O comboio
cavalga sem siso
esculpindo os carris férteis.
O cavalo garrano
toma a fonte como apeadeiro
desenhando sua língua espirais na água.
O marinheiro
atravessa o cais
desapoderado de seu elemento.
O escultor
amacia o granito
para nele assentar moldura radiosa.
O mendigo
dorme no pontão
à espera que o tempo não seja madraço.
A bailarina
chora no palco vazio
na agonia da solidão.
O cão danado
foge em correria
da loucura dos anciãos.
O paciente
admira a sala de espera
contra a frieza da doença.
O armador
despenteia as páginas do livro
revoltando-se contra a abastança herdada.
O joalheiro
antecipa a luz vívida
na encruzilhada preciosa.
O rapaz
estroina sem remédio
não sabe o que é dormir à noite.
A costureira
atira o olhar para o firmamento
costurando os sonhos audazes.
O cobrador
pendura-se na estribeira do elétrico
avivando os ecos da infância.
A lareira
desembaraça-se de cinza
e na casa respira-se conforto.