Falavam de redenção.
Recusava.
Não estava moribundo.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
O membro do governo
faz as perguntas
e, com diligência inexcedível,
redige as respostas.
A Filosofia
devia ser cancelada.
[Derivação – ou consequência – do #2747]
Incumbência:
instruir os editores
para mearem as páginas:
numa metade o texto original
na outra as luzes em dádiva ao leitor.
Encurralado
entre o deserto ermo
e a metrópole hermafrodita,
o precipício a estalar na boca
a qualquer momento.
São as bocas
que dizem os nomes.
E os nomes
ensinam as bocas.
As palavras são mediadoras
a ponte entre os nomes e as bocas
que sem as bocas
os nomes ficam sufragados pelo silêncio
e sem os nomes
as bocas não sabem de que terra são.
Do silêncio não se diga
que impede os nomes:
todos os nomes não deixam de ser
se o silêncio for instalação duradoura.
Uns nomes têm palco
e outros não:
não se ofendam os mártires da igualdade,
uns nomes têm palco
falam com as suas bocas
há bocas outras a falar de si;
outros nomes vivem do anonimato
as suas bocas falam
não há quem nomes que ouçam
e mais nenhuma boca recita os seus nomes.
As bocas todas deviam ensinar
aos nomes sem exceção
que a miragem da igualdade
devia ser metida
em museu a preceito.
Alto Douro.
Alto Douro.
[Para ser lida, a segunda estrofe, “Altooo Douro”]
De astronauta disfarçado
meteu as mãos ao barro
esculpiu a sua própria lua
e partiu rumo ao exílio.
Epicentro;
as furnas levitam o magma
das almas sem paradeiro.
As folhas das árvores
derruídas pelo Outono
apreciam o ocaso
o fusível para as cores adulteradas
em movimentos desorganizados
de sindicatos sem certidão.
Diz-se
outra vez
sem saber se é por recusa
ou como hospedeiro da rotina
sem sequer intimidar
os diseurs.
Abandona-se o lugar
deixado vago aos bancos ausentes
os bancos que podiam ser de bancos
se ainda houvesse jardins.
A matéria viva
toma conta do sol
fermenta a carne incindível
demorada no crepúsculo efémero.
Os cardumes pressentem-se
o mar é a sua morada
e não há pesqueiros no perímetro
nem um matança no fio do horizonte.
O ultraje
é afim do arrependimento
não se pode cativar a hipocrisia nos outros
sem cair na indigência
de não se reconhecer hipócrita.
O sal tempera as cicatrizes
põe as feridas à prova.
Não é provação à medida
ou à desmedida encomendada:
o sal
é a alma mater das cicatrizes
o incentivo
para tantos serem mineiros.
De todas
a pele de pêssego
cobra os impostos diferidos
e sabe-se
é a exemplar seda que cobre os corpos.
Na véspera
o medo era apenas
uma intendência.
Fingia-se não saber
a linguagem do medo
fingiam-se
exílios em grutas sem mapa
em vez de almocreves desossados
irrompendo contra as palavras párias.
Era assíduo ouvir
por vezes
como se dizer
por vezes
fosse a promessa que faltava
para colorir os dias vindouros.
Se houvesse
um matadouro dos lugares-comuns
não seriam de sangue
os seus vestígios.
Mas não haveria operários,
ou uma autofagia dilacerante
cortaria tudo a eito
em pequenos estilhaços
de nós sobrando um ermo infecundo;
o precipício habilitado
para as vias de extinção.
Formulário coloquial:
aceitam-se a concurso
todas as fragilidades
as inventariadas
e as que esperam
em reserva;
num concurso de males
vence o que for de menor
estatura.
Oxalá sejam astutas
as mãos que mineram
os pesares.
Não são as constelações
que nos dão de comer
nem se diga o mesmo
das inválidas especulações
que não passam de especulações.
É por um rio sinuoso
que se mete o caminho afora:
não nos intimidamos
com o caudal que apressado segue
como se a foz fugisse
açambarcada pelo rio maior
açambarcada pelo ontem que não se repete.
Os desfiladeiros
fazem lembrar os sobressaltos
a matéria que dá congruência a tudo
– a totalidade só se preenche
ao ser levitada pela incongruência.
Não é a intimidação que nos trava.
O rio demora-se
e o dó que o dia tem apressa-se
em extinção.
Não queremos
que a noite seja.
Não queremos
que sejam as sombras a tornar-se gramática
e que as árvores sejam meros vultos
atiradas contra as margens que se estreitam
à medida do medo que se alimenta
nas veias transparentes.
Ou então
procuramos exílio na noite
o necessário e temporário exílio
para não sermos vítimas da noite
que se não vê.
Escrevemos na lembrança do sono:
a manhã
há de trazer a foz do rio
mais cedo do que tarde.
Prosseguimos no sonho:
as folhas molhadas caem sobre a pele
derruídas pelo vento que dança com a noite.
A pele diz o sossego que o sono convoca
na indiferença pelo ciciar do vento
arrumando o medo para uma nesga da memória.
Continuamos a sonhar:
os modos contrafeitos nos usos sociais
os fingimentos que aplanam as montanhas
o cárcere interior que adultera a vontade
a miragem que enfeita o entardecer
o torpor que não rima com indolência
a noite consecutiva
apenas uma das muitas vésperas
que se costuram no amontoado do tempo.
E já não sabemos
distinguir o sono do sonho e do resto
como se a ordem da consciência
tivesse sido raptada pela fragilidade.
Irrompemos
com os primeiros sinais de claridade.
O rio ausentou-se.
A floresta foi deposta.
O dia nasceu sem o castigo das nuvens.
O vento calou-se
cansado da boémia da noite.
E nós
continuamos a demanda
uma foz qualquer
que seja o começo de outra partida.
Nunca tive um oceano na boca.
Nunca tive os olhos tatuados.
Nunca tive mágoas por idioma.
Nunca tive aparatos nem comendas.
Nunca tive o desassombro do orgulho.
Nunca tive migrações cevadas no dorso.
Nunca tive sortilégios em pautas adornadas.
Nunca tive preces nem quimeras.
Nunca tive o arnês por gramática.
Nunca tive a montanha russa nas veias.
Nunca tive a alquimia dos farsantes.
Nunca tive algemas em vez de perímetro.
Nunca tive a lua em partitura hermenêutica.
Nunca tive a generosidade dos déspotas.
Nunca tive o açor no ponto de mira.
Nunca tive fortificações encenadas.
Nunca tive arsenais de estultícia
(ou a estultícia de arsenais).
Nunca tive a baía perene.
Nunca tive de embainhar o futuro.
Nunca tive a cortesia dos diplomatas.
Nunca tive a heresia da hipocrisia.
Nunca tive de meter ferro e fogo no silêncio.
Nunca tive o empréstimo de um epifania.
Nunca tive de arrendar hipérboles.
Nunca tive de amesendar em urbes infames.
Nunca tive de costurar as feridas incensadas.
Nunca tive de mentir às mentiras.
Nunca tive de servir extáticos anciãos.
Nunca tive de atropelar a angústia.
Nunca tive de errar num labirinto.
Nunca tive amoras nas manhãs húmidas.
Nunca tive o passaporte do ocaso.
Nunca tive a chave de navios insubmissos.
Nunca tive a esmeralda sufragada em poesia.
Nunca tive disfarces do disfarce concêntrico.
Nunca tive medo da liberdade.
Nunca tive o penhor das almas sitiadas.
Nunca tive certezas sobre as dúvidas.
Nunca tive dúvidas a não ser sobre as dúvidas.
Nunca tive interrogações órfãs.
Tirando
tudo isso
que nunca tive
sou tudo
por dentro
do que tive.
À pátria que a pariu
a pútrida pátria
que se parte
no presidiário partido.
À pátria putrefacta
penhor do pequeno possível
pináculo da proverbial purga
onde se procrastina o porvir
para ser povoado por um punhado.
À pátria perdida no piolho pior
pústula e pérfida,
possuída por pelintras não probos,
proclamo
por patrocínio em parte incerta
a apátrida pulsação que me percorre
em parte
por seres parte da perversa porta
que se opõe à paciência
em parte
por seres pusilânime
na posse que prometes
e não é tua parte.
Segregava
a Primavera ostensiva
no desabotoar das flores
feito o inventário do Inverno
sepultadas as chaves da hibernação.
Antes confundir
concelho com conselho
do que LCD com LSD.
(Ou vice-versa,
que agora a dúvida
falou mais alto.)
Dou à boca as palavras cãs
onde sobem os socalcos
até serem o mais alto trono
no promontório geodésico
onde tudo se oferece
no estuário do olhar.
Deixo outras palavras
não mudáveis
serem a cintura da tarde.
Ao mundo que não ouve
não digo que anda ao deus-dará,
digo o nada que ele que ele dispensa.
Se a matéria ampla for presságio
deixo as mãos no caudal do rio voraz
e nas pregas da idade apregoo as lições,
as estátuas perenes cingidas
no relógio sem nome.
E se na véspera forem todos mastins
escondo-me no espólio sem paradeiro
e deixo aos nomes
a veia anónima que os consome
e os deixa utilmente anónimos.
Todo o sangue vazado
é mil oceanos coléricos
e os ossos
as cordilheiras submersas
as lápides que silenciam
tantos segredos.
“Estou-me nas tintas”,
disse,
sem (a)notar
os vapores tóxicos a que se expõe
quem está imerso em tintas.
O mar
parecia o verniz do dia
como se fosse possível
emoldurá-lo.
A maré
cercava as rochas
um cerco de sal e linhagem
imperturbável.
O rio
queria saber do sal do mar
enxertando-o de imodéstia
e soberba.
A lua
era testemunha à distância
ainda mergulhada no seu sono
diurno.
A Primavera
já mais do que um esboço
deixava em legado as suas páginas
aveludadas.
Eis a alquimia da Primavera
os pássaros doidejando
como se fossem bardos
em coreografias coloridas.
Dédalo das más intenções;
que se metam as palavras
em marcha-atrás
e as más sejam boas intenções:
os espírito afidalgam-se
as solenidades são honradas
em vez de serem consumidas
pela banalidade da rotina.
Uma litania atravessa os claustros
onde se evoca a grandiosidade
do futuro.
Testas-de-ferro diplomados
querem açaimes
querem
silêncios que evaporem as falas:
conspiram contra as vozes bastardas
vozes que estilhacem o bem adquirido
e a motivada mentira que atravessa
os dias.
Em vez de uma bandeira
uma coroa
auréola as cabeças sem tenência.
Há generais a mais
e solenidades a menos
e os festins
em devida preparação
não são de assinalar com ausência.