21.5.20

Dezanove mil e sessenta e sete

Se ao menos 
a superstição habitasse em mim
e pudesse ficar refém 
da linguagem simbólica
da numerologia
das cifras que se intuem de signos,
diria,
ao calcular

dezanove mil e sessenta e sete dias

de vida corrente,
que seria elegia possivelmente a destempo
ou usurária contabilidade sem préstimo.

Não sou

(almofadado pela superstição
cultor de simbologias
propenso à linguagem dos números
ou a outras insondáveis pelejas
que emergem do misterioso nevoeiro
escondido no cais).

A lição de Goethe
é o norte preciso:
não são 
os dezanove mil e sessenta e sete dias
a custódia desta alma;
é o último 
dos dezanove mil e sessenta e sete dias
o que tenho entre os dedos
e que não deixo contaminado pelo esquecimento.

Se em mim houvesse quarto habitável
para as descodificações do inenarrável
se de mim desse o flanco
a esoterismos tomados pelas piores conspirações
subiria ao estirador
e, em solene momento,
desenharia a interrogação:

que fração
dos dezanove mil e sessenta e sete dias
falta
para a finitude?

Mas esse quarto 
não pertence
à arquitetura de mim.

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