14.12.20

Traviata

Trago a candeia ao peito

oh!

fazenda minha em vez de sangue

sem sombra da quimera suplicada

apenas o desterro

onde parece que já não sou

onde perecem os fantasmas aviltados.

Cubro com os olhos,

sentinela da noite fugitiva,

as flores adormecidas.

Espero.

Espero que seja madrugada

e os olhos desembaciem a manhã

e aos teus pés me despoje

em toda a nudez impura

réu de um luar qualquer

à espera

à espera da tua mão

e de um lugar.

Vejo um piano

sozinho.

Um piano

à espera de mãos

e eu que trago uma candeia ao peito

condenado ao silêncio

sussurro a música que não sei compor.

Pois no desterro

só há a mudez das montanhas frias

o penhor dos medos desimpedidos

os terríveis monstros que encarvoam o mar.

Mas o piano 

espera pelo luar 

em forma de sortilégio

e espera 

por umas mãos sem corpo

as pétalas

desassombram as puras notas musicais

até que tudo seja 

a síntese da música

nas esperas alinhavadas pela manhã boreal

e ao pequeno-almoço

as madressilvas perfumem o quarto.

Voz a voz

o murmúrio

com a lucidez dos olhos falantes.

Empenho tudo:

não quero nada

a não ser a nudez de mim

escondida

a não ser de ti.

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