Para uns:
só à lei
do maior esforço.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Sem o cimento
as varandas são precipícios
sem ninguém que se sirva do arnês
o medo anónimo subindo pelo gelo
os casacos remediados que não chegam.
Sem as mãos atrevidas
as cordilheiras são miragens
chamam os sentinelas a jogo
sobre o sabre que cauteriza as veias.
Desfeito o caudal desprevenido
atropela os sóbrios mascotes dos costumes
perdido entre a incógnita do medo
e a indigência dos procuradores da angústia.
Não posso dar os sentimentos
não quero deles ficar privado.
Não sei se é pretexto
para pesarem tanto as elegias
ou apenas o medo da morte
o algoz injusto
feitor de vidas sempre breves
tradutor do efémero malquisto.
Os cangalheiros autoimpostos
que se entreguem
ao embalsamento a destempo
para que não sobrem nódoas
sobre a pele difamada
dos ainda vivos.
Reflexão crítica:
ao que é dado a testemunhar
das desandanças das vidas
por este andar
ainda convencem
que a morte é o menor dos custos.
Enchem-se ruas e bancadas
compram-se confettis
assobiam os foguetes
traduzem-se elogios:
vem aí a dinastia
sirenes estridentes
a precederem-na
espadaúdos espécimes
para a ordem garantirem
plumitivos histriónicos
de microfone em riste
o povo arrebanhado
em edital vocal
fatos cinzentos
discretamente exuberantes
(chiu: são dos serviços secretos
não contes o segredo)
e finalmente
a dinastia regular
do mexicanizado regime
um regime sem dieta
gordo e gordo e gordo
para prebendas distribuir
por um séquito
que alimenta
outro séquito
e mais sequitozinhos
até não sobrar vivalma
à mesa do orçamento
no banquete onde a dinastia
arrota um divino direito.
Não somos as sombras onde se escondem os escombros. Somos a lucidez, a manhã clara sem medo da chuva, a lava de onde procedem as quimeras. Somos a estatura inteira que mede o aniversário do futuro. Não somos destroços numa mordaça a vontade. Somos a maré alta de onde temos atalaia no sangue indomável. A desinquietação com dedos mágicos por cima, uma feitoria sem embaixadores de medo, nós, o peito pleno em vez de bandeiras, o hino desconhecido dos outros, nós.
É desta extorsão de mim
que arrebato
o crepúsculo haurido.
As mãos suadas extraem da terra
os sorrisos propedêuticos
as limalhas atiradas ao acaso
contra os olhos ilhéus
dos operários.
O que dizer
destes dias circenses
em que muitos se disfarçam deles próprios
fingindo
que se orquestram na finitude sem regaço?
Ah!
o estipêndio joga-se em tabuleiros luxuosos
e são mãos sem rosto
que esfregam dedos extasiados
e esperam
com a ilusão dos desenganados
que seja sua a sorte vez
eles que nem sabem
do princípio geral da corrupção.
Os bichos remoem-se
indiferentes
numa gesta improvável
no cesto onde se guardam as frutas
no berço onde gastas se aprendem palavras
contra o fundo poço onde se escondem silêncios.
A combustão sobe a palco
altiva
pergunta quem quer um tumulto de graça
não sem desaprender a graça avinagrada
o sempre distante braço de ferro
que se indispõe
contra abastados fornecedores de esperanças.
Prossigo a pauta dos dias
eu que continuo a não saber ler música
e persigo vultos que seguem de rastos
como se lambessem a lama
e depois a bolçassem sobre os distraídos.
Prossigo
que as demandas se consultam na escuridão
intérpretes da alergia à simpatia gasta
antes preferindo cozinhar as sumptuosas farsas
sozinho no epicentro da periferia
roendo as unhas vestidas de cal
dizendo em apenas murmúrios
um dó-ré-mi apalavrado
no sofá dos aristocratas.
E se em sonhos me dissolvi
foi porque me esqueci de dormir
escondido na vela hirsuta de um velho veleiro
em mares de nomes que não sei
empunhando o sabre apodrecido
como convém
a um apátrida de guerras
magnificamente condoído na estatura meã
de tudo à volta.
O nefelibata apeado
antes de trair a fronteira
juntou as mãos às travessuras dinásticas
como se não esperasse absolvição
e aos lençóis freáticos
roubasse as lágrimas que não tinha.
Não se importava de ser pária
não se incomodassem com os andrajos
a colossal farsa que encenava
acenando às lívidas mães pela ausência dos filhos.
Ele sabia dos gatos avulsos
sabia
que eram sentinelas à espera da noite
e que ninguém os acusava
de serem reféns do medo
Eles é que sabiam
montados no rosnar altivo
príncipes autoritários que esventram as presas.
Na véspera da manhã
diletante
assobia ao silêncio
no apartado longínquo da solidão
fugindo da sua cólera
antes do testamento dos anciãos ser lei
antes que seja cedo para ser tarde.
Se ser
é viver dentro de uma fotografia
reclamem-se créditos para o flash
sem obedecer a conspirações
nem recuar aos suores frios
talvez
beijar os dedos do precipício
pode ser que do outro lado
verticalmente caídos
encontrem a madeira para a moldura.
E só então
fotografias de pleno direito serão
com direito a moldura
e tudo.