Começo por uma metáfora;
um estaleiro
a imagem periférica da desarrumação
e todavia os operários aninham-se
num cais organizado
entre o cais em escombros
e a maré que beija os destroços
a lamber as feridas deixadas em legado.
O fósforo acende os acrónimos do dia
desmata
as estrofes coibidas por mastins esfomeados
mastins que arrumam as bainhas da ordem
para o anátema da remissão.
Não
não peçam a cor do perdão
a espuma demorada
que amarra no canto da boca
não arranjem desculpas
nem arrematem os mais generosos de todos:
os olhos répteis mergulham na floresta
esconjuram os cruéis mandantes da dissidia
terçando o florete contra os indefesos
arrumando nas mãos as vitórias fáceis
– as vitórias por falta de comparência.
No banquete dos indigentes
o que falta é modéstia
um verbete de temporalidade
e um pouco de voz apessoada:
fazem-se passar por mártires
dando-se à coreografia surda
que se prende à maresia:
o ocasional bocejo sublinha
a continência imperatriz
e as palmas troam em surdina
como metáteses do aplauso:
não lhes falem em medo
os ouvidos fingem o esquecimento
e o futuro apalavra o fingimento do tempo
exatamente como se uma divindade
tivesse ordenado a suspensão dos relógios.
Que sejam ateadas as estrofes mundanas
os profetas em barda
ficando nas filas terceiras
os eruditos sem microfone já de garganta puída
e todo o clero pavoneando as fátuas fatiotas
numa procissão de falhados.
Se não fossem as vozes guturais
o silêncio era a marca registada.
Vozes improfícuas
adoçando as folhas do calendário
assim como um pai adoça o rosto da filha
avançam destemidas contra o mar cavado
e prometem:
um dia destes
(é sempre um destes, inseguros, dias)
voltaremos a ser a grandeza que esquecemos.
E ninguém
percutiu os lábios amansados
só para perguntar
o que importa
a grandeza.