11.4.23

Tanque de combate (ou: a alegoria desbeligerante)

Nunca tive um oceano na boca.

Nunca tive os olhos tatuados.

Nunca tive mágoas por idioma.

Nunca tive aparatos nem comendas.

Nunca tive o desassombro do orgulho.

Nunca tive migrações cevadas no dorso.

Nunca tive sortilégios em pautas adornadas.

Nunca tive preces nem quimeras.

Nunca tive o arnês por gramática.

Nunca tive a montanha russa nas veias.

Nunca tive a alquimia dos farsantes.

Nunca tive algemas em vez de perímetro.

Nunca tive a lua em partitura hermenêutica.

Nunca tive a generosidade dos déspotas. 

Nunca tive o açor no ponto de mira.

Nunca tive fortificações encenadas.

Nunca tive arsenais de estultícia

 

(ou a estultícia de arsenais).

 

Nunca tive a baía perene.

Nunca tive de embainhar o futuro.

Nunca tive a cortesia dos diplomatas.

Nunca tive a heresia da hipocrisia.

Nunca tive de meter ferro e fogo no silêncio.

Nunca tive o empréstimo de um epifania.

Nunca tive de arrendar hipérboles.

Nunca tive de amesendar em urbes infames.

Nunca tive de costurar as feridas incensadas.

Nunca tive de mentir às mentiras.

Nunca tive de servir extáticos anciãos.

Nunca tive de atropelar a angústia.

Nunca tive de errar num labirinto.

Nunca tive amoras nas manhãs húmidas.

Nunca tive o passaporte do ocaso.

Nunca tive a chave de navios insubmissos.

Nunca tive a esmeralda sufragada em poesia.

Nunca tive disfarces do disfarce concêntrico.

Nunca tive medo da liberdade.

Nunca tive o penhor das almas sitiadas.

Nunca tive certezas sobre as dúvidas.

Nunca tive dúvidas a não ser sobre as dúvidas.

Nunca tive interrogações órfãs.

 

Tirando 

tudo isso 

que nunca tive

sou tudo 

por dentro

do que tive.

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