20.10.17

Cobalto

Improfícuo exercício
este exorcismo sem gente
as mangas arregaçadas contra a tirania
luas vazias no sopé da ventania
sem a luz das candeias amedrontadas
sem o pretérito por caução
sem os jogos ambares à espera de vez
sem os braços contorcidos nas rugas das romãs
só com o diamante-casulo no bolso dos haveres
e meia praia suficiente no caudal do olhar.

Alguém protesta:
este lugar está podre
– e a voz sem rosto,
perdida no sargaço da multidão,
não sabe dizer
se o lugar está podre
por causa da gente que assim o medrou,
ou se a podridão do lugar
trouxe contágio nas pessoas.

E eu discordo.

Debato-me no olhar satélite
procuro a voz e o rosto seu tiracolo
mas só vejo rostos indiferentes
rostos iguais
que parecem murmurar coisas inaudíveis
como se as palavras-murmúrio 
fossem seu alimento.
Discordo:
este não é um pútrido lugar
nem a sua gente rima com a malsã condição.

Os alvitres desassisados:
gente que se inflaciona
em estatuária que com ela não quadra
exige excessos no exterior de si
quando se olvida
de ter como seu semelhante critério.

Discordo do excruciante julgamento:
este é um lugar belo
feito de gente bela
feito por gente cobalto
gente imensamente rica,
da riqueza que não ofende os marxistas,
instruída
voraz
deliciosamente mordaz
sorridente
culta gente culta.

Os notáveis sorumbáticos da espécie
peritos em madraços olhares
não sabem contar 
a textura das palavras que entoam.
Em derradeira hipótese
sobra o caso,
no trejeito das possibilidades,
de eles serem os patronos da podridão
e
em tal caso
de se furtarem à regra dos demais.

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