14.12.16

A desentronização dos medos


Absorvo a luz lenticular do relâmpago
em duas levas que se sucedem
no estertor da trovoada.
Reponho os predicados da alma no lugar
não vão os demónios tomar-me de assalto.

Já não tenho medo.
Não tenho medo da fuligem
que açambarca a noite comprida.
Não tenho medo das vozes ciciadas
nos intervalos das páginas.
À altura dos meus pesares
soerguem-se velas retesadas
que sulcam a névoa por diante.
As valas são ermos sem serventia
deslugares que não encontram mapa.

Continuo sem medo
na alvorada baça que tira estima ao dia.
Nem os medos de antanho
os que sonhos povoavam
ganham lugar no deserto que ganhou.
Atiro-me como cão esfaimado
às deliciosas fontes do conhecimento
à volúpia das artes
dos lugares dantes não visitados
às páginas em desassossego
à matéria combustível que acende o tempo
à perene mansidão do olhar.

Não me importunam
as fazendas inoportunas
as águas impróprias
os mapas obscurecidos.

Já não tenho medo.
É tão simples quanto isso.

Sem comentários: