8.12.24

Não confies nos tradutores

Ainda está por decifrar porque 

a tradução de motherfucker é

filho da puta 

se o primeiro copula 

e o segundo resulta da cópula.

#3344

Mente e mente 

a mente 

que passa rente.

7.12.24

#3343

De um vário metido no singular, 

o plural maior que reveste a pele.

6.12.24

Angariação

O arnês 

em vez da vertigem

 

o pecado

em vez da obediência

 

o luar

em vez da reverência

 

o beijo

em vez da indiferença

 

o gasto

em vez do monástico

 

a mentira

em vez da imensidão

 

a tolerância

em vez da modernidade

 

a percussão

em vez do tédio

 

a voz

em vez da prisão

 

a ponte

em vez da razão

 

a cura

em vez da ordem

 

o fogo

em vez do oculto

 

o silêncio

em vez das mãos

 

o azulejo

em vez das cores

 

a partida

em vez da audácia

 

o verbo

em vez da fantasia

 

o vulcão

em vez do estertor

 

a janela

em vez da flor

 

a cortesia

em vez da armadilha

 

uma vez

em vez das juras.

 

#3342

Um litro de cortesia por dia 

não faz mal nem arrepia.

5.12.24

Frágil

O fogo bebe-se 

na língua boreal do estuário.

Aviva a cal que avisa o tempo

e todas as dádivas indivisíveis

no penhor da fala arrematada.

Às vezes

o relógio tosse

e as ruas estremecem

tão frágeis

como frágeis são 

as crias deixadas sós

no ninho à mercê dos predadores.

Há de vir 

a voz cordata

a mão que pousa serena

um olhar que se oferece integral

e da lua retiro a moldura da noite

um lampejo de luz

atravessando todas as cordilheiras

como se fossem 

corpos frágeis.

Injustiças indocumentadas (467)

Fora de lei, 

faro de lei.

#3341

Às ondas encolerizadas

fica o mar a dever 

a genealogia.

4.12.24

Tempestade sem nome

Dizia

as tempestades medem 

a força da ira sem freio

os rostos plúmbeos 

sentados sobre as nuvens

alugando a chuva abastada 

que se precipita 

democraticamente. 

Dizia

não se encolhe o medo 

perante os disfarces

deitando em cima da gramática 

a sua contingência

desapalavrando os dicionários

até que as pessoas 

não saibam dar sentido

ao que ouvem

e deixem de saber 

como inteligíveis são 

as palavras que das suas bocas ecoam. 

As tempestades salivam

uma amostra de caos

a imagem organizada 

de um lugar de Babel.

Injustiças indocumentadas (466)

Com os fala-barato

não há inflação que valha.

Injustiças indocumentadas (465)

Mar da palha: 

a moldura 

para os frequentes fala-barato;

eufemismo dos gongóricos.

#3340

Dou-te o escudo 

para à penumbra te remeteres 

em refúgio do mundo tonitruante.

3.12.24

Longitude e latitude (fundação)

Não uses a volumetria da inércia

para sacerdotisar os desterrados

os que por voluntário bocejo

se retiraram das regalias da pertença

e ficaram à mercê 

dos mastins habituais. 

 

Não conspires

que ainda te apanham as meças 

como se houvesse uma Meca diferente

e os mais diligentes subissem com o arpão 

para desfazerem as tiranias 

que nunca adormecem. 

 

E todos 

depois de desarrumados por sonhos escanções

seriam páginas em branco

baldios sem ordem para arrematar

o pensamento deslumbrante

átomos de poesia à prova de coletâneas 

no insensato rumor que morde os ouvidos

e dispara a discordância.

 

Não são tuas 

as lágrimas perecidas no labirinto

e tuas não são as palavras magoadas

colhidas no úbere da solidão. 

 

No apeadeiro

combinas as formas nítidas da lua

com as estrofes sem métrica 

e sabes

que de ti não esperam feitos

pois tua 

é a arte da desfeita.

#3339

A lua nova

é o seu rosto interino, 

à espera de vaga.

2.12.24

Chamamento (Inverno)

O degelo que marca a ferro

a cortina derruída atrás do sol

e um punhado de gente

sóbria

caminha no fino fio do dia haurido.

 

São os profetas sem causa

sócios correspondentes de nada

um estatuto intumescido na fibra meã

contando por suas 

as efémeras raízes dos outros.

 

Lá fora

está tudo pronto para invernar.

 

Esperamos pelo pleito

os mantimentos reunidos

para o exílio no labirinto do destempo.

 

A paisagem

sob a tutela da penumbra

deita a noite larga sobre a testa impaciente.

 

Quando chegar o Verão

vamos sentir a falta 

do invernadeiro.

Injustiças indocumentadas (464)

Para chegar à tenra idade, 

Fecunda-se no choque térmico 

a que se sujeita o polvo 

em sua pré-cozedura.

#3338

O salvo conduto 

a diplomacia 

que dispensa palavras.

1.12.24

#3337

Somos 

a amálgama dos tempos 

chãos de diferente cepa

passageiros de almas furtivas

olhares habitados na fenda dos lugares.

30.11.24

#3336

A bandeira desbotada 

desmente o dia madrigal 

– as máscaras derruídas 

deixam rostos macilentos 

à mostra.

29.11.24

Amanhecer

À boca torno

sinto o dia sem avesso

a maresia que habita as veias

este sangue puro

poema sem paradeiro

que habilita o teu corpo transido.

#3335

Veto 

a redenção fingida 

sem a venda que veda 

o válido viver.

28.11.24

Manifesto a favor dos dias visíveis e da esquadria sem arestas

Não digas nada à escolástica

os segredos só contam

se não tiverem avesso

e de nós há de constar

nos manuais do passado

que fingimos heresias

só para termos direito

a indulgências. 

 

Não digas

mesmo nada

nada

às santas alistadas no halo do tempo

guardemos todas as mentiras

as que reservamos para as entrelinhas

e as outras

piedosas

que pouparam sobressaltos 

a exércitos de gente. 

 

Diremos

façam como os avestruzes

olhem para dentro de um poço

fundo

mesmo lá no fundo

onde as trevas escondem despojos. 

 

Dir-lhes-emos

sejam o avesso do que julgam ser

para assim chegarem

ao compassado, espontâneo eu,

lembrem-se da irresolvida pendência

de uma mentira contada à mentira

e de como os notáveis divergem

em tê-la como mentira ao quadrado

ou anulação da mentira primeva. 

 

Juntemos

as angústias que passam gratuitas 

de corpo em corpo

as maleitas sem cura 

que desenfeitam os cidadãos em grupo

a contrafação registada

a morosidade dos sonhos empenhados

as atribulações 

maquinadas pelos deuses sem túmulo

e não nos deixemos à mercê de acasos

não sejamos a porta de entrada 

de ventos contaminados

ou a persiana desbotada por entra 

o sol desmaiado. 

 

Dá última vez que demos conta

as horas vinham com atraso 

e deixamos de saber 

se os mapas eram adulterados

e nós

todavia

imunes à orfandade por falta de astrolábio

assim redimidos

no esconderijos a que demos a pele. 

#3334

São reversas

as histórias contadas 

talvez 

o ponto da situação 

sobre o princípio geral da mentira.

27.11.24

Marginal

Levo

esta adesão

infundamentada

as reticências adiadas

um espectro contagiante

e acolho no halo lunar

inverosimilhança

esta armadura

leve.

#3333

A democracia

anda sempre coxa, 

tanta é a sua estatura.

26.11.24

Candidatura ao império

Rasgo o luar pendente

as mãos diligentes arquitetas

arrastam o aluvião sem freio. 

Se da maré baixa protestar

seja credor de indulgência;

 

os pesadelos assombram os dias;

 

em matéria de ausências

levo uma cátedra inteira

cheia de trunfos

cheia

do despudor de quem obedece

à errância. 

 

Os que sabotam a boa fé

dormem como os anjos

metodicamente emparedados

entre 

a farsa ostensiva e a agressão da inteligência. 

Os rostos impassíveis viram as cartas

suam o bluff tardio

recuando nas intenções deslumbrantes

de outrora. 

 

Se há rua que atravesso

é essa que precisa de pontes

encostada na ombreira do estuário

que apronta uma hora sempre tardia. 

Parece que chegamos atrasados

Estamos

sempre

atrasados

como se os relógios ficassem para trás

para não ficarmos no leilão da solidão. 

 

Escrevam-se as estrofes imprevistas

versos que estimam a mão vagarosa 

à espera dos formulários

a mão burocrática

que não sabe desmentir a razão. 

É esta espécie de natação

mesmo à míngua de água

que faz nascer a sede perene

os braços que apertam as almas colossais

e assim se tornam ainda mais colossais

logo que desfaçam 

o enigma do seu paradeiro.

 

As páginas 

passam à cadência

de um comboio dezanovecentista

só falta o fumo denso 

que dantes matava precocemente 

os maquinistas. 

 

Só falta um piano de cauda

os dedos que massajam as teclas

na carestia de um olhar pungente

como se o poema se levantasse do piano

e atravessasse todos os fusos horários

com a impressão de um instante. 

Ficam por decifrar

as bandeiras que dão cor ao vento

as sílabas entoadas com o vagar do destempo

o remédio para a ira desvendada 

na convulsão do sangue que se perdeu

no labirinto que esconde 

as mudanças.

#3332

Rasuradas as cicatrizes expostas 

sem gesso ser afeito 

adorna-se o busto seráfico 

com o sol arrancado ao Inverno.

25.11.24

Banda desdenhada

As máscaras

caem como neve fundente

sobre homens feitos estátuas.

 

As máscaras

quando não fogem da mentira

sussurram memórias provectas

um mar insidioso de disfarces

pois essa é a serventia das máscaras.

 

Antes que venham os ontem 

cair no estuário

e que viúvos sem paradeiro 

esbracejem o frio tentacular

o gelo deita-se entre as rugas

à espera 

que tudo seja um ontem sem janela.

 

Encomendam-se as falas imprevistas

para passarem a ser previstas:

os homens não são feitos de fogo

e entre as labaredas herdadas

situa-se 

um promontório em forma de sonho

a boca havida no friso da noite

a portentosa solidão que ficou só

amanhã

com as lombadas viradas do avesso

a biblioteca nómada que se faz festim

a cada lua que passa entre a chuva diuturna.

 

Dizem:

os poetas são funcionários sem hierarquia

amotinados se tiverem regras

nómadas 

fugindo dos estreitos labirintos

onde a palavra se diminui 

no lugar-comum.

Injustiças indocumentadas (463)

Entre o fazer horas 

e o antes que se faça tarde 

abate-se

a longa luva tirana do tempo.

#3331

Os vários dedos estendidos 

dos mecenas avulsos

combinam a filantropia possível.