11.7.23

Manual da impossibilidade

As facas em descanso

deixam a pele na letargia

os acasos justapostos pelo ocaso da memória

e nada se credita à devoção

o amor tem os braços de um polvo

para não fugir nos interstícios do sono. 

 

Esta é a matéria válida

o desassombro 

das vozes que murmuram o paladar da alma

desarrumando os conspiradores

os que erguem

insatisfatoriamente

barragens elefantes brancos

e mesmo assim o caudal abraça-se 

ao rio restante. 

Tatuada a astúcia em forma de verbo

o corpo é um santuário à prova de derrotas

sem haver 

quem o consiga desfeitear. 

 

Podem ser medonhas as ondas

temível a lava de todos os vulcões por junto

podem todos os olhares açambarcar a tirania

deixando-a (ó pobretanas) refém da fragilidade

podem os gongóricos ser reduzidos a migalhas

e os pederastas da estultícia desfilar 

na passerelle

ostentando a sua indigência

podem os deuses, 

adormecidos, 

esquecer-se da bondade

que os padrinhos seculares 

descombinam do olvido

derruídos pelo esplendoroso labirinto

onde se terçam as solenes proclamações

o desejo que torna árida a aridez

e devolve ao avesso à fazenda legítima. 

Os cabelos 

cavalgam o dorso das ondas

dir-se-ia

amaciam o horizonte atrás delas deitado

como se o outro lado do mar

estivesse à distância de duas braçadas. 

Que ninguém proteste a impossibilidade. 

 

O seu antídoto

é a vontade arrematada

contra a indulgência 

que se disfarça de medo.

 

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