8.3.25

Injustiças documentadas (521)

Ave, 

te saúdo, 

sem que me digas 

que o ave vale um avo.

#4037

Alguém se lamenta: 

agora 

é sempre a descer; 

ao menos 

vai cansar menos. 

7.3.25

Injustiças documentadas (520)

Vamos 

serremos as fileiras 

para testar a sua resistência.

Injustiças documentadas (519)

Não tenho etiqueta: 

cortei-a cerce

(que a etiqueta 

era exuberante). 

#4036

Os fantasmas

saltavam à vara 

pareciam 

atletas olímpicos.

6.3.25

Bullet points

Somos feitos de metáforas

a argamassa fina que cola os ossos

a cidade fecunda de onde tutelamos o mar

somos 

os gomos gordos que escorregam dos dedos

a alvenaria todavia puída

um refúgio escondido na planície 

uma gramática a desjeito

o desajeitado forcado 

que levanta o dia pelos cueiros

a mortalha suada sobre a boca servil

uma imenso mapa 

à espera de lugar.

#4035

Saltar barreiras 

sem manual de instruções.

5.3.25

Rendição

A rendição

tem de ser escrita 

apalavrada

com a jura solene de uma assinatura 

ou pode ser apenas dita 

sem entoar a jura 

apalavrada?

 

A rendição

é a tatuagem da derrota 

ou pode embutir na madeira 

um empate cavalheiro?

 

A rendição

pode ser fingida 

ou sendo apalavrada 

não admite farsa?

 

É possível

falsificar a rendição?

 

E o que interessa a rendição 

se não há sequer 

beligerância?

Injustiças documentadas (518)

Desenhamos 

as ameias 

a meias.

#4034

Vende-se 

elixir da desilusão.

Injustiças documentadas (517)

Loção 

de confiança.

4.3.25

#4033

Provei a água do rio 

que dizem ser doce. 

Esqueceram-se de deitar

o açúcar.

Injustiças documentadas (516)

Fim, 

de citação.

3.3.25

Impedimento

Não sirvo o inadiável

não sirvo para candeia

não sou o servil fantoche

disfarçado na vontade de outros

estremunhado na sua incendiada vontade. 

Não suponho farsas

não me sento no lancil do desespero

não corro atrás das vanguardas

 

(que contradição de termos)

 

penhorado por rostos impassíveis

devolvido aos meus impossíveis. 

Arqueio o braço pendido

os copos fulgurantes descendo dos céus

a mecha sem mouche

ou o espantalho servido de espátula

cortando a direito no Direito

tal como

o povo escarcéu que pudesse 

ó vontade ser feita

esquartejava o alegado que julgaram 

antes do tempo

silenciando o alegado

que eles já sabem tudo

o que está em falta saber.

#4032

A alma rendida 

frugal.

2.3.25

Injustiças documentadas (515)

Torcer o nariz 

mas sem o quebrar.

#4031

De mim 

digo uma sombra 

o lugar imediato 

onde me cumpro 

frágil.

1.3.25

#4030

A língua-viva

a língua, viva 

viva a língua.

Injustiças documentadas (514)

Ninguém se importa 

com os mitos rurais.

28.2.25

Dose e meia (hipocrisia)

Cheia vai a barriga 

de genuflexões e elogios

todos bastardos.

 

Dizem: 

o que importa?

 

Mesmo sabendo que são uma farsa

justamente por deles se saber

serem uma farsa.

 

Dizem:

para hipocrisia

hipocrisia e meia.

#4029

O fevereiro

parece um gato 

sem cauda.

27.2.25

Injustiças documentadas (513)

Quero dar-te uma palavra;

não espero que gratifiques 

tão longânime desprendimento.

Elogio do silêncio

Pede o silêncio

que não se faça pouco 

da tímida luz. 

Não é encenação

e mesmo que fosse

ao teatro perdoa-se sempre 

o palco de fingimento. 

Fica a mordaça 

entregue às palavras

que não chegam a ser ouvidas. 

O silêncio esconde-se 

nas ameias guardadas 

por espartanos fiéis

os que juraram arremeter 

contra os gongóricos. 

A palavra breve

monástica

tem mais a dizer

do que a prolixa tempestade 

que as atira, intermináveis, 

para o lugar onde irrespirável

o ar se amaldiçoa.

#4028

Fujo 

do fermento que falsifica 

a farda à prova de farsas.

26.2.25

Os colarinhos do dia

Agarro o dia pelos colarinhos

desafio-o 

a ser o lado visível da coragem

a sair do lodo em que se consome.

 

As flores não se escondem nos canteiros

nem quando a tempestade vira tudo do avesso:

 

o dia 

não pode ficar por menos

só precisa de ser agitado

fortemente convulsionado 

pelos colarinhos

para se libertar do torpor suicida.

 

Ai do dia

se sobrar impávido

e os colarinhos vierem puídos:

 

ainda confiamos no dia

não precisamos que ele seja embaixador

da apatia que nos condena

a vegetar sem ânimo de coisa diferente.

Injustiças documentadas (512)

O que há a dizer dos amigos do alheio 

são duas coisas: 

primeiro, 

são de uma generosidade desarmante 

(são mais amigos do que não é seu); 

segundo, 

medram na antítese do narcisismo. 

#4027

Um figo doce 

ajaeza o adro

respira pelos poros

da calçada cerdosa.

25.2.25

Vesúvio

O que deixarmos sem tréguas

será a caução gasta dos impérios a destempo

o gume acertado no roseiral

enquanto se fabricam dádivas

e as palavras entontecem na magreza da maré. 

Os deslimites juntam-se aos patriarcas do medo

que falam idiomas incontinentes

e exibem as joias intensivas 

que pesam sobre o peito válido. 

Não aceitamos conspirações

nem damos troco a déspotas

no reino nosso sem hino nem nome

destinamos ao enfado 

os que aparam a língua puída 

e desfeiteiam as páginas límpidas

as que haviam sido resgatadas

ao céu luminoso que dava nome

ao horizonte.

#4026

Por um fio

Ariadne salvou o mundo.

24.2.25

You get these words wrong

You get these words wrong:

 

finjo

fujo

dou-me

às palavras fungíveis. 

 

You get these words wrong:

 

amortalhado, não

nem murado

pois antes

mestiçado

corrijo as palavras

em proveito próprio. 

 

E portanto:

 

leave me alone,

 

sentinela

subindo à lapela

sulcando o precipício

o sinédrio da sabedoria

em cestas ensinada

sideral

no centrípeto salão

das palavras em forma 

de senha.

#4025

O sono sonso 

açambarca o siso 

e assombra o barco 

que assoma no sonho sumido.

23.2.25

#4024

O acepipe avinagrado

o corpo arrastado 

de um régulo sem cajado.

22.2.25

Injustiças documentadas (511)

Está talhado

para ser salvífico 

mas desconfia-se

que não tarda a talhar.

#4023

O gatilho sem sombra 

as reticências ingratas 

a boca que não se esconde 

no silêncio.

21.2.25

#4022

Não somos santos nem magos 

nem à conta de tamanho infortúnio 

apascentamos mágoas.

#4021

Conta-me tudo 

não deixes que o silêncio 

seja língua franca.

20.2.25

Geometria descritiva

A colheita dos vis

avizinha-se no espelho riscado

rosnam os desavisados sem pudor

apequenados no vulcão despenhado

dispensando o grotesco rumor da turba. 

 

Não seja pela vileza desanónima

o fausto crepuscular que esbarra na clepsidra

um estilhaço misturado com a carne

a matéria corrompida no altar dos farsantes

e tudo o resto

 

destroços abraçados a comendas

o justo rugir que substitui os idiomas.

Injustiças documentadas (510)

Travou-se de razões 

antes que as pastilhas 

ficassem gastas.

#4020

O corpo tépido

no incenso da manhã

agiganta o verso do dia.

19.2.25

Vigia

As luzes escondem-se no labirinto do corpo. Não mentem: averbam as juras desprezadas nos despojos de um tempo sem sinal. Somos sentinelas dos sonhos sem paradeiro, como se déssemos nome ao estuário que abriga os navios. Emprestamos luz ao mar. E ouvimos dizer que o mar está de vigia por nós.

#4019

Chora por ultimato 

a coragem 

não se vende às palmas.

18.2.25

Trama

Corres atrás da fonte das palavras

os dedos juram estrofes sem medo

como se apostassem na redenção. 

Desdissesse as juras amontoadas

os vultos então emparedados

condenados ao silêncio

e a noite enfim soberana na escolha

dos sonhos desembaciados. 

 

Os apeadeiros não tinham nome

como as pessoas não tinham nome

e eu sabia

no provisório desdém da verdade

que as profecias nunca têm validade. 

 

Chamava pelo ciciar da fala perto

um miradouro às escondidas

os corpos insinuados nas sombras revezadas

até que as portas desembaraçadas

se abraçavam às sentinelas sem freio

levantando as credenciais 

e o medo cristalizava em leves socalcos 

só à espera

de o luar confirmar 

a voz penhorada da noite.

#4018

Antes que o satélite do asnear 

entre em órbita

guarda 

para memória futura 

o artefacto da lucidez.

17.2.25

A maravilha da espécie

A pauta espoliada

à guarda dos centuriões

desmata os segredos de outrora

válidas arcadas sobranceiras ao espetáculo

da vida. 

O gelo finge as fissuras 

imita a estultícia sem rodeios

as pagas por haver no débito sem inventário

como as bocas pasmadas 

que esperneiam com o toque de Midas 

– o operário nas horas vagas da humanidade –

combinando as sílabas destronadas

com os episódios de humildade

que conferem, 

enfim,

a maravilha da espécie.

#4017

A sentença da manhã 

derramada sobre os rostos inaugurais 

conta os versos que saciam a letargia.

16.2.25

Injustiças documentadas (509)

Não tenho cabeça 

mas não ma deceparam.

#4016

A bola ficou na rede. 

Lamenta a orfandade 

sob o esgar tirano da rede. 

15.2.25

Injustiças documentadas (508)

A culpa já vive 

em união de facto.

#4015

Mantemos as cortinas hasteadas 

interditamos os olhares forasteiros 

como manda

a reserva do direito de admissão.

14.2.25

Amor sem máscara

Não fujo do tempo enquanto habito a luz decantada pelo teu olhar. 

Subo pelo corpo que me salva sem precisar de arnês.

Descubro o miradouro onde o vento esconjura os pesadelos.

É à noite, depois da solidão derrotada, o desembaraço das almas deixa-nos a contar histórias.

Essa é a enciclopédia que escondemos do futuro.

As sílabas apenas sussurradas. 

Levitando o poema que escrevemos a quatro mãos.

Injustiças documentadas (507)

Para quê 

pano para mangas 

se está tanto calor.

#4014

A corda embuçada

aperta a jugular do dia 

e as pessoas fingem que é ontem.

13.2.25

Desfalque

Não é dorso que dança

no improvisado verbo que se avessa. 

O denso dardejar dos dedos

ensaia estrofes no estuário ensinado

o vago ondear que vagueia nas onomatopeias. 

Fujo afivelando os fusos como alfinetes párias

o troar que olha de longe os tribunais

no adro ladrilhado pelo silêncio ladino. 

As horas fogem da horda

o militante dever misturado com a cidadania

versos avisados no volante da vontade

ou apenas as penas à revelia do revés. 

Faço campanha sem a taça por companhia

eu

acidental comparsa de vultos sem pressa

aviltando o ocidental compadre das farsas

no povoado onde se aviva o coloquial. 

#4013

Somos ilhas

sem mar imenso

à ilharga.

12.2.25

Metódico

A mão estendida bebe na pele suada o bordado das palavras sem adiamento. Tempera um vulcão promitente, suplica o insaciável. As bocas ateiam a combustão. Entregam os juros por inteiro em sílabas desmedidas. A manhã não passa de uma luz desmaiada. E nós, fugimos da manhã para dar ao gelo o fogo de que somos mecenas.

Injustiças documentadas (506)

Faz como Baco 

e tudo fica baço.

Injustiças documentadas (505)

Não lembra ao diabo, 

lembra o diabo.

#4012

No nosso tempo é que era 

se tivesse havido 

um tempo nosso.

11.2.25

O martelo

Martelo

és pneumático no percutir

e abandonas os choros ao troar insistente.

Martelo

por quem és

esvoaçando mistérios 

alinhavados no movimento basculatório.

E se, martelo,

te vierem desmembrar

na solidão da madrugada altiva

seccionado a bigorna metálica

da haste em madeira puída, 

de ti dirão que foste aliviado de serventia

agora perdido na inútil disfunção de ti mesmo.

Não tivesses sido algoz

agora à mercê da justiça com a assinatura

das vítimas que arrolaste.

#4011

Devemos 

ser devedores

da genealogia do presente.

10.2.25

Teatro

As vozes fogem dos ossos

amedrontam-se 

com os opúsculos que desacertam as certezas

enquanto os demónios

que conspiram nos telhados estroncados

não se sossegam. 

 

A trovoada ingénua 

empresta uns modestos clarões à noite

vocifera o gemido castrado

dos deuses desautorizados 

– os pobres deuses que 

se pudessem

só tinham as saudades como alimento. 

 

Estes são os visíveis rostos

da parte de fora dos corpos

lençóis estendidos escondendo a pele

como se fosse vergonha

o gentil canto que chama os pássaros. 

#4010

Precipício por precipício 

as ondas cavalgadas 

sem saber do medo.

9.2.25

#4009

Por um triz 

o quase se leiloava 

agora.

8.2.25

#4008

A luz áspera

ferve na impaciência 

dos bárbaros.

7.2.25

Fintar o esquecimento

Corria o vento

mais depressa do que a memória

esbracejando com o esquecimento

como idioma franco.

 

Esse é o medo maior

do tempo que se transforma em idade

o esvaziar por dentro

a falta que faz aquele eu que era memória

e agora está esquartejado

num labirinto invisível.

Injustiças documentadas (504)

Tu 

comes e bebes

os comes e bebes.

#4007

Do ramo deposto 

a imprecisa cisão da voz: 

a fala casta 

voluteia na espiral sem freio.

6.2.25

Incerto

O nu motivo acendeu o verbo

agora

preso ao animal povoar

a pele que não escama às súplicas menores

logo nós 

na habilitação do sangue

a desaprender a corrosão

a nossa cidade é a maresia tectónica

o abraço que funde as camadas de magma

até sermos um oráculo incerto.

#4006

Antigamente

não era bom;

antigamente

já não existe.

5.2.25

Desembaixada

Guardo o sangue passado 

no rio que se torna mar 

num futuro que não tarda.

Escolho as sílabas cantantes 

entre o medo de ser 

e a ambição de vultos torrenciais.

A fita métrica

sobe a andares altos 

onde solenes discursam 

os embaixadores da pertença.

 

Guardo o sangue 

passado de desperdício a passaporte.

 

Se ainda for a tempo 

digam que fui discreto 

na convocatória de ovações 

pois, assim como assim, 

elas eram sempre em causa alheia.

 

Nunca soube 

de mim ser

embaixador.

Injustiças documentadas (503)

Tivemos 

uma desinteligência artificial,

comentaram

a propósito de uma desavença.

#4005

Estou 

deste lado

por saber 

do lado avesso.

4.2.25

Sobre beijos (e páginas) arrancados

Não se diga

de um beijo arrancado

que é como o arrancar de uma página. 

Há beijos

que não se dão

a menos que sejam arrancados;

e há páginas

que merecem ser arrancadas

para ganharem adesão.

#4004

Contrariado,

o não desmentido

por dentro de outro não.

3.2.25

Candeeiros

Levas com o arroz

se fores insincero

 

(que gostamos de eufemismos

e insincero é menos denotativo

põe uma máscara 

na mentira sistemática).

 

O joelho fraco vacila

afocinha na valeta marota

dele se riem os bastardos 

que não fogem de manjares 

mas não se importam

não andam à caça de mentores

nem se intimidam com a noite baça

que sobe ao céu desalojando o luar. 

 

Inaugurado o silêncio

falta descobrir o primeiro a violá-lo;

não será crime airoso

nem aqui se convocam 

carnalidades ao desbarato:

às vezes

antes a voz moderada

e deixar por conta do silêncio

a voz significativa. 

 

(Ou será pior

o silêncio como uma lâmina 

que decepa a confiança

pior a ser

do que as palavras 

que mais feridas instruam.)

 

As espadas 

estão despojadas pelo chão

e os tutores da lógica 

destronados

resistem dentro das camisas que os aprisionam. 

Não gostam de ser contrariados

não nasceram para esse desfeitear.

#4003

O rastilho rabeia 

sob os olhos conspícuos 

que se confundem 

com apatia.

2.2.25

#4002

A História

a subir do medo 

sob o véu que omite histórias.

1.2.25

O futuro tem o nome do medo

Corre a voz comum

estes 

são tempos da morte do teatro;

de cada vez que uma voz soluça

outras são caladas

em nome do um “bem maior”

sem haver quem informe 

sobre os limites do “bem maior”.

Costuram-se enredos

adulteram-se os termos 

em que se compõem os dias

jogam-se distopias contra utopias

num novelo de farsas

por onde desfila um exército de mitómanos

todos enferrujados

uns com a ferrugem do passado 

outros com a ferrugem que há-de ser vindoura. 

E o teatro desfalece

o palco consumido por térmitas diligentes

que torcem o braço ao tempo

e cospem nas circunstâncias. 

 

O futuro 

tem o nome do medo.

 

O nome

da obnóxia condição dos audazes 

os que se deixam pensar pela cabeça dos outros

e são atirados para a boca das feras

orgulhosos 

por ostentarem os galões de testas-de-ferro

quando, coitados, são os frágeis ossos 

os óbvios candidatos a serem carcaças 

quando no palco público 

forem reduzidos a escombros. 

 

As guerras

 

(o monopólio dos beócios

a tela onde bolçam os funestos

os que desaprenderam o que custa uma vida)

 

sempre foram este retrato

a síntese apurada da mais pura indignidade

do Homem.

#4001

A gala dissolve-se num instante 

nós 

é que somos da cerimónia os mestres 

em redondas odes aos prazeres.   

31.1.25

A metáfora do ovo e da transparência

Disse à gema de ovo

que emudece sem a clara 

– ou não fosse a clara 

a ditar a transparência do ovo.

 

Houvesse mais gente

a aprender a lição

e dispensadas seriam

as sistemáticas operações de limpeza

que ocupam os braços da justiça.

Injustiças documentadas (502)

Conto o 

conto de facas. 

De facas.

#4000

Arrumo a ferrugem a um canto 

a decadência pode esperar 

o seu canto de cisne.

30.1.25

Acento tónico

Se o que dizemos 

precisa de suspensórios 

queremos arneses 

tutores lisonjeiros que dão aval às palavras

estetas desabridos no coração da moral

um sofá rombo para exercer a preguiça.

 

Se o que dizemos 

se subleva contra nós 

não desistimos da fala

nem do consagrado direito a asnear

ou de perfumar os dias com a liberdade

de apenas 

ser.

 

As maldições escaninhas 

as que se insinuam entre teias de areia

ficam por conta de quem as tutela.

 

Nós 

só queremos 

um gelado ao entardecer

o calor da mão amada

um jardim bucólico como exílio

os filhos a espigar

e todos os ocasos que pressentem

a aurora consecutiva.

Injustiças documentadas (501)

Já que a ninguém 

é dado acasalar com misérias 

tirar a barriga delas 

é bom conselheiro.

Injustiças documentadas (500)

De fio a Pavia 

passando por 

Salamanca e Pádua.

Injustiças documentadas (499)

Que erres 

com todos os erres 

em que o erro erra.

#3399

A ironia 

é fingirem ser

o que não conseguem.

29.1.25

Sob a condição de ser vadio

Sem entrarem na boca do lobo

os rebeldes

disputam a coroa de vadio:

 

é um disparatar à toa

como se não soubessem os nomes

e forjassem um despudor de alma

que não passa de uma farsa.

 

Soubessem 

que ser vadio não é injúria

e não participavam 

neste cortejo de agravos 

não reconhecidos.

#3398

Um vago rumor nos bastidores 

a melancólica nuvem a descer do passado 

e um estirador à espera de intenção.

28.1.25

Teima

O fogo que arrefece o labirinto 

o revés assimilado no alfobre dos embaixadores

a litania que corre atrás das falas excessivas

a espuma escondida atrás dos néones

os nomes exaustos que moram no cais 

os rostos emudecidos na solidão imprevista

as saias a fazerem de cortinas

o palco esburacado onde só mora o escol

as baionetas descontinuadas por medo do futuro

um leve beijo que acetina a pele

a prole devida em abundantes presunções

o leito cabal à procura de cabimento

o cabaz sem nome que ensaia o exílio

a amadurecida combustão sem espera 

os tiranetes depostos em ato sem impugnação

a memória resguardada dos segredos embaciados.

#3397

Corre o vento 

loucamente

não espera que haja amanhã.

27.1.25

De rajada

Do espelho

estilhaços avulsos

a mudez invernal

a súplica de um luar. 

 

Os braços 

avalistas das bandeiras

arremetem contra a sisudez

dicionários dos dias sem sombra. 

 

As montanhas

silhueta capaz

ensinam a lucidez

a peregrinos da altivez. 

 

Rejeitados

os demónios extravagantes

emudecem por dentro

apaga-se a chama dantes temida. 

 

O amanhecer

verbo nunca gasto de simplicidade

amarrota os rostos estremunhados

desanunciando os tradutores do desassossego. 

Injustiças documentadas (498)

Avia o mal.

Havia um mal 

– devidamente aviado.

#3396

Um luar estreito amuralha o olhar 

adiando o sono 

até a insónia cair de solidão.

26.1.25

#3395

Santos costumes 

tantas vezes pregados 

e muitas mais desertos.

25.1.25

#3394

Deixa 

à rosa-dos-ventos 

o sabor 

do vento que canta.

24.1.25

Avant la lettre

Esbraceja o ódio antes que seja futuro

dá-o como património de colóquios

manifestos vários em forma de arte

fantasmas sopesados com o jugo cirúrgico

de quem fabrica oráculos.

Sê tu o agente que fermenta o ódio

o desambientado embaixador de radicais

o desbocado comparador de Histórias sem igual.

E depois

quando a profecia que

(parece)

queres revelada

tiver aquiescência pela mesa de voto

não digas que te esqueceste de forjar 

tão profana profecia.

Injustiças documentadas (497)

Mausoléu.

Maus ao léu.

#3393

Remexes a areia 

com as mãos molhadas 

participas no esconderijo 

onde as coisas são a sua negação.

23.1.25

Arrumação

O sol espreita entre as rugas 

enxuga as lágrimas amanhecidas

no leito insistente do nevoeiro.

Os olhos crepusculares 

decantam a luz agitada

traduzem sílaba por sílaba

o sortilégio animado 

pelas falas que despontam.

 

As asas de um anjo 

esbracejam as rimas 

e adiam a solidão:

por cada adeus soletrado

fica uma dívida por abater.