O eclipse aviva a penumbra
como se as sombras vivessem
nas costas das mãos.
As conchas cadáveres
exibem as praias da sua predileção.
Os mais velhos
sem sono
escondem da noite as rugas
só para a manhã não açambarcar
os dedos trémulos dos relógios.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
O eclipse aviva a penumbra
como se as sombras vivessem
nas costas das mãos.
As conchas cadáveres
exibem as praias da sua predileção.
Os mais velhos
sem sono
escondem da noite as rugas
só para a manhã não açambarcar
os dedos trémulos dos relógios.
Contam-se
as cabeças de gado.
O resto
(dos corpos)
parece que não importa.
Narizes aduncos
e outros adelgaçados
farejam os interstícios da vulgaridade
assim como porcos usados na apanha de trufas.
A merda gravitacional
não se pondera na hora da soltura.
Diremos:
chiqueiro
e não sabemos
mas afocinhamos na balsa fétida
o lugar onde descamisamos linhagens
e ficamos ao nível de uma escatologia sistemática.
Não estranhem
que andem tantas moscas
por aí.
Antes que seja preciso desconversar
empurram-se os talheres para os dedos
e pergunta-se à lua se vai sair à noite.
A boca desenha os frutos
não se importa que sejam
depois
a medida da podridão:
os frutos também perecem
o que serve de conforto
para o embaraço que é
a finitude aplicada às pessoas.
Os frutos vêm à boca
convocam a madurez
incógnita para o sangue;
avivamos o magma
com o frescor dos frutos
e não há o que dizer
da boca assim domesticada.
Tramita
o jurisconsulto
no justo travar do locupletamento
repristinando o equânime latejar
convertendo os pirómanos ao sinalagma.
O fogo posto
tardio
convence déspotas
a cuidarem do devir
adivinham
que depois do chão
um verosímil precipício
inútil o varão que foi
de torturas muitas.
Fidalgo
impenitente
desova a possuída tença
da altivez
incapaz
de olhar por dentro dos olhos
incapaz
incapaz.
Já não dorme
(assim sonha)
a ceifa sombria em cima dos dias
os dedos trémulos
a voz cegada
só tosse e escarro
um espelho
afinal
o testamento
ainda
em vida.
Os pesadelos:
os de outrora
antes do sangue envenenado
pelo medo
eram os sonhos melhores.
Agora
a prescrição
prova dos factos
a corrosão
sobe ao tabuleiro
ele
só à espera
de ser peça
derrubada
mera folha
apanhada
no sortilégio
de um vento
novo.
O novo
na coroa do velho.
Se deus é uma pessoa
tem NIF e CC e passaporte
(e de que país é o passaporte?).
[Uma fadista, destas modernas, teve uma epifania a dobrar: deus é uma pessoa]
Da matança orgulhosa
não fogem em prantos
os carrascos sem sangue.
Escondem
as ossadas do saque
e a ferrugem
cobre os rostos dos mercenários
deixa-os com uma pele sem idioma.
Atiram-se à manhã
na extinção do remorso
deles é uma voz sem rugas,
os farsantes que correm
contra as serenatas sem intenções.
Cobro à noite
o penhor da carne em combustão.
Não sei do mais,
a não ser das tréguas interiores
que perfumam o tempo.
Só de ti espero um campo de flores.
Eu sou o perfume que delas arrancas.
Só sei da noite a voz fulgurante,
as tochas ateadas no chão que é pele.
Até que seja manhã
e dela a façamos miradouro
por onde espreitamos
os corpos nossos entrelaçados.
As fragas abrem-se ao sol
libertam-se
do seu nevoeiro interior
e falam,
pródigas como nunca falaram.
Os braços contorciam-se
pareciam agitar os fantasmas escondidos
até que fosse vaza a maré
e extintos pudessem ser recolhidos.
Contorcido já o corpo inteiro
tirando as arestas da bússola
enquanto altiva uma voz advertia
que possivelmente o comboio estava atrasado
um exército de vultos
espreitava pela escotilha
na diligente atalaia dos distraídos
a carne todavia sem canhão
por omissão das máscaras inválidas.
Um tremor da mão
aconchegava o suor precipitado
a carne enfim deposta pelo cansaço:
oxalá viessem os procuradores da indigência
ensinar a infecunda aspiração a ser maior
e com eles levassem estas águas puídas
para depois ser noite pura
a porta vedada à insónia
aos lúgubres embaixadores da inocência.
Pura noite púrpura
a cor odiada
por todavia adiado ódio
se por compensação
a insónia exorcizar.
Atiras os dados
o calibre das folhas caducas
estilhaçado no frangir das folhas
à mercê da fragilidade cadente
do estanho que tatua a pele.
Aos dados dizes segredos
inventas a sobriedade cozinhada
entre páginas consuetudinárias
e palavras coevas que desdizem o futuro.
Pela amostra dos sortilégios
não se esperam proezas com arnês:
já se pressente o abismo
antes de chegares ao promontório
e não abrandas o passo.
Sabes
que um salto de gigante
não está vedado
e ninguém te ensinou
a proibição dos sonhos.
À hora em que escrevo
não sei
se já te chamam herói
ou
se te vou visitar ao cemitério.
Nas autoestradas
não há alminhas
é sempre a acelerar
sempre para a frente
é proibido
lembrar os mortos.
Já alguém pensou
no papel dos atores que fazem de mortos
deitados na maca das autópsias?