória, o estado de negação e o revisionismo do 25 de novembro de 1975]

24.11.25

#4276

As máscaras sucessivas 

entranham-se na pele consumada 

o palco onde se antecipam 

é a vitrine ocupada pelo mundo sem lei.

23.11.25

#4275

Pusessem 

os números a falar 

em vez das palavras 

para reduzirem o pensamento 

a zero.

22.11.25

#4274

Toda esta louca correria 

para depois o tempo se extinguir.

21.11.25

Injustiças documentadas (619)

Nada 

e um par de botas.

#4273

Eis o modo: 

todo ledo 

mergulho em salto vistoso 

para a Atlântida que há em mim. 

20.11.25

A vau

O véu desfeito na água sibilina

desprende-se diz versus havidos

agora é apenas um mapa vazio

à espera de outros versos seus. 

 

A voz ecoa a rima vespertina

completo o dia com as estrofes preenchidas

como se todo o sangue estivesse com fastio

os guerreiros foram desmentidos pelo adeus. 

 

Na pele a tatuagem sibilina

disfarça as achas perdidas

o corpo agiganta-se na eira do cio

o fado destroçado que vem aos olhos meus. 

 

Esconjurada a angústia assassina

as luzes desmaiam nas sílabas amanhecidas

e até os pássaros suspendem o pio

como se afinal a madrugada pertencesse a um deus. 

Injustiças documentadas (618)

Trabalhar, 

para esquecer.

#4272

A remessa expedida 

o olhar com ela, 

de atalaia, 

à distância.

19.11.25

Falta de comparência

O embaraço emascula o dia

a impaciência embacia o sol

e todas as vozes são como espinhas 

encravadas na garganta.

A angústia diluviana 

segue dentro de momentos.

Dará conta da minha ausência.

#4271

Tropa fandanga 

pândega visceral 

embolia do mundo farsante

fuga interior 

heurística.

18.11.25

Escrupulosamente

As facas coladas às palavras

arrastam a infâmia 

que não deixa ninguém

órfão. 

Parece que as pessoas nasceram

inimigas mútuas;

parece

que se movem com os cotovelos 

em cima dos olhos dos outros

uma coreografia dantesca

feita de braços e pernas e torsos

sem cabeças visíveis

num contorcionismo réptil

os dias estendidos no lodo putrefacto

e todos os nomes deitados na usura sem autor

como se todos apenas esperassem

que a véspera não fosse tão pior de hedionda

do que o dia consecutivo. 

 

As pessoas desaprenderam de ouvir

desaprenderam de falar

desaprenderam;

 

ou talvez apenas tivessem fingido

disfarçando com um véu pesado

a omissão da civilização tão peticionada. 

 

Os pulsos aguentam as pás do tempo

o ultraje dos outros que aparecem em contramão

as cruzes inválidas que se deitam nas bandeiras

as palavras agressoras que corrompem espíritos

tornados guerreiros por vocação

como se aos dentes fossem buscar as balas

que atravessam como relâmpagos 

a carne feita presa de inocentes que nunca são. 

 

Todas as máquinas conspiram

no lauto palco da agressividade. 

As ofensas foram descontadas da razão

e voam céleres de apeadeiro em apeadeiro

entram nas casas

mesmo nas que estão seladas contra os elementos 

 

– e as provações arrancadas ao medo ilegítimo

passaram a fazer parte da tabela de elementos

contra os testamentos de boa vontade

as vírgulas que desembaraçam a lisura

que mais parece

tudo por junto 

que a matemática conspira contra a madrugada 

os olhos sentados nos espiões lisérgicos

encomendam a tela de xisto

onde os dedos alagados em tintas superficiais

se vão deitar e adormecer 

contra a recomendação dos provérbios. 

 

Não confidencia, a casta

nem mesmo 

quando as cãs se apoderam da pele

e num agasto incondicional

cobrem de orgulho assassino

os berços que alojam as taças vãs. 

Injustiças documentadas (617)

As mãos largas 

calçam luvas XXL.

#4270

Estiveram tanto tempo fora 

os forasteiros sem paradeiro 

párias do seu próprio lugar.

17.11.25

Matéria dada

Corto na soberba do dia

os chapéus não encenam o sacrifício capaz

nem as flores se antecipam à manhã tirana. 

As janelas arrepiam o vento

e as falas sobrepostas compõem 

o idioma sem pátria. 

Folgam os bolsos vazios

nada há que os queira habilitar

de aforros destes não se peticionam ordens

nem as bandeiras

deixadas na sua esquálida condição

se prestam a uma serventia. 

Entretanto a noite não demora

a gramática extinta

a pesar sobre as costas pesadas

a noite que se consuma exílio

no formidável adro 

onde se escondem os marinheiros desembarcados. 

Ontem já seria tarde

a maré passou ao largo

que neste lugar amaldiçoado

não há crepúsculo que se levante

nem palavras malditas, cortantes,

a lembrar os desadmiráveis logros da História.

#4269

Murchos 

os comícios de antanho 

na epopeia do teatro.

 

[“Santa Joana dos Matadouros”, de Brecht, encenação de Bruno Martins, Teatro Carlos Alberto]

16.11.25

#4268

Simulo dizer 

aquilo que depois hei-de desmentir 

sem me acusarem de estar a mentir; 

eis a dúctil complexidade 

dos tempos modernos.

15.11.25

Injustiças documentadas (616)

Deu-lhe ouvidos 

e depois 

ficou sem ouvir.

#4267

Num passo atrás 

o primitivo que há em nós 

toma conta 

da fala e dos gestos e das intenções.

14.11.25

Caterpillar

Não vem ao caso

nem vem ao acaso

o caso fortuito

a fortaleza jurada

o juro do crédito

a crença nos vultos

a volumosa pança

as pinças por que segue o dia

a dor que se amestra

a mestra numa arte marcial

ou o marciano herdado no jardim.

#4266

Dar parte de fraco: 

poucos têm essa força.

13.11.25

Desamparo

Um gatafunho 

desaloja a solidão da página. 

Os gestos aformoseiam

palavras ditas a medo. 

 

Amanhã

os peixinhos fritos

serão servidos com arroz de feijão. 

 

Os costumes

precisam de habitar algum tempo

na sua antítese. 

Até que da confusão arada

sobre apenas uma febre audível

a tremenda confusão dos órgãos vitais

desamparados pelo paradeiro desconhecido.

Injustiças documentadas (615)

A (des)inteligência, 

(é) artificial.

#4265

Ergue-se 

uma luz bruxuleante 

como se as vozes fossem 

interstícios do tempo.

12.11.25

Como ser desinfluencer

Na basílica dos sentados

a fuligem transpira com as sílabas da cerveja

enquanto os pássaros discorrem os voos rasantes,

indiferentes aos humanos que se encostam

À decadência.

Um ilustre

porventura perdido do seu caminho

erra pelo jardim afora

cruza-se com os reumáticos sentados

diante da basílica dos sentados.

Um deles conhece-o:

 

“já te vi 

na capa de uma cor-de-rosa revista”

 

arranha a voz de bagaço

com a mesma dificuldade 

de quem já deixou para trás

pelo menos

meia-dúzia de cervejas

e uns tantos copos de bagaço.

O ilustre 

deu corda às pernas

antes que fosse importunado pelos reles.

Outro decadente levantou-se

arrumou as calças puídas que estavam a cambar

e exclamou, triunfante:

 

“cá está 

porque sempre quis

ser um desinfluencer!”

Injustiças documentadas (614)

Já o dinheiro morto

descansa num cemitério.

#4264

Ilhas 

sem o balastro do tempo

apenas um modo humilde

toda a fragilidade 

encerrada num verbo.

11.11.25

Estátua

Sopro o sangue sobre a pele do mar 

colho a maré noturna à prova de medo

deixo às mãos antigas

as rugas 

o pesar da alma nos ossos cansados.  

#4263

Os esquimós 

beijam-se coçando os narizes; 

aqui vamos esquecendo 

a gramática do beijo.

10.11.25

Injustiças documentadas (613)

De certeza 

que a fome 

não é a matéria-prima 

das farturas.

#4262

Só um tirano pode decretar 

que os sonhos são uma doença.

9.11.25

#4261

Os degraus lícitos 

três abaixo do nível do mar 

esperam pela maré dionisíaca.

8.11.25

#4260

As mãos atadas 

no bulício do mundo infrene 

são um aplauso pela coragem dita.

7.11.25

Embraiagem

Sobre o olhar 

adeja um céu plúmbeo.

Não consigo 

desfazer as nuvens pesadas 

que cospem chumbo 

para as consciências desprotegidas.

Injustiças documentadas (612)

Foi a tinta 

de tanto correr 

que o sol se fez baço.

 

[Este poema não é patrocinado pelas Tintas Barbot]

#4259

Escondemo-nos 

não por medo de fantasmas 

escondemo-nos 

por dever de restrição 

a modéstia incansável.

6.11.25

Manifesto contra as profecias

Oxalá os cavalos sentados

esperneassem contra os deuses distraídos

e da confusa coreografia

com o beneplácito de coveiros envelhecidos

sobrassem as bocas atónitas 

como se estivessem 

anestesiadas por um luar feito de quimeras. 

Já não sei 

o que fazer com as profecias

que jorram com a abundância de um nada. 

Uma amálgama de medo e claridade

invade o papel que espera pelas estrofes. 

Dizem que o dia messiânico

tomou conta dos véus que ornamentam os rostos. 

Dizem

que não falta muito

para os demónios se tornarem gladiadores

tomando conta da melancolia rebelde. 

Oxalá 

todas as profecias crepusculares

sejam desmentidas 

pelos verbos que se agarram às bocas

famintas de futuro.

#4258

O testamento 

é a prova do passado 

selada na fina louça do futuro.

5.11.25

Digo estas palavras

Digo destas palavras:

 

o silêncio tribuno

a alma que sangra

o estiolado juro que juro

as sílabas que não tartamudeiam

é nessas palavras

que terço um idioma

o jasmim que vem às mãos

o olhar de uma criança aluada

ou o cão que se faz suserano das ruas

e que mesmo assim

vem comer às mãos bondosas. 

 

É por estas palavras:

 

levanto a manhã da luz inaugural

e em estrofes que rasam os violinos

de mim me dou em legado

gramática que dissolve as algemas

da posteridade.

#4257

Abre-se uma janela sobre a manhã 

e vejo o esplendor a povoar o dia.

Injustiças documentadas (611)

De molho, 

as barbas; 

mas que molho 

se serve às barbas?

4.11.25

#4256

O fio desprende-se do precipício 

e o chão torna-se um pesadelo.

3.11.25

Desavença geral

Cultivo a anatomia da indiferença

um certo desmodo do ser atual

até parecer fora do mundo

e acabar a pensar

fora da caixa.

Cultivo

esta despertença

intencional

intransitiva:

as ruas têm um aroma ácido

as pessoas parecem todas estranhos

a claridade convoca o crepúsculo demorado

pois na ausência de luz

tudo fica oculto

até os agentes 

que repetem agressões diárias.

#4255

Limpas a fuligem 

que embacia a alma 

não há dia que fuja 

ao ritual.

2.11.25

#4254

Sou 

o fato feito à medida 

do dia por ocupar.

1.11.25

#4253

O cheiro a ódio 

envenena todos os minutos 

que viajam no sangue.

31.10.25

Injustiças documentadas (610)

Quando o sol é de muita dura

poucos aprovam a colheita.

#4252

O lobo 

faminto do sangue nosso 

medra por dentro das veias 

e nós, venais, sabemos.

30.10.25

Injustiças documentadas (609)

O elefante

não cabe

na sala.

Injustiças documentadas (608)

Três

(Salazares) 

foi a conta 

que o aprendiz fez.

Injustiças documentadas (607)

A pedra sem cal 

o mar sem sal

o tirano sem mal.

#4251

Vamos, 

vamos patear 

o homem das tabernas.

29.10.25

Suposição

Manda o sindicato da felicidade 

dizer

que é proibida a melancolia

em dias de luar de peito aberto.

Os infratores

serão punidos com três noites de insónia

para aprenderem com o luar tumultuoso

a serem necessariamente felizes

 

(e não apenas felizes).