As décadas acabam no fim
e podemos não esperar
pelos planos retrospetivos
se deles formos reféns
e nossa sanidade
também.
Capturem-se
os fragmentos dispersos
a matéria-prima da lembrança
os leitos secos
que se desabituaram das lágrimas
as molduras cintadas às silhuetas
os muros caiados com tinta invisível
as coreografias dos mudos.
Disponha-se
a matéria coligida
na aritmética do papel
e do exercício lúdico
extraiam-se as baias do orçamento
a frontaria ufana diante dos miseráveis.
Das olheiras sublinhadas pela insónia
a fertilidade das palavras
os comboios atempados
que troteiam carris impecáveis
as estrofes desacertadas do cânone
a liberdade-esteio
no meio da planície sem gente
os gatos que caminham sobre o rosto do cio
e a chuva que recolhe as lágrimas inúteis.
As décadas não podem esperar
e podemos acabar no fim
deitando-nos à fecundidade do tempo em espera
sem dele sermos réus
em abono da nossa sanidade,
ainda.