3.11.17

#363

Aprovado o guião
do hoje vestido
em genuínas vitualhas.

2.11.17

#362

Estrada sem chão
no súbito coalhar das lágrimas,
infundadas.

1.11.17

Perdição

Perdido dos antúrios matinais
foragido dos plebeus de fés intensas
contra os estouvados martírios
contra a ocupação das almas
na evocação do vidro sem lâminas
sem esgares do tempo hipotecado.
Não será empreitada tardia
meter as mãos na largueza da alma
torneá-la no desembaraço da simplicidade
e dispensar jesus avulsos
deixá-los a seus implexos trabalhos
no quadrilátero impossível
onde medram
equações sem fim.
Eu
prefiro a perdição.

31.10.17

Gutural

À espuma volúvel
desde as veias transbordadas
sem leito por cumprir,
uma dádiva sem remoçar:
junto os escudos gastos
os mares esperados
as rimas não logradas
os outros lados esmorraçados
os lados lunares
as proverbiais congeminações
as escritas tentadas
sem juras por alinhavo:
nos areais brancos
sem claridade outra por junto
à espuma escamada em sinais vãos
a carne explosiva
insubordinada
não venal
paráfrase das campeãs palavras
não desditas
não treslidas
puras.

#361

Ao entardecer
o tempo estremunhado
na calma vertigem de um canal
(sob a vigilância dos barcos-casa).

30.10.17

Colheita

Declaro:
não obedecer às vistorias
às alinhadas purificações de pensamento
de rodas dançantes em punho
sob ameaça de facas afiadas.

Declaro:
corromper os saudáveis escultores da atualidade
razia abundante entre a aquiescência
sem remorso, nem pesar.

Proclamo:
a independência absoluta
o firmamento desviado do ouro
o desacerto organizado
em sucessivas estórias sem fim
ou no fim desalinhado das estórias ancoradas.

Proclamo:
doze dúzias de dias sem promessas
o corpo extasiado
o vinho em catadupa
torres de babel dissolvidas
abencerragens sepultados
as facas devolvidas ao sangue derramado.

Contraponho:
um chá dançante ao som de heavy metal
poesia desestruturada
deuses descomprometidos
(para os carenciados de divindades)
um corpete desapertado
o despertador sem corda
uma roda panorâmica sem medo
o silêncio em vez da estultícia
lençóis aveludados abraçando os corpos frios
as mãos entrelaçadas, sem suor
o suor em bica, extático
o mundo inteiro à espera
máquinas do tempo congeminando a finitude
o amor formoso guardado dentro da mão
inteiro e sem tamanho
imorredoiro.

#360

No fortuito acaso
a forquilha do infortúnio
em combustão eliminada.

29.10.17

#359

Pelo raiar do sol
condensada a fortuna 
em seu estado colossal.

28.10.17

#358

Os mundos,
muitos e sobrepostos,
camadas intensas
da olímpica vontade.

27.10.17

Limítrofe

Aqui
deste lugar ermo,
deste ao altar incubador
a visibilidade estrinçada
em veludos deitados no dorso
contra os prognósticos vassalos.
E, num golpe de asa,
esbateste a lonjura
desfeita à imensidão das palavras-chão
temperada pelos sinaleiros da coragem.
Diz-se
que o lugar centrípeto perdeu paradeiro:
talvez esteja algures
ancorado num cais
também ermo.
À procura de refeição
à procura de refúgio
em tuas mãos.

#357

Nos arrumos da alma
tomo desse sumo triunfante
à espera da celebração.

26.10.17

Desígnio

No museu da cativa intemporalidade
colhidas as flores secas
desprovidas das sementes cavernosas
celebra-se com vinho a rodos
e a folia pavoneia-se entre os demais
em passo vagaroso;
que não se incomode a fartazana
nem se resgatem os destemperos
os vesúvios da seriedade,
esses maltrapilhos,
costurando perenemente sombrios rostos
enquanto mergulham em poços vetustos.

Às pazadas
a terra atirada para cima da pesporrência
terra queimada
para não ser o risco de fruição tardia
e voltarem ao monólogo enfadonho.
São os candeeiros desabrochados
na fímbria das trevas em estorvo
projetando uma lua desmaiada
imensamente branca
sobre os despojos de tudo
cuspindo os impropérios
sobre as almas todas.

Deixem-se os obséquios sarracenos
para os despeitados
os volúveis garanhões do vazio
os que se debatem com o olhar franzido
sobre o rosto sem contornos.

#356

Do quase a um tudo
a subtração
entre o medo e o sobressalto.

25.10.17

Rumor

Espólio em cavalete
aguarela vivaz,
intacta
cor dos lábios carnudos
erupções em desafio. 
Morro por dentro da vida
em sentinelas orquídeas
tutoras das cores
tribunais sem apelo,
supremos.
As vozes sombrias
(seleção do medo sem medo)
costuram as pueris confianças
no latejar dos olhos envidraçados
no remoço eternamente prometido.
As coisas não valem nada.
A não ser
o valor que têm nas mãos abertas
desenhadas nas palavras cilindradas
em arabescos singulares
indomesticáveis.
Acabe-se
com o pesar sobre as nuvens
a cicuta disfarçada
o vinho estragado
os poros entrapados na estultícia.
Morte à morte
para sabermos
que a vida é efémera.

#355

Antes código Morse
nas varandas do silêncio,
a legítima comunicação.

24.10.17

Ponto e vírgula

De vez em quando
nos preparos da meditação
(elucubrações em erosão)
desalinhava o astrolábio adestrado
e perguntava:
é insondável o santuário da melancolia
onde se guardam
os subsídios do seu oposto?

Os capitães de navios viajados
oferecendo inestimável experiência
subindo ao altar do conhecimento
declaravam nada saber
outros nada dizer
(talvez guardando
egoístas
a quimera para seu alpendre
talvez escondendo-a para memória futura).
Eram tagarelas de um silêncio pungente.

Às vezes
procurava uma mnemónica sem lacunas
a estrada pura
o pano desembaciado de lágrimas
gente sensível em mares lavados
gatos vadios não furtivos
as chaves enferrujadas e,
todavia,
chaves;
a nudez das palavras cruas.
Procurava acasalar as arcadas da noite
e em lúgubres pesares
depor as estrelas infundadas
trevas disfarçadas de estrelas
no equinócio fosco das congeminações tardias.

Afinal
talvez não fosse existente a demanda
e nada fosse a procura,
ou um nada imenso, vago,
mesmo sabendo
do pouco que às certezas era cais.

Fugi
para a lonjura de um tempo cortês
dando a mão a janelas sem vidro
e pasos doble em desajeitado desafio.

Não quis perder.
Não quis
perder-me de mim.

#354

Tirei à sorte
a sorte minha
ou à sorte
deixei a sorte que minha fora
e sobrou o frio suor.

#353

Animador,
o estendal,
branqueada a enodoada roupa.

23.10.17

Asilo

No esconderijo
balizei o meu nome
pelo rosto outro
destravadas as lágrimas coevas.
E depois
nas fráguas alindadas
depois do caminho tortuoso
desenhei as letras de ouro no chão basáltico,
húmido;
dei nome ao chão dantes órfão.

Alguém disse
que as histórias são camas do avesso
e vemos o tempo avulso
na rosa-dos-ventos por inventar.
Não saberia testar a hipótese.
A caixa de papel esvoaça sem sentido
leva-a a vontade do vento varonil
e as velhinhas amparadas uma na outra
arqueadas sobre o peso venal etário
congeminam a vingança sobre os silenciosos.

Perdi o rasto do esconderijo.

Sobra o fogo de artifício
a parcimónia ausente dos vaidosos
a perene inquietação do entardecer
a perplexidade da infância
equações sem desenredo
e um rosto suado
gasto
que se entreolha ao espelho
e vê devolvido
um rosto inesperado
– o rosto que havia seu
enquanto a infância fora império.

Afinal
era aí o esconderijo.

#352

O cílio abundante
cortina de estamentos diários,
por enquanto.

22.10.17

#351

Terra desidratada
tesoura no calendário
terra queimada
contra o estatutário.

Modelo intelectual

O que fazes
com o batom torcido enfiado no sovaco
o rimmel corado deitado aos lábios
e o Zaratustra na mão contrária
à do sovaco ocupado?
Respondeu ela:
adestro-me nas espinhosas artes
da formosura
e do abrigo contra crocodilos
de afiado dente.

21.10.17

Ciência desoculta

Eu sabia
que depois do céu
tinha por leito o corpo meu
e dos poros incensados
fósforo perene
tirava o húmus perfeito
dentro do cabaz imperfeito.
Eu sabia
que as estrofes seriam magas
e os supores destronados
entre a espuma velada do mar sentinela
e as lombadas gastas e porém sabedoras
das rodas-vivas da vida.
Eu sabia
que enquanto fosse
sem me tresler no que não podia ser
teria trono a meus pés
reino inamovível
estiolando as lágrimas inúteis
condenando a melancolia ao degredo.
Eu sabia
que bastava saber
e por dentro da sabedoria
deixá-la saber-se senhora de si.

#350

Sobra o poente
o rosto tingido pela nortada
um módico de areia nas mãos.

20.10.17

Cobalto

Improfícuo exercício
este exorcismo sem gente
as mangas arregaçadas contra a tirania
luas vazias no sopé da ventania
sem a luz das candeias amedrontadas
sem o pretérito por caução
sem os jogos ambares à espera de vez
sem os braços contorcidos nas rugas das romãs
só com o diamante-casulo no bolso dos haveres
e meia praia suficiente no caudal do olhar.

Alguém protesta:
este lugar está podre
– e a voz sem rosto,
perdida no sargaço da multidão,
não sabe dizer
se o lugar está podre
por causa da gente que assim o medrou,
ou se a podridão do lugar
trouxe contágio nas pessoas.

E eu discordo.

Debato-me no olhar satélite
procuro a voz e o rosto seu tiracolo
mas só vejo rostos indiferentes
rostos iguais
que parecem murmurar coisas inaudíveis
como se as palavras-murmúrio 
fossem seu alimento.
Discordo:
este não é um pútrido lugar
nem a sua gente rima com a malsã condição.

Os alvitres desassisados:
gente que se inflaciona
em estatuária que com ela não quadra
exige excessos no exterior de si
quando se olvida
de ter como seu semelhante critério.

Discordo do excruciante julgamento:
este é um lugar belo
feito de gente bela
feito por gente cobalto
gente imensamente rica,
da riqueza que não ofende os marxistas,
instruída
voraz
deliciosamente mordaz
sorridente
culta gente culta.

Os notáveis sorumbáticos da espécie
peritos em madraços olhares
não sabem contar 
a textura das palavras que entoam.
Em derradeira hipótese
sobra o caso,
no trejeito das possibilidades,
de eles serem os patronos da podridão
e
em tal caso
de se furtarem à regra dos demais.

#349

Um consorte
com sorte.
Consoante.
A consoante muda.
(E é muda consoante).

19.10.17

Fazer de conta

Prego vadio
encravado no pé levadiço
o sangue reprimido
à boca de cena:
fazer de conta
conta para o rosário dos heróis.

(Sendo contudo heróis sem trono.)

Não seja o pé cambaleante;
não vá dar parte de fraco.

As ameias brasonadas
a meias com pergaminhos tolos
confecionam ardis arenosos.
Depois dos escombros
num dó de si mesmo
rapa do pé a fuligem preparatória
e esconde dos varões
escaras que afeiam
a dantes consagrada estética.

(Oh! frivolidade impante.)

#348

Imperativo da desimportância
para no gravame
não pernoitar sitiado.

18.10.17

Estibordo

À luz clara
nos dentes famintos do nevoeiro
duas colheres de sopa de memória
e um patamar prelúcido
dando cartas aos jogadores.

Contra a luz sedenta
em vez de fome hasteada
três advertências sopesadas
e a trovoada por testemunha
dissolvendo o medo a palavras.

À força da luz desembaciada
sem cortinas intrujonas
quatro amigos esquecidos
e fotografias sem moldura
atiradas para o tempo invisível.

Depondo a luz
em sucessivas camadas marejadas
cinco bolsos armados contra a intempérie
e a terrina barroca
devolvendo o gutural pesadelo de antanho.

#347

Soube o nome do arco-íris
nos vitrais frondosos
das casas sofismadas.