Haveríamos
de ter inveja
da onça
tantos os amigos
que ela
tem.
[Sobretudo um certo primeiro-ministro com prazo de validade acertado]
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Haveríamos
de ter inveja
da onça
tantos os amigos
que ela
tem.
[Sobretudo um certo primeiro-ministro com prazo de validade acertado]
O pé
de semear.
O pé
de cabra.
O pé
de microfone.
Nada
é por
acaso
(se
interessa
para o
caso).
Os dentes do avesso:
congeminava a rebelião
tardia
a impensável bochecha que o devir
escondia;
se fosse pelas espadas travadas
os arrevesados procuradores
em vez da estultícia
seriam devotos de ingénuos oráculos,
que a demanda do futuro
não é de ficar ao pé de semear.
Mais logo
(jurou)
cobro aos anjos disfarçados
a tença correspondente
e entrego-me
incondicionalmente
à boémia
o meu corpo como se fosse doado
sem ser à ciência.
De um jornal:
“Mata homem por dívida com 27 anos”.
E fiquei sem perceber
se era a dívida,
ou o morto,
que tinha 27 anos?
O sangue confundia-se com lágrimas.
Os derrames vertiam cicatrizes
a pele era asfaltada
por tatuagens involuntárias.
Há quem solte o freio da angústia:
não sabem
ou não admitem
que a angústia
não é tão imediatamente involuntária
como as tatuagens herdadas de cicatrizes.
Despojam-se
como se dessem autoridade à comiseração
e precisassem da tutela dos apiedados
para baixarem a temperatura da angústia
sem tomarem conta do periscópio
que previne que se deslacem do exterior.
Afocinham
numa mistura putrefeita
de sangue e lágrimas
e adiam o cais metodicamente generoso
que pavimenta a dança sem regras que precisam
para não serem reféns
dos seus próprios ardis.
Em forma de marco geodésico
sem saber se
a paisagem intercedia por ele
ou era ele de atalaia à paisagem.
A fogueira crepita
num fogo
posto à venda
por nada
por um
fogo posto
que armadilha
as mãos voluntárias
em tudo um nada
crestadas
por defeito de vontade
de uma vontade por excesso.
A fogueira crepita;
valha
ao menos
a interdição do Inverno.
Esta é a mão moratória
a demão que pede vindouros
o presente caiado
com o pejo dos cajados
sentenciados.
A tabela térmica
respira a febre da pele:
as erupções devolvem luz à noite
e não se fale de eclipses
não desembaracem o lagar
onde as uvas fermentam de véspera.
É pelas varandas que as falas se juntam
as casas são uma prisão arrematada
lúgubres, sombrios espasmos de rotina.
As pessoas
habituam-se aos hábitos.
Não se demovem
por luares nómadas
ou lances ousados
que viram o jogo do avesso
os génios sempre adiados.
Só querem a usança
refeições à hora marcada
a purulenta televisão
onde desfilam malquerenças
e personagens escaninhas.
O fumo ao longe
não é um atestado de cemitério:
o vento assina as árvores
a durável concessão dos homens
máquinas em barda
a lava da civilização
como se contássemos os quilos de ferrugem
no inventário da abastança.
Não se interpõem os deuses
que também dormem.
Quisessem mediadores,
encontrá-los-iam nas medas avulsas
a meação que junta as mãos separadas.
Como sangue de framboesas maduras
as pálpebras falam no estreito da mentira
acostumam-se à imprevidência dos lobos
e deixam atrás o insensato esgar dos lúcidos.
De vez em quando
as consoantes gritam o verbo duro
libertam-se da azáfama das noites desertas
e emprestam disfarces para quem nunca foi
farsa.
O ouro está escondido na página 36,
segredou a divindade empossada,
e os cães vadios que passavam
subitamente mataram a fome.
Não
não me escondo dos espinhos das amoreiras
trago comigo estátuas dilaceradas
e tatuagens que ainda procuram santuário.
Dessem à boca
alcatrão
já que à ilharga
sobra o silêncio
oxalá povoassem de lucidez
um pouco do adro mental
e por contágio
um arnês os libertasse
da indigência.
Coabitasse a medida
com o estatuto encamisado
soubesse a boca
ser modesta
e o juízo não se afivelasse
por excesso
para diplomática ser
a contabilidade
e de contumácia das estimativas
não se poder falar.
Enchessem-se de penas
talvez cuspidas a alcatrão
para não se esconderem
da desvergonha.
Uma pilha de nervos
tem de ser
de lítio.
[Poema circunstancial:
ou de como o lítio
mandou um governo abaixo.]
Tenho nas mãos
as flores sem sangue.
Tenho aos pés
as vozes párias.
Trago no olhar
os medos extintos.
Trago na memória
as manhãs vagarosas.
Tenho
no magma da alma
as palavras armadura.
Tenho
no lugar da maresia
a nitescência das mãos inaugurais.