Pobres,
as saudades, 
que são tantos 
os que as querem matar.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Somos a medula dos nossos sonhos
hino, bandeira, os corpos em segredo
a redenção do medo
o idioma murmurado em sílabas noctívagas
o espelho que contém o abraço do mundo
arrancamos ao suor honesto 
cordas de violino
um vinho tardio
glaciares que avivam o olhar
um beijo demorado
a maré tempestuosa que disfarça a melancolia
os apeadeiros sem porta da espera
o sangue em ebulição
participando na coreografia do desejo
em palcos inacessíveis.
Um palco à espera da manhã
enquanto a cortina se levanta 
atiçando os olhos íngremes
no miradouro sobre o devir. 
Sobre o rio
as asas abertas 
compõem o sonho. 
Os braços amarrados
adiam o cais
no provérbio ínfimo
que adormece a penumbra. 
Sente-se o coaxar
sob a atalaia dos nenúfares:
pela tarde
o hálito do diabo
será uma tortura, 
ninguém aguenta. 
Os lugares são metamorfoses
telas abertas aos olhares mudados
pelo sortilégio do tempo dúplice
(tempo-tempo e tempo-clima). 
Amarramos o olhar
a um mastro à prova de divindades
e compomos
com a diligência dos apóstatas
um hino pária que se esconde do escrutínio.
Levo os diamantes escondidos no sangue
levito a lava que se emancipa nos ossos
e na alvorada 
onde o silêncio acompanha a solidão
rejeito a angústia que ferve no céu plúmbeo
desenhando com dedos frágeis
o contrabando que recusa os lugares-comuns
e as portas sumptuosas por onde entram
usos e costumes com boa casa.
Escondo do sol
os dedos coloridos 
com o sal diurno. 
O céu 
é um imenso espelho
inacabado
o cunho aceso na fala mordaz. 
A véspera das lágrimas
inaugura a coragem
as cortinas descidas
sobre os dogmas avulsos. 
A pele desnorteada
à mercê do suor apertado
devolve o gasto sem paradeiro. 
À noite
o cais demandado
desliga os sentidos
anestesia a idade 
e na hibernação sem intérprete
coabita a carne 
sem cansaço. 
Dissessem dos agelastas 
as piores coisas jamais ouvidas:
não eram de confiar
tão catedráticos de suas certezas
tão impantes 
a suarem uma sobranceria blasé
tão azedamente irritantes
tanto
que até apetecia meter férias na indiferença
para os votar aquela parte
que é afim, 
com costela certificada,
da matéria escatológica. 
Agora que não há canhões
pode-se poupar na carne.
[Otimismo disfarçado]
Há mais pipas
do que massa.
[Uma espécie de decadência, à aristocrata]
Mote: “Economia arrefeceu em pleno Verão”
A economia não gosta de calor 
– ou aprendeu a ser termostato,
perita na compensação.
Um escaninho sazonal
emancipa-se da postura municipal
finta o fiscal da obra
e com audácia
aldraba o agente da polícia.
Dantes
quando havia polícia montada
era pior do que nas touradas 
– a aritmética dos boçais 
em preparos de matiné sanguínea;
agora
por ser agora
e não agoirar a modernidade
a polícia anda desarmada
e não se faz saber
pelo punho das estatísticas armazenadas
que a desordem tenha subido
para a sela da anarquia.
“Manda a verdade”
(dizem os apóstolos dela mesma)
a rebeldia é o cunho dos inexperientes
e sagra-se
com a sazonalidade consanguínea.
Fala barato 
o fala-barato 
não pode aspirar 
à volúpia do luxo 
e às dispendiosas palavras 
dos que reclamam o pódio 
da erudição.
O roteiro não se faz sem passos em falso
na didascália que dá de beber 
às nossas dúvidas.
Aparentemente
o sol esconde o magma fundente
e nas artérias corre o sangue amotinado
como se estivesse de atalaia
para as batalhas vincendas.
Depois 
há o estrume nas bocas insultuosas
o banal verniz que se abandona de rebate
os poços de morte nas mangas avulsas
um torniquete que aperta os olhos mastins
e as tornas
que validam o passaporte do futuro.
Não seremos bandeiras à mercê de marés;
não seremos
os bombeiros involuntários 
que escalam montanhas íngremes;
seremos, 
a crer nos ventos dominantes,
ascetas que bebem o vinho novo
sem concessões à letargia
e às danças sem parafuso
que sobem à praça centrípeta.
As premeditações de Ícaro
brandem contra os ventos 
que fustigam cemitérios.
Rugem os mastins domados
suplicam pelo verbo pretérito
o véu onde assentava o seu domínio.
No mais alto promontório
as divindades seguram o rochedo
vestem-lhe o arnês entesourado.
O precipício jura o adiamento
e os braços apuram o beijo do escorpião
no amparo da desonestidade em extinção.
Ora
nem dos fracos 
nem (ó diletante surpresa) 
dos fortes 
ora a História, 
que a História 
não sabe orar.