27.10.20

Diz-me

Diz-me 

se a fala 

é desta boca

ou apenas de um síndico

que papagueia as sílabas disformes

de uma fala sem passaporte.

 

Diz-me

se os morangos estão doces

e na fruteira se exibem os frutos

à espera da madurez.

 

Diz-me

que tenho ouro nas mãos

e que sabes ser santuário

com a procuração do meu corpo.

 

Diz-me

que não somos mudos ao outono

e que somos a fogueira que apaga o frio

enquanto a noite se demora na sua escassez.

 

Diz-me

que os dias são todos diferentes

e que o teu peito como ancoradouro

é a justa recompensa para o lugar porfiado.

 

E diz-me

antes que emudeça a noite

que atravessamos os carris desalinhados

subimos aos promontórios inacessíveis

desenhamos os mapas contingentes

fazemos rimas com o amparo das gargalhadas

e anoitecemos entrelaçados

como alimento recíproco

as almas desapoquentadas que se incensam

na luz não pálida apalavrada 

pelas nossas bocas distintas.

 

Diz-me

que somos o étimo da singularidade

e dos dedos uníssonos 

estilhaçamos os contratempos

e compomos as estrofes algorítmicas

que povoam o nosso espaço vital.

 

Diz-me

acima de tudo

o tudo que sobe à boca

sem que sobre nada por dizer.

 

Diz-me

em perene derrota 

do silêncio castrador.

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