23.10.20

O computador sobredotado

O meu computador

é mais inteligente

do que eu. 

Todos os dias,

sem que lhe tivesse pedido,

atira para a pasta do lixo

as mensagens daquele sujeito

insuportável. 

Sem que lhe tivesse pedido. 

O meu computador. 

Mais inteligente. 

Do que eu. 

Pudera:

o meu computador

alinha na equipa

da inteligência artificial.

Ele terá de mim 

melhor conhecimento

ou então

sou eu,

o da apenas inteligência espontânea,

que estou em défice de conhecimento

de mim próprio. 

Mas

ao menos

o meu computador

não têm dívidas existências

e dúvidas ao banco

nem trava conhecimento

com lugares descobertos

nem se extasia com um livro

uma peça de teatro

um concerto de música

nem se enamora da mulher amada

nem testemunha a filha 

a deixar de ser criança. 

O meu computador

limita-se 

a ostentar sobre mim

a superior inteligência

poupando-me 

à conversão de incómodos

quando a sobredita personagem

bolça um qualquer asnear

na prolixa atividade de enviar

mensagens. 

E eu

não invejo

o computador por ser 

mais inteligente

do que eu:

a inteligência que me coube

(a tal, espontânea e humilde)

já não cabe em si

de tão tumultuosa. 

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