Trago
num peito incisivo
a âncora que sonda as funduras submersas
onde a luz não acende o dia
na gramática sentinela que se depõe a meus pés.
Trago
enquanto orquestro a apneia
os versos que hasteados no promontório
meu alimento contumaz
no irrealizável sonho sem costuras atadas.
Trago
o que trago de herança
e na digestão vagarosa
enquanto traduzo o luar que se agiganta
componho a luz síndica que uso como candeia
antes que a manhã
me venha sentar no miradouro que dá
para o estuário.
O que trago
amarrado à auréola disfarçada
não é o imperativo pesar
a massa aguda que cimenta a angústia
(que não é de dor que fala o peito)
uma avalanche de lágrimas outrora retesadas
as cortinas que escondem o dia solar
um tríptico
que afunda o rosto numa viela perdida
a palavra ermo que fica sem paradeiro por medo
os sortilégios empenhados nas sinuosas varas
que desalinham o dia.
Trago
o que trago com a boca faminta
à medida que trago o que de mim ao peito trago.
Não é contumácia
desenhar os deslimites que avisam a fala
nem combinar com os que boicotam os deuses
uma dança desordenada
só para celebrar a deposição dos deuses
à mercê de sepulturas que desfilam
no campo do olhar
imaginadas
puramente imaginadas
sem os embaraços
que a cultura dos dias repetidos
embainha.