Dizia
o taxista
–
recolha o troco com cuidado
que
são muitas moedas.
Dizia
o moço de recados
–
não sei, não sei, não sei,
só
as ordens que me deram.
Dizia
a menina solteira,
em
expiação do desamor
–
ai, quem me dera, quem me dera
soldado
de chumbo que a mim se entregasse.
Dizia
o toureiro à civil
–
apre, vosselência pisou-me os calos.
Dizia
o cangalheiro em fato de banho
–
estranho a ausência de farpela entrevada.
Dizia
o bombeiro nas finanças
–
não me enerve
que
ponho este sítio em estado de sítio.
Dizia
o catedrático ao estarola
à
entrada do restaurante
–
não tenha o topete
de se meter à minha frente.
Dizia
o artista de rap para o papel
–
rimas sem rumo
são
como
maças
sem sumo.
Dizia
o carteiro à porteira
–
e a senhora do quarto direito
continua
o adultério?
Dizia
o operário da siderurgia ao banqueiro,
depois
de um acidente de trânsito
–
querias que assumisse a culpa
se
bateste por trás?
Dizia
o pai natal à já não criancinha
em
seu colo à espera de fotografia
–
marota, marota,
já
não tens idade para isto!
Dizia
a senhora coquete ao empregado do café
–
garçon, sirva-me um gin tónico
mas
seja generoso
que
depois o recompenso.
Dizia
o filho à mãe
–
desengana-te,
não
vou às aulas de ballet
nem
como a sopa ao jantar.
Dizia
o patusco ao interpelar o ministro
a
meio da inauguração
–
senhor ministro, senhor ministro
pode
vossa excelência interceder
por
um emprego no ministério
para o meu sobrinho?
Dizia
o mendigo à passagem de uma beldade
–
desta esmola é que nunca hei de ter
(e
a beldade ficou sem saber as entrelinhas).
Dizia
o motorista da carris, resignado
–
o trânsito na cidade está um inferno.
Dizia
o filósofo, sem aquele ar pensativo
que
se pespega aos da classe
–
não sei para onde hei de olhar
que
tudo se turva
ao
ser beijado pelos olhos meus.