30.8.11

Poema em modo O’Neill


Rectangulozinho esquizofrénico.
Risível
ou para ser levado a sério?
Cavalgas nas ondas furiosas
sopradas pela nortada agreste.
És a tua própria contingência.
Galo inestético
gastronomia que deifica o selvagem
folclore imberbe
fado choramingas
– o leito das ancestralidades que,
ó de tão bem espremidas,
fermentam uma imensa irrelevância.
Uma risível esquizofrenia.

15.8.11

Vaidades


O sultão barrigudo,
todo poltrão,
inclina a pança para melhor se notar
o nariz emproado.
Monta na abastança do petróleo.
Outros há,
tão pulcros como miseráveis,
que imitam a pose do sultão.
Não passeiam a proeminente pança
e a prosápia não jorra do petróleo;
sobra a empinada protuberância nasal
– e a mesma indigência mental.

3.8.11

À bolina


O garrote à volta das veias,
um archote prometido a divindades
sem rosto.
Demoram-se.
Os argonautas levitam na espuma quebrada.
À noite,
na decantação dos segredos,
depõem-se os sentidos no nevoeiro furtivo.

(Em Vilamoura)

8.7.11

Master plan


Scars.
Whether time is alone or not
scar tissue leaves a footprint.
The maturity of time
should deepen skin,
turn it into a shell

where outside rain has no place.
Then
it all gets simple.

5.7.11

Vassoura


Adamastores
pedaços de fantasmas
vultos da extorsão dos sonhos.
Na volta da corda,
em ricochete que troa,
cordeiros mansos
ou o restolho dos vultos suicidas.
E aprende-se:
glória a quem,
no fim,
sobra o sorriso.

22.6.11

Incurável

O peito sangrado

empresta-se às tempestades banais.

Vocifera as dores que beijam

cicatrizes por curar.

O peito ainda sangra.

Ao menos não é lívido.

13.6.11

Certidão de habilitações


Não tenho jeito
para dizer as palavras acertadas.
Nem jeito
para sentir as coisas apalavradas.
E, todavia,
à medida que busco o jeito
ele incuba-se na penumbra da alvorada.
A maturidade dos frutos pendidos
é o espelho das tentativas.
O jeito
em forma de esboço;
ou o jeito
na corrente desaustinada do rio indomável,
entreaberto na embocadura
onde o rio se acalma nas madraças águas do mar.
São o seu tutor,
as águas do mar:
um baraço que se agita,
desde as profundezas.
E o jeito por fim arrematado.

The remnants’ choir


Throw your kindness
amidst the agonising storm
and sing
(along with the birds’ choir)
the softness of your skin.

30.5.11

Perpétuo em vão


Espelhos lá fora.
O sol desmaiado.
Escadas atrás.
Um olhar através do copo embaciado.
Lágrimas de vinho derramadas no pescoço.
Desbravam as pegadas dos aromas.
Olhas em frente.
Ergues a promessa das premonições.
A bandeira da juventude perpétua, hasteada.
Até o nevoeiro a embotar.

24.5.11

Shadeless


Dare I say
a silky skin pledges my hands.
Should I say
words are meaningless
when your watering eyes melt inside my flesh.
Must I say
an harbour opens wide with the scent of your mouth.
I would say
an anchor I found sheltered in your sweetness.

18.5.11

Carta de intenções

Não há
na cortina baça das lágrimas
senão uma mão estendida
que decanta o amanhã.

15.5.11

Lição


Diz-me
os sabores que têm as cores.
Ensina-me
a entoar as melodias do sortilégio.
Diz-me
quantas histórias têm as alvoradas.
E sussurra-me
(bem junto ao ouvido)
as palavras que arrebatam as marés.

5.5.11

Faded sorrow

Sorrow
a meaningless curtain,
a shadow that clouds days in agony.
Let the sun rise above your head
and bring all the flowers within the hands.
Let them spread the tiny teardrops
washing away the meaningless sorrow.

26.4.11

A arrematação do anticiclone

Já o poente se embaciou
e a noite inteira levita
embrulhada em mistério.
Que não haja oráculo algum
em presságios estonteantes;
que depressa capitula
o prometido sortilégio da noite,
enfim despojada.
Uma igual entre tantas outras.

8.4.11

Compasso


Escurecem as águas,
as agitadas águas interiores.
Os dardos abatem-se
como granizo frio em tarde invernal.
Por essa altura
os novelos desfiam-se
nos seus pontos cardeais.
São como vulcões:
desviam os olhos para a tela que conta:
um dia soalheiro
uma luz clara
como se ali andasse um fogo de artifício.
Tão clara, aquela luz,
que só a demência a conseguia
embaciar.

26.3.11

A mão estendida


A mão estende-se.
Apanha uma próspera candeia
que revolve as cinzas do tempo.
Enxota feiticeiros de negras máscaras.
A mão estendida,
à altura dos mais altos castelos
onde se decantam os ventos glaciais.
Uma quimera furtiva
decreta o amansar dos ventos.
Emoldurados os ventos
(então)
dentro da mão estendida.

25.3.11

Labirintos


As tempestades interiores
desarrumam a lucidez.
Esmagam-se em pensamentos sinuosos,
são um minarete ensurdecedor.
Poluem o horizonte com escuras nuvens
que embaciam os olhos.
E se tais nuvens forem
uma projecção dos labirintos,
mas dos labirintos que o são
apenas mentais?

19.3.11

Torre de Babel


Os fantasmas cercam a noite escura.

Trazem as asas negras

que se deitam sobre o corpo.
Dir-se-ia serem aos magotes

a ajuizar pelo rumor incessante.

E, todavia,
os fantasmas só povoam
se os deixarmos aportar.

17.3.11

O almirante sem medalhas


Nos contrafortes da solidão
doem-se
as palavras consumidas no silêncio.
Espadas que afivelam as feridas abertas,
uma espera demorada.
Romagens inúteis aos campos perecidos
onde sobejam cinzas estéreis.

19.2.11

Aveludado cinismo


Em efervescência,
golpes selam as feridas
que teimam na ingenuidade.
E o que se aprende?
O que se aprende
por entre o turbilhão
deposto na poeira quieta?
E de que servem as promessas?
De que servem,
se pelos seus dedos se esmaga no rosto
o rumor do seu contrário?

Águas agitadas


A poente
o crepúsculo do ocaso.
Do fio do horizonte,
em golfadas incansáveis,
o mar indisposto, complicado.
E atrás do poente,
um mar de serenidade?

8.2.11

Olhos nocturnos


Os olhos trémulos
entoam a maresia distante.
O vento,
tingido a cores agrestes,
marejava aqueles olhos.
Tornava-os sedentos.
Um lençol que apetecia agasalhar.
Os olhos,
murmurando devaneios,
entravam
até onde o precipício
se perdia de vista.

30.1.11

Teoria do caos

Nos escombros
não conta a poeira em suspensão;
ou o sol embaciado pela névoa;
ou os gritos dos desesperados.
Dos escombros
levanta-se uma insólita maresia.
Doce como uns olhos escondidos,
uns olhos candeias por entre os destroços.
Aos escombros e àqueles olhos
em penhor
uma dívida incalculável.

23.1.11

Cannes


Ah!
As aspirantes a starlettes
tragando a marginal
uma e outra vez.
Ah!
O ar enfeitado
com os confettis da fama que se sente,
tudo leveza
e as coisas fora daquele quarto
(o mundo em toda a sua pungência)
uma ilusão dentro do seu espartilho.
Ah!
Rapazinhos aos pares
muito apertados nas farpelas
esvoaçam na boulevard
calcada pelos requisitados artistas.
Ah!
Adolescentes em bandos
exercitam a interminável paciência
em metódicas, demoradas esperas
à porta dos pomposos hotéis.
Só para espreitarem uma nesga
(uma nesga que seja, ó simulacro de interior gratificação)
dos deificados artistas dissolvidos
nos vidros estanques da limousine.
Cannes e isto,
os majestosos néons da frivolidade.

(Em Marselha, França)

22.1.11

Madrugada


A centelha crepuscular
insinua-se pela alvorada
depondo a longa noite invernal.
Ao longe
uma fina camada de névoa
esbate o horizonte.
O dia começa madraço.
Os minutos arrastam-se
lânguidos
a compasso com a preguiça das ruas.
A madrugada
aviva as veias ainda dormentes.

(Em Nice, França)