21.11.17

#379

Na rede da estultícia
autoproclamados eruditos
pescados pelo rabo da histeria
(sem perderem face e vergonha).

20.11.17

Declive

Eis o descritivo do instante:
a árvore sentada na boca do amanhã
em sucessivos tossicares envergonhados
dando mangas à tinta permanente
e espaço a páginas dantes encerradas.

Assobia
o velho cabisbaixo
contra a habitual, ausente sorte:
“se ao menos tudo fosse diferente”
repete,
em oratória cabalística
à espera do tempo benigno.

As rentes mãos lavam os pesares
impedem as perfeitas cicatrizes
no pano gasto das purificadas asneiras.

Não há de ser grande a demora:
pergunte-se à manhã
(a uma qualquer manhã)
se tem palavras que cheguem
para contar os beijos que faltam.

#378

Sei ser desta maré
(apesar dos estilhaços)
o sortilégio em espera.

19.11.17

#377

Trago vestida
a nudez intrínseca
onde o avesso é transparência.

18.11.17

Motim

O motim por dentro
o motim que não sei
ao certo
se sou.
O motim sem saber
se transborda.
Os enredos amontoados
bravatas em rota de colisão
os olhos despiciendos
os olhos contrafeitos
e o amotinado contido,
à falta de trunfo.
Sem estrelas por conselheiras
margens frágeis sem certeza
de segurarem o motim em seu leito.

17.11.17

#376

Remo sem a força de braços
apenas 
no anteparo do remo dúctil.

Ninguém

Ninguém
adivinha o nome da morte.
Ninguém
confia no melancólico sonhar.
Ninguém
desiste da manhã esperada.
Ninguém
se devolve à indiferença.
Ninguém
enlouquece nas fráguas frias.
Ninguém
atiça o arrependimento.
Ninguém
perde ao jogo do medo.
Ninguém
se despe no tirocínio das almas.
Ninguém
acorda nos termos ostensivos do desacordo.
Ninguém
se empresta ao vazio.
Ninguém
se promete no penhor da escuridão.
Ninguém
toma o veneno desalfandegado.
Ninguém
estima a pura maldade.
Ninguém
combina com os demónios avulsos.
Ninguém
contemporiza o desdém.
Ninguém
desaproveita o ouro entre os dedos.
Ninguém
esquece o vento.
Ninguém
se encomenda ao desespero.
Ninguém
se eleva no dorso de um precipício.
Ninguém
desaprende os rudimentos de si.
Ninguém
acaba por ser ninguém.

16.11.17

Mistério

Os confins não têm palavra.

Insurgentes
os operários da vertigem
combinam a morte.
Desabrigados de chapéus
apanham a chuva sentinela
a vacina diletante do vértice alado.

E depois
cansados em seus despojos
perguntam se as cores da manhã
são autênticas
ou se não são apenas
um mistério sem palavra.

15.11.17

Venda

Fecho os olhos
– e vejo tudo.
Não são as cortinas embainhadas
que esbulham a lucidez.
Tenho o tento capaz,
matador sem armas
mas só das torpes coisas
que à porta dão.
Fecho os olhos
– e não vejo
o que assim me não dói
nem de dores assim sentidas
levo para contar.
Armadilhas tem-nas o vento
que se desarmadilha na luva macia
no opúsculo que não deixa o prelo.
Fecho os olhos.
Oxalá o sono
seja abrigo mirífico.

#375

Trespassada a coleção de ousadias
sobra um amontoado de cinzas
inférteis.

14.11.17

Luto

Luto no luto
sem véu por perto
na manhã gentil
rosas ainda fechadas em seu sono
em espera impaciente pelo que sobra.
Luto sem espada
apenas de palavra em riste
no desprendimento anelado
na cobertura do rosto enxuto.
Luto sem verbo
em cadeiras rombas
e mesas desalinhadas com copos gastos
no impossível devir
no impossível luto.

#374

Atravesso o mar seco
e no ermo deserto
desato as trevas rígidas.

13.11.17

Presunção

A ponte fendida
na amostra do rio
o rio timorato
escondido entre arbustos
como não escondidas estão
seringas pútridas
deixadas ao acaso
na demência dos homens de rastos.

Cobradas as dívidas:
à mostra os costumes
os bons costumes
(que não fazem corar as senhoras)
em diatribes vítreas arremessadas
no vento lógico das varandas sem fim.
Moedas sem valor,
à mesa:
tributos inválidos
e os dados sacudidos no shaker da vida
das voltas sem partida
e dos nomes órfãos em paredes pintados.

As seringas
dispõem a memória recente.
Dizem:
miseráveis os trapos utentes;
e eu não sei se miseráveis maiores
são os penhores dos costumes
dos bons costumes
que só coram de vergonha
com as vergonhas de que não participam.

12.11.17

#373

Do fundo bolso
um punhado de mãos
a sementeira opulenta.

11.11.17

Gesta

O lago
dissolve-se na paisagem
a saliva amansa o suor
no gasto prolífico
do corpo perene.
Assim são dias ímpares:
insaciáveis
depósito dos remédios
cobrando aos mastins sem rosto
a improvável senda da gesta.

#372

Proporções éticas
proporções épicas.

10.11.17

#371

O biombo perfilado
sindicância em espera
sem rostos, só nomes.

9.11.17

Janela do avesso

Desta janela
o avesso das janelas
espia-se de dentro para fora.
Fome imensa de nudez
aos olhos outros.
Dir-se-ia:
sublime generosidade
toda a nudez
em matriz de transparência.
A cortina aduz um baço chocalhar
e as sinapses juntam-se no ocaso:
é só vaidade sem prumo
voyeurismo ao contrário
e as janelas em sentido adulterado.

#370

Quis-me parecer
a velhinha trouxe da mercearia
demolhado bacalhau
(oh! tentações da modernidade).

8.11.17

Trezentas milhas

Trezentas milhas.
Quanto é isso em quilómetros?
Depende do querosene.
Depende das escolas e seu siso.
E depende se for reta a linha
ou achacada a desatalhos.
Chegamos depressa ao lugar
depois das trezentas milhas?
Depende dos lápis
se afiados estão
e se aceitam o francês como idioma.
As trezentas milhas depois
são em França?
Parece-te que os pássaros
são capazes de ladrar?
O fuso calibrado
será o esperanto dos poliglotas.
Em banho-maria
sem alho francês por condimento
o vinho forte, encorpado
a mostarda de Dijon
e as demais iguarias que te aprouver.
Mas só daqui a trezentas milhas
saltadas por estrada ou pelo ar
(não te digo: é surpresa)
salteadas com o suor da empreitada
semente sóbria dos arbustos estéreis.
      Quando me dirás
      que as trezentas milhas
 se esgotaram?
Quando te disser
que trezentas são as milhas
que faltam
para a casa da partida.

#369

Largado o seis
profana sentença
finda em nove:
chave da volúpia.

#368

LA.
Hell A.
L hey.
El A.

7.11.17

Desembaciado

Uma pétala esbraceja
contra a tirania do vento.
Vai errante
com os humores do vento malsão
sabe-se lá onde terá cais.

Passará
sobre mares medonhos
vulcões desadormecidos
florestas esmagadoramente verdejantes
estepes americanas
glaciares árticos
precipícios insuspeitos
paisagens lunares
paisagens de prospetos turísticos
portos enferrujados
rostos desarmadilhados
gente autómata
paredes caiadas em cidades vetustas
catedrais colossais
lagos fúnebres
navios mercantes em braço-de-ferro com o mar
campos de flores:

com o favor do vento
a pétala aterra num campo de flores
e em osmose
funde-se no caule vicejante;

desabrocha flor mutante.

As histórias
também têm direito
a risonho término.

#367

No dédalo desfeito
a embocadura do rio festivo
leito derradeiro,
enfim.

6.11.17

Continental breakfast

Das orelhudas raízes da terra
o chamamento:
não olhar para trás
e da terra trazer o sabor a ela molhada
passear no fio delgado de uma gota de orvalho
deixar os olhos no peito generoso
da terra composta em paisagem.
Saber o sabor dos frutos
o nome das árvores
o encanto das mãos metidas na terra
humedecida pela chuva vespertina
ou hirsuta,
sujeita ao estio demorado.
A terra sem terra
isto é
a terra sem o penhor de uma bandeira
nem o lastro pesado de uma cultura
a terra sem dono
(mesmo quando se conhece proprietário):
terra como terra
a terra sem idioma
a terra que fala através das pedras pontiagudas
a terra fervente sob o sol posto
a terra demiúrgica.
Som legado outro
se não o seu telúrico pesar
o regaço inteiro
onde se acolhe
o maternal embrião do resto.

#366

Labéu dos fazedores de banda desenhada:
narrativas dos maus derrotados
(quando tudo é sua antítese).

#365

Por crime contra a humanidade
acuso
os argumentistas de desenhos animados
(por logro induzido nos petizes).

5.11.17

Novembro

Lisérgico.
A escotilha fundeada
no sorriso baço dos velhos
poço das águas estornadas.

Demiurgo. 
À espera do vento favorável
entre o mar e o olhar contemplativo
beijo quente nos lábios manancial. 

Adormecido. 
O encanto do sonho
emoldurado nas páginas vitrais
hasteado no promontório do ser. 

Matinal. 
A estremunhada alvorada
farto manjar que se espera
no esquartejar do jogo em liça.

4.11.17

#364

Hoje sou o que vou ser
sem o remorso
do que fiquei por ser.

3.11.17

Um rosto

Espero do rosto visível
o cais aberto
regaço
a coreografia desordenada
os poemas insolentes
a imersão catártica
um chapéu contra a atmosfera
uma incubadora sarcástica
os braços futuros
o furto da minha alma,
consentido
heurístico.

As obras serviçais
desenganam os provectos ascetas
lendo no tempo atávico
os tronos arruinados
que foram seus.
E o que interessa
saber das cinzas levantadas pelo vento
das rochas tomadas pelo limo
das miseráveis que não dormem
das nuvens lisas tomando conta do sol
ou do sol não exuberante
do sol timorato
servil?
Os dentes amparam o frio
fortaleza sediciosa
no desamparo das viúvas sem lágrimas.

No fim das provações
é sempre o rosto soerguido
o mastro centrípeto
esteio de tudo.
Um rosto.