8.12.16

Contrarrelógio

Corria a aurora para fora do tempo
e as águas lúcidas esbracejavam
entre as margens alcantiladas
e os pêssegos ainda verdes
espreitando nas ramagens.
Corriam céleres pessoas
contra o muro da manhã
mostrando os olhos estremunhados
como quem sussurra a canseira perene.
Corrias desde a casa da partida
sem saberes onde era a meta
sem saberes a serventia da corrida.
Corriam de braço dado
contra a fúria dos elementos
em coreografias lídimas
em protesto contra obnóxios patriarcas.
Corria a espuma das leituras
das leituras ao acaso
concorrendo para os acasos
que esperavam lugar.
Corria de peito aberto
três passos a eito
a eira derrotada na pele da perseverança
contra a vergonha embainhada.
Corria em furiosa demanda
aos portos de abrigo
aos postigos decadentes
às fuças de beócios reincidentes
contra as brumas da memória
contra os esteios verticais e frágeis
contra os demenciais cantos sombrios
às mesas onde se apostavam contratempos.
Corria o entardecer sem dar conta
e dispensava os escândalos infatigáveis
o lodo por todos os lados
a verborreia insana dos gongóricos
os apedeutas com aspiração a eruditos.
Ficava com o entardecer
e retinha dentro das mãos
o sortilégio que vinha das suas margens.

Sem comentários: