Diz-me
se a fala
é desta boca
ou apenas de um síndico
que papagueia as sílabas disformes
de uma fala sem passaporte.
Diz-me
se os morangos estão doces
e na fruteira se exibem os frutos
à espera da madurez.
Diz-me
que tenho ouro nas mãos
e que sabes ser santuário
com a procuração do meu corpo.
Diz-me
que não somos mudos ao outono
e que somos a fogueira que apaga o frio
enquanto a noite se demora na sua escassez.
Diz-me
que os dias são todos diferentes
e que o teu peito como ancoradouro
é a justa recompensa para o lugar porfiado.
E diz-me
antes que emudeça a noite
que atravessamos os carris desalinhados
subimos aos promontórios inacessíveis
desenhamos os mapas contingentes
fazemos rimas com o amparo das gargalhadas
e anoitecemos entrelaçados
como alimento recíproco
as almas desapoquentadas que se incensam
na luz não pálida apalavrada
pelas nossas bocas distintas.
Diz-me
que somos o étimo da singularidade
e dos dedos uníssonos
estilhaçamos os contratempos
e compomos as estrofes algorítmicas
que povoam o nosso espaço vital.
Diz-me
acima de tudo
o tudo que sobe à boca
sem que sobre nada por dizer.
Diz-me
em perene derrota
do silêncio castrador.