Em suma,
o sumo
(sem pontífice).
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Não são as vozes que ecoam nas veias
capatazes de sismos cardíacos
de lamas que enobrecem a poluição
de bocas património de mau hálito
de granadas conspirativas
que adormecem no travesseiro
do sangue desabilitado que esmorece
da cabeça que mergulha no chão decrépito.
As vozes
que ecoam nas veias
são o desdobramento da alma
os sucessivos alambiques que destilam estados
e atiram
para a boca de cena
a fragilidade infatigável
o desejo de ser apenas
o mais anónimo desejo
entre os párias.
O xisto debruado na boca
ajeita as palavras
parecem:
estrofes;
ou um candeeiro todavia fundido
à espera de vez
no fundo do mar
sem lá ter sido encontrado
por naufrágio.
A boca naufraga
trémula
desajeitada
diz umas palavras desastradas
antes que na noite decrete
o silêncio
e os ardinas da luminescência arvorem
o princípio geral do universo
e a sua incontestabilidade.
Os rebeldes sobem à cena
tomando conta da noite
prometendo demoras
e algum vinho
jurando oposição às incontestáveis coisas
assim encenadas.
As vozes disfarçadas de colibri
coonestam os penhascos que vomitam água
mesmo no auge do cachão
e em baixo o tremor contínuo
ensurdecedor
embacia as falas que ousam.
É melhor assim
(alvitra o visitante)
o silêncio traduz a melhor fala.
E pensou
o que seria de um corpo em queda livre
sem arnês
à mercê do turbilhão tempestuoso
o que seria do corpo se não fosse despedaçado.
Um pouco à frente
mesmo depois da fina bruma
dissipada num arco-íris
o leito amansa numa lagoa que se alarga
e as margens pedem cais
para os destroços do cachão.
Mumificado
o musgo-testemunha
empresta um lugar acetinado aos visitantes.
Entardece.
enquanto o silvo das aves tardias
se mistura com o rumor já distante do cachão.
A boca insiste em palavras metálicas
como se fosse preciso desenjoar
e um dia aprazível estivesse adulterado
pelo cansaço dos excessos.
As vozes tardias
as que foram paridas para desmanchar prazeres
começam a arrastar o oxigénio
para a falésia onde está o sono.
Tiraram a vez
aos demónios que esbracejam a farda
enquanto juram acertar contas com o futuro.
A genealogia da fantasia
morde na orelha do velho marinheiro.
A modista urticariamente conservadora
só arrota se estiver sozinha.
O gato maroto espreita a fêvera a descongelar
à espera de se substituir a uma humana boca.
Os circos nunca estiveram vazios.
Às medas,
a indigência trata da toponímia do lugar.
Se ao menos lavado estivesse o lagar
não era de uvas que seriam mentidas as pernas
possivelmente
de maratonistas magros correrndo contra o mosto
à medida que os contrabandistas assobiavam
para o lado
e de lado andassem os desmerecidos foliões
arrastando a aderência malsã
com os dentes de fora.
Combinam-se duelos de estrofes:
um atira
a angústia perene
que se consome no pavilhão geral dos gelados
e o outro contrapõe
com a maresia que se levanta na biblioteca
sem que os estetas protestem contra a manhã.
A impressão
é que está tudo embriagado
ou apenas louco
e ninguém sabe
se pior é estar louco ou ser embriagado.
As velas
ardem a angústia
incendeiam os dias por haver.
Exilados
damos as mãos às árvores
e lemos no mar a mare de outrora
o esquecimento armadilhado.
Somos as velas
o mar, os nossos corpos
e deste fogo amamentamos tempestades.
No conhecimento do belo
que não se intimida com as palavras
não fica refém das indulgências
amordaçado nas lágrimas vertigem.
Pelas velas
aquecemos os corpos
no império da noite fria
e no sangue combustível
sermos escultores do dia sem prazo.
Aquecemos as mortalhas que embaciam a nudez.
Aquecemos as estrofes que sobem à boca
e no miradouro da manhã
tecemos as profecias derrotadas
o véu único que nos cobre
e reserva a nudez
para nós.
E nós
com as velas que tremeluzem
sob o saque de um luar colonizador
dizemos ao vinho de que somos feitos
estas armaduras tão frágeis
estilhaços que fortalecem os corpos.
Acorda a matilha
a água estilhaçada
deita-se sobre o silêncio
e os redimidos assobiam a manhã
exorcizando os paradeiros assombrados.
A matilha
entediada pelo torpor da manhã
estremunha as lágrimas herdadas dos sonhos
no preparativo para a infâmia que é sua perícia.
Os redimidos
esqueceram-se de esconjurar
um a um
os que coabitam a matilha.
Rosnam as rosas na arruaça
os risos roçam os rouxinóis
e são as raízes reptícias
que arruam os rapazes ruins.
Que arrotam
tão remíveis por rebeldia
por receberem dos irresponsáveis
o raspanete por não rosnarem.
Já as regras ficaram rasas
e à rasca
roeram o resto da razão.
As vidas todas
outra vez.
O nevoeiro em erupção
a manhã sem sentinela
de vez.
O colibri imerso na tarde
subindo às costas do vento
de cada vez.
O troco do oráculo
sem troça das mãos
mal seja a vez.
A meda da fala
desembaraçada do silêncio
sem vez.
O obstinado pesar
culpando o dia de sombras
com vez.
A granada embainhada
e o peso gracioso da cortina puída
à vez.
As flores expropriadas de odor
sobre aviões amortalhados
talvez.
O poema embarcado
empresta sal ao angustiado mar
só desta vez.
A sina que procura orfandade
no vagar do entardecer sincopado
em que seja vez.
O sonho afeiçoado na tempestade
colhendo as pétalas maduras
uma vez.
Atiro o rosto
contra a conspiração.
Não será em mim
legítimo o medo
ainda
que o medo morda fundo
e deixe a pele lívida
mergulhada em anestesia.
Atiro ao medo
as munições angariadas
sirvo-me da intrepidez
e convoco o sangue para a rebelião.
Antes que o medo se componha
e como se de uma maré viva
me condene à hibernação,
ou à obediência.
O arco que vai da alvorada ao acaso
entra pela pele sem ser cicatriz
convoca as ondas que se levantam na nortada
e canta os diademas
desenhados pelos dedos incansáveis.
Habilitam-se
os caos embutidos em azulejos diáfanos
mostram-se as coisas pelo seu avesso
proclamam-se as insolências
que são o aval dos párias
e num golpe de asa
antes que o amanhã seja apenas outra véspera
amotina-se o espírito irrefreável
contra as muralhas que se encandeiam pela manhã
quando sobre elas sobe o sol vulcânico
e o corpo dá tudo de si
ao dia anunciado.
Tudo não se incendeia
se não na perecível promessa que se encena
e as farsas continuam a cheirar
o cu do amanhã.