20.12.10
Matéria incandescente
19.12.10
Torre de vigia
16.12.10
Esporádicos (2)
14.12.10
Esporádicos (1)
(E cacareja)
11.12.10
Efémero silêncio
9.12.10
5.12.10
Espelho do tamanho do mundo
2.12.10
Escombros de uma gargalhada
só para seres sua antítese.
27.11.10
Os contrafortes da impossibilidade
25.11.10
Da harmonia
14.11.10
Ósculo
13.11.10
Life ever since
10.11.10
Mar de fundo
No cais
For someone’s teardrops
7.11.10
12.5.08
Olhos fechados, uma fortaleza
no dealbar da escuridão
onde se joga toda a confiança.
repousam os olhos
resguardam-se em seu colo de ternura:
um ombro, seu ancoradouro gentil.
Não queria
tecer a luz que irrompe na alvorada;
não queria
destruir a escuridão onde tudo se esconde
sobretudo o que não merece atenção dos olhos.
Queria ter assim,
toda a noite,
o ombro protector
contra as investidas de todos os demónios.
Por os demónios possuídos de malvadez
adejarem na luz do dia
vindos de esconsos promontórios
onde vigiam os desassossegados espíritos,
as vítimas que se seguem.
Ao menos no remanso da escuridão nocturna
cegam-se, os demónios.
Só então deixam de ser inevitáveis
só então
exangues da força sobre-humana.
Aos olhos cerrados pela espessa camada da noite
vem o refúgio.
O refúgio
das conturbadas ondas do dia
as que semeiam a desordem e o medo
e apagam vestígios de bondade.
Os olhos fechados num sono iludido
o tear onde ondeiam plácidas águas
lá que a maresia tranquila povoa o sossego,
o tão breu sossego.
À noite dormem os demónios
no seu contrário de morcegos noctívagos.
Os segredos da serrania intensa
nos seus contrafortes escondidos do luar.
Os olhos vagueiam nas ondas circulantes
ciciam o seu esplendor
imersos na profundidade de sonhos cheios de cores.
As cores
que só a imersão num banho de trevas
revela.
Os olhos permanecem belos
de uma serenidade tão estranhamente bela.
Pelos olhos assim cerrados
repousados no meu ombro
as ameias mais altas da confiança:
todo um mapa que tacteio
4.3.08
Heliocêntrico
fita a escuridão que se projecta no chão.
Não são fantasmas
nem ventos empoeirados
ou aves de rapina que cerceiam a voz;
uma espessa nuvem
clarividente na antítese do negrume
distingue-se nos olhos cerrados.
Uma lança afiada tomba,
estrepitosa,
deixando o seu gume ponto cardeal.
O desassossego providencial
resgata o corpo da inerte função,
já sem a embaciada luz
de onde tanta incerteza se incensou.
As pontas dispersas
as páginas soltas
quadros cavernosos
um uivo de palavras indefesas:
tudo no seu amplexo desassombro
cada golfada de ar
um ruminar em pastos estéreis.
Uma misericórdia lentidão
por onde os ossos se acotovelavam, imensos
e uma covardia de só recusar a letargia indigente.
Havia a cabeça repousado na escuridão
metida entre os quadris
escondida da sua própria fúria avassaladora.
O mergulho aos confins de si
inesgotável, febril manancial de se saber ser
ser
importunado pelas certezas incómodas
mas certezas, porém.
Recentrava os eixos que se geravam em seu equilíbrio:
não era fuga da amálgama revelada pelos olhos
nem a dolorosa ascensão
ao castelo que encerrava curativo exílio.
Ao contrário:
a urgência de ter os olhos bem abertos
perenemente bem abertos
guerreiros ao sono envenenado
que trazia,
com a alvorada,
o adocicado sabor das pétalas embutidas em veneno.
Queria muitas vezes repousar a cabeça nos quadris
remetê-la à escuridão forçada:
não eram as algemas do pensamento a esbarrar,
indomáveis,
contra o peito sangrado;
era como se o navio recolhesse âncora
sulcasse águas jamais tragadas
com a espuma a salpicar
o altar onde tudo renascia.
Deixava de contar tudo o que fosse
inteligível, sensorial, colorido.
Havia uma suave neblina
a escotilha das portas tentadoras
por onde o cêntrico lugar
temperava desbragadas emoções.
Um pináculo tão nítido
ascendendo entre as gotículas que resguardavam a neblina.
E nem que o navio julgasse vogar em círculos
em perpétua revisitação dos gastos lugares;
nem que os olhos
se demorassem num firmamento tão familiar;
ou as palavras, sempre as mesmas palavras,
entoando os cânticos que se esgotam em seus acordes;
podiam até os pés lacerados
de tantas pedras pontiagudas
consumir-se nas suas feridas ensanguentadas;
E nem que os dias em contemplação
inaugurassem a solidão;
Nada
nada por conta do retempero interior
das águas contagiantes
em palpitante trajecto desde as entranhas
lavando as veias das cores que as tingiram
torrente varrendo todas as impurezas.
Até que tudo sobrava na sua nitidez refulgente
numa cor não substantivável.
Um coro ecoava ao longe
melodias de trato encantador.
Levitava, por fim
na sua heliocêntrica condição.
14.1.08
Os bárbaros devastadores
ascendem pelos poros humedecidos
rastejam, insinuantes,
amensendam com a boçalidade impante.
Gargarejam alarvidades
sorrisos canhestros
gargalhadas logo vomitadas
toda a babugem repelente
osgas fugidas das profundezas onde o breu
e só o breu
tem trono.
Passeiam-se pela juventude
esbelta e frenética.
Pela juventude antitética de ansiolíticos
desvario constante
atropelos sem cessar
gritaria,
muita gritaria
e desdém em redor.
Mas não:
venho, ao arrepio das convenções,
transigir uma geração;
militante recusa
em esboçar moralidades bafientas
que crucificam levas de adolescentes
e já não adolescentes
no muito sangue fervente na guelra.
Espectador anónimo, apenas
como se do promontório
(e seguro)
andasse testemunha,
fiel dos arroubos intempestivos
do desinteresse lancinante
da vozearia inconsequente.
Ou talvez não:
da vozearia
grito de alma
despedaçado porvir
que fermenta a dissonância do mundo.
os mais velhos
culpados pelo estado de coisas.
Os mais velhos:
deixando os fragmentos
que hoje são o firmamento dos novos;
fautores dos bancos de ensaio
onde deitaram, cobaias, os novos;
sacerdotes do experimentalismo perene
de desastre em desastre
todo um oceano
– um vasto oceano –
de devastação
sementeira de pessimismo loquaz
onde o céu se demora na sua escuridão
o sol emoldurado num museu que sagra o passado.
Os mais novos
nada desaproveitam.
Ciciam os ciúmes de outrora
de um qualquer outrora mais fértil
dos idos que lavraram a métrica do empenhamento.
Hão-de protestar moralistas encartados:
que os novos são todo um oceano
de incultura e desconhecimento,
a pá que levanta a terra da sepultura
a sepultura da bárbara condição que arremete.
E dirão:
os novos tingem as convenções
com os dedos retorcidos
desalinhando puro egoísmo atroz
cicuta que tudo consome à sua passagem.
Eu
niilista sem remédio
desminto-o por instantes:
retemperado das caves imundas que me acolhem
desconfio
que os novos são o contrário da sua imagem dantesca.
Por momentos
é neles que revejo a minha redenção.
Que interessa a estética ininteligível
a língua assassinada
a abúlica expressão diante do mundo,
como se fossem as pedras inertes
recebendo de braços abertos
as ondas que nelas se despedaçam.
E que interessa
ajuizar gerações pelo diapasão hermético
das idades diferentes,
houvesse um compasso acertado
misterioso caudal por onde vogam as águas separadas
os velhos e os novos em camadas distintas.
os novos não são bárbaros implausíveis
bandeiras hasteadas da boçalidade grotesca;
nem criaturas disformes
pérfidas existências onde nidifica o nada
ou placentas mal digeridas
que resguardam maldade e ignorância.
Desenganem-se os que os olham
simples espuma que se esvai ao leve sopro.
deslaço-me do pessimismo antropológico.
Pela mão dos novos
hediondos
sarcásticos
intragáveis
incompreensíveis
retrógrados
impensáveis,
violentos, até;
mas novos, porém.
A longa aura diante dos olhos
os campos que vão até ao horizonte.
Ou, porventura,
apenas inveja pela idade ainda imberbe
da inocente imaturidade
um assomo de nostalgia elevando-se
ciente que o tempo na sua abundância
pertence aos mais novos.
Porventura
o optimismo antropológico datado.
8.1.08
E tu serias
Dizias
haver abraços irrepetíveis
beijos só no instante em que se esvaem
um rosto amolecido pelos afagos
uma cintilante avenida diante dos olhos
- olhos teus
que por mirarem os meus
faziam de mim
miradouro do mundo.
Dizias
que só há uma entrega
as mãos dadas, o combustível dos corpos
e os corpos sedentos
fogueira dos seus complexos desejos
- os corpos na sua síntese
os corpos em coreografias sensuais
alimento e altar
da combustão estrelar.
Pela manhã dizias
que o mundo podia acabar hoje.
E eu
perplexo
sem saber se por metáfora falavas.Doce a água do regato
O regato escorre entre o musgo
planam as águas frias
sob o testemunho das nuvens
onde ecoa o sussurro das águas.
À noite
só sobra o sussurro
o sinal da ténue água
imparável, mas lenta.
São as pedras, imóveis,
que indagam o destino das águas
fugindo pelas fragas
rompendo entre as rochas que as acamam.
As pedras, estáticas,
diante das águas que rumorejam
os dias ausentes
na sua imóvel condição.
Oxalá se movessem
nadassem pelo leito perfurado
andassem com as águas lentas
até um desfiladeiro, ou estuário, aportarem.
Desenganam-se, as pedras
presas à sua imóvel condição
amordaçadas pela raiz inerte
seu esteio inamovível.
Só sonham, presas ao lugar
sonham com viagens fantásticas
levadas ao colo pela água transparente
só para conhecerem destino outro.
Como se, pedras estáticas,
se tornassem gélidos seixos
abraçados ao rumo das águas esquivas
colina abaixo até algures.
O algures em que militam
um lugar qualquer
quebrando monótona impassibilidade
diante dos dias sucessivos.
Nem que seja
para esbarrarem no precipício
onde a cascata se despenha
na espuma da raiva contida.
Ou que seja
para se deitarem no fundo
de um imenso lago
onde as águas, cansadas, repousam.
E que seja
o lugar de outra sepultura
o algures prometido
2.1.08
O poema combustível
Os aplausos ensanguentam as mãos.
Não se cansam
diante da gloriosa expressão das palavras
ecoando
insinuando-se
entranhando-se
onde nem cirurgiões levam bisturis.
Há uma magia das palavras
vomitadas no seu fogo
as palavras-alimento
melodias graúdas que escorrem pelo ouvido
e levitam nas paredes da garganta.
Vêm aquecidas no seu fogo:
são a combustão do espírito
a depuração até das gelificadas armaduras
jamais orgulhosas da sua insensibilidade
- perdida.
As cores admiráveis
consagram os aplausos:
tecido aveludado
onde o poema incendiado repousa,
complacente.
No veludo onde as chamas se aquietam
o poema redobra a sua grandeza
cavalga nas ondas sopradas por um vento vadio
cresce
e mergulha sobre os corpos.
Na combustão audível
desfaz a nostalgia dormente
traz os corpos da sua letargia.
É o poema
combustão dos corpos
a centelha dos músculos apiedados.
E os corpos
entregam-se numa furiosa peregrinação:
batem às portas do pensamento
expelem as lavas das interrogações
incomodam-se com a placidez.
Arremetem sono dentro
e despedem o sossego
- imparáveis na excitação do conhecimento.
E o poema,
intemporal.
O poema dito e lido
legado perene com as cintilantes âncoras
do navio museu sempre ancorado no cais.
Intemporal
como o feixe de luz,
irradiação das chamas que latejam
a armadura onde se recolhem as estrofes do poema.
O poema lancinante,
poema matriz:
nas palavras entoadas
tudo seria ilusão
(a ilusão, ao menos)
dos fragmentos da bondade indescritível.
As pessoas seriam felizes
os rostos irradiando uma alvura leve
as mãos sem as suas rugas
os corpos alindados
despidos de maleitas.
Só haveria tempo e lugar
para esboços da plenitude interior;
a sua antítese
logo fulminada por um raio cósmico
que chegaria,
alado,
dizendo que os felizes estavam garantidos.
O poema
a combustão de toda esta frenética bondade.
Pelo poema
tudo tingido
com as cores que embelezam os dias
sempre uma luz clara
o farol arquétipo.
Nos vastos campos habitados pelo poema
até a tristeza seria vestida
com as cores da beleza.13.12.07
30.11.07
Despojos do Outono
as ruas ainda desertas acolhem o restolho
as furiosas folhas acobreadas já desligadas dos ramos.
A rotunda é o leito sombrio
onde as folhas gastas se acamam.
E dançam ao vento,
o vento despótico que as atira, aleatórias
contra a embocadura do vazio onde jazem.
Não há nos despojos de Outono
a magia das despedidas.
Apenas a coreografia das cores esbatidas
um óculo que espreita
em retrospectiva
as danças excitadas do estio dobrado.
E, contudo,
há nesses despojos
a fértil sementeira dos dias claros
logo no contrário dos dias cinzentos
tingidos pelas nuvens pesadas
a ossatura dos dias minguantes
as pedras pontiagudas do vento agreste
da chuva que se toma pelos sopros da ventania.
Nem sempre as folhas quebradas
entoam o seu restolho
devolvidas à terra que se oferece,
sua sepultura.
Na coreografia dos contrastes
entre os dias lívidos e as noites de refúgio
rejuvenescimento nas folhas acobreadas que se amontoam;
e renovação: a reinvenção das forças
pelo perecimento das folhas
que acastelam os despojos das páginas já dobradas.
O ternurento Outono encobre uma dormência pueril
a preguiça contagiante que se insinua
nos fragmentos deixados para trás pelas folhas
que esvoaçam em outra rabanada de vento.
Dizem
que o Outono
repristina a tristeza;
e que fermenta a indolência
dos corpos aprisionados em casa
quando chegam tempestades;
e ainda que acomete com saudades antes do tempo
saudades do Verão que levantou âncora.
Só esquecem de dizer
que os despojos do Outono escondem a densa neblina
e, atrás dela,
o mistério da luz que se há-de desvelar
centelha que adorna a doce curvatura
onde se deitam os corpos
apaziguados
excitados na luz esquálida,
mas quente
dos encurtados dias outonais.
As folhas inertes cambaleiam no dorso do vento
irrompem no ar em movimentos aleatórios
enquanto desnudam as árvores
dir-se-ia,
em muda de pele.
O gritante paradoxo:
nuas quando mais abrigo carecem
agora que a invernia acintosa
espreita entre as folhas do calendário rasgadas.
É um Outono de despojos.
Em despojos.
5.11.07
Os olhos e os pesadelos reais
que os olhos se encerram
e então vês toda a vida
um cortejo entristecido
negras personagens sem rosto
o rumo do destino ausente.
Dizias:
que os olhos se entreabrem
a medo
e o pesadelo que julgavas ser
desfila diante da vista estremunhada.
E dizias:
que nem sabes se é o refúgio do sono
ou dele fugir
para que pesadelos tão calcinantes
se hajam confundir com a espessa realidade.
Aos ecos vadios
de tantas cores
esbracejam aos meus ouvidos
o lacrimejar das fadas.
E ecos
distantes, perenes, sombrios
ou apenas ecos
sem serventia de adjectivos
ora trovejam, ora ciciam.
Amaciam os sons estridentes
abafam as palavrosas prédicas
que, espremidas,
gotejam nada.
Ao menos, os ecos
deixam ao ouvinte um imenso mar
para cavalgar;
dão-lhe liberdade:
de os perfumar com um incenso exótico
ou mascará-los com o sal do mar nocturno
enquanto o límpido luar
encerra os demais sons.
Os ecos
recolhem nas suas asas
a plenitude da paisagem.
Reproduzem a sua eterna beleza
dela o bastião que retratos não conseguem fixar.
2.10.07
Nem sempre os olhos
bebem a brisa fresca,
desnudam-se em sua fragilidade.
Os olhos cicerones:
ora mentem,
ora mergulham no cru cenário.
Juízes implacáveis
sempre de espada desembainhada
na aura esbelta de estarem vigilantes.
Por vezes, escondem-se;
escondem o que custa olhar
mentem com o descaramento da ilusão.
É então que se vê:
olhos, traiçoeiros feitores
de retratos impossíveis.
3.7.07
Cruise Control
os mares assobiarem raiva endemoninhada
os ventos silvarem fauna grotesca
e raios selvagens queimarem o singular remanso.
Podem, até,
chorar as pedras da aspereza dos elementos.
Nem as garças que desafiam a borrasca
ou as folhas que se saciam nas gotas da chuva
aplacam a tristeza carpida em demorados dias cinzentos.
Não chegam
esses dias melancólicos
a furtar o sorriso altivo.
Entraste em cruise control
e derrotas os remoinhos
adivinhas as armadilhas escondidas
enxotas as alcateias esfaimadas
e persegues,
inane que seja,
como se indomável fosses
as pedras pontiagudas que te doem.
Nem o corpo franzino espalhado de cicatrizes,
dessas cicatrizes por fechar,
ladário de dor que troveja, lancinante;
ou as lágrimas que escorrem
sem as saberes prender:
nada
nada pode contra a brandura vegetativa
que te deixa a pairar
sobre a mortal dimensão terrena.
Passas pelo escuro
com os olhos que vêm na cristalina luz.
Pisas o chão tão duro
sem a mortificação dos espinhos cravados nos pés.
Ah, insultos que apoucam
e um coro que amesquinha,
diria:
tantos sedimentos para o suicídio
– ou apenas refúgio nas ameias de ti mesmo.
E, contudo,
as pálpebras escondem-se, perplexas:
serás um couraçado
brutal força assassina
imune ao pestilento estado das coisas?
Ou apenas domado por uma anestesia piedosa
soporífero que cinde o que há em ti
entre confusão e discernimento das cores vis?
Corres com toda a força
toda a força que as tuas forças alcançam.
Esbracejas contra o vento
fazes tenção de o apanhar
ou só de o afastar de ti,
receoso do seu virulento quilate.
Corres sem destino
colhes as flores alheias
aquelas que as cores e as formas estonteiam
e depois oferece-as à primeira pessoa que vês
atónita testemunha do desvario que desentorpece.
Pela noite,
só pela noite,
acalma a batida do coração.
Não é o cansaço que tolhe movimentos
nem cerceia a ambição.
É um dia pleno que revês
na convicção da maioridade enfim:
o baluarte que és para ti mesmo
ao saberes que houve mercê
do enxerto da alma providenciado.
Aprendeste:
em vez dos descompassados sons
das melodias ora céleres, ora lânguidas
a essência de tudo na estabilidade do ser
lá, onde a completude se encerra.
Nem que haja doloroso preço a pagar,
a enraivecida lupa das coisas
cedendo a vez à planura da paisagem
ao presciente passajar da pele nua aos atritos maiores.
12.6.07
Paródia dos pecados
a asfixia do impudor.
Debatem-se com a consciência atormentada
tantos os pecaminosos, impérvios caminhos
dos esbulhados da moral.
Há sacerdotes que expiam os pecados
e espiam consciências.
Sacerdotes que tratam da moral,
eles, tão puros
tão imunes aos devaneios transgressores.
Batem à porta dos pecadores angustiados
a qualquer hora
patrulhas de generosas almas
que rondam, atentas,
os sumiços das consciências.
Dizem que há um rebanho
apascentado pelos pastores que se entregam
à bondosa militância dos passos certeiros.
E que os pecados são o encantamento demoníaco
a cancela que afasta a virtude.
Quem lhes assegura que queremos a virtude?
Quem lhes assegura o que é a virtude?
Sacerdotes aprimorados afivelam os costumes
encaixilham-nos no vetusto celofane
dos seus herméticos quadros mentais.
Os outros,
os dissidentes da normalidade,
amedrontados pelo tortuoso futuro que os espera
na embocadura do encarniçado inferno.
Os outros, apenas vigiam o seu tumulto interior.
Os sentinelas da moralidade alheia
perseguem o sacerdócio:
é a sua vez de chamar a sublevação
a deles contra a dos pecaminosos amotinados;
pungente altruísmo ou advogados em causa própria?
Os desvalidos teimam em pecaminosos actos
e provocam, renovando mais pecados.
Sobra a excomunhão
– como se carecesse depurar o rebanho
acantonar os excluídos à condição de párias.
Não que lhes desassossegue o espírito,
aos amotinados da pacotilha sacristã,
pois a fé lhes é risível coisa.
Na glote fica-lhes o doce sabor da transgressão
mais doce quanto mais censurada pelos guardiães.
Os fantasmas que acenam
e a monstruosa tarefa reservada
aos que teimam na herética errância:
apenas um cabo de trabalhos aos seus fautores.
Os únicos inquietados com desvios alheios.
Os destinatários
sossegados na impureza do pecado
hão-de prosseguir no sono plácido.
Não são eles que bebem a cicuta
por não haver no “pecado” veneno algum.
Miseráveis
hão-de continuar os vigilantes dos outros.
Ao saberem que os campos do pecado
são sulcados por um rebanho numeroso.
Cada vez mais numeroso.
10.5.07
A candeia e as lágrimas
uma âncora salvífica
para o homem desvairado.
A luz da candeia
espalhava um rasto de esclarecimento
enquanto a escuridão se dobrava diante da luz.
Através da candeia
acendiam-se os candelabros da existência
perfumavam-se os poros
já não com o suor sofrido tisnado pelo breu.
Diante da candeia
vogava a tua imagem;
ao início
não percebi se de imagem
holograma
se tratava
ou se eras tu,
matéria e alma concreta.
Os passos temerosos
e a mão trémula que se estendia a medo
ajuizaram que não eras sonho.
Senti a alvura da tua pele
a sua macieza
o cabelo que ondulava com a brisa matinal
e afastei com um dedo
esparsas lágrimas que tombavam.
Choravas
– seria a lânguida e provecta desdita a visitar-te?
As lágrimas curvavam-se face abaixo.
Eram salgadas:
os dedos que as enxugavam
traziam-nas a mim,
saciado pelo néctar que continham.
E embora chorasses
não via esgar de tristeza;
apenas serenidade que irradiava
perturbada só pelo estremecimento do corpo
na passagem dos dedos que te aspergiam afecto.
Era perturbante
o choro de quem assim dormia,
profundamente.
Respondias com silêncio às minhas demandas
e nem a luz da candeia incensava os teus olhos,
teimosos,
como janelas empenhadas
em serem refúgio do temor avassalador.
Diria que o teu sono era
imperturbável:
nem a intensa luz da candeia
ou o ruído da cidade apressada
ou a minha voz
(nunca alta, decerto)
nada te resgatava do sono balsâmico.
Ajuizei por ti
(penhor dos teus sonhos
na autorização da tremenda cumplicidade):
seria um sono apaziguador
mergulhada em sonhos radiosos
onde eras plenitude
o zénite de todas as coisas
um arroubo intenso nas palavras murmuradas
que ecoavam sentimentos sublimes.
As lágrimas não eram observatório do infausto,
delas jorravam
fragmentos vivos da felicidade adulta.
Porque há lágrimas vertidas
que são sinónimo do arrebatamento que mumificamos.
Vi então
nos demorados instantes que te fitei
uma e outra vez mais
o altar sagrado do meu enlevo;
de como o tempo se abstém
nesses instantes imunes às palavras;
já não havia precisão da candeia
pois as tuas lágrimas salgadas
eram as águas onde vogava
ser inebriante, eu,
habilitado pela fortuna da tua placidez.
Seria por magia,
uma lágrima recolhida com a ponta dos dedos
ungiu a candeia.
Que se apagou,
chama desvanecendo-se lentamente.
Havia nesse desvanecimento
o clamor para uma vida inteira,
completa,
para reter todo o sal de um singelo abraço
e contar aos desafortunados
– para sua saudável inveja –
como habitava nas águas bonançosas
a temperança ideal.
Quando voltei a mim,
depois dos instantes de anestesia que foste tu,
já não sinal da candeia;
e o teu rosto enxuto