A manhã
era o farol que se juntava
no bordo da janela
e murmurava verbos válidos
aos nossos ouvidos.
Não eram os sentidos em alvíssaras
a combinar com os lugares vazios
e os dedos entrelaçados
fugiam ao penhor do tempo.
Dávamos à manhã
o que nos pedia
e em troca
a manhã anunciava-se
luminosa
um viveiro de bocas suadas
corpos hasteados na vertigem
fazendo em seus refúgios
publicidade ao lugar desocupado
que dantes fora uma jura falsa
de desamor.
Éramos curadores da manhã
ou a manhã
como se fosse nossa porteira
e da portaria atirássemos ao futuro
o sortilégio
que vinha nos versos que as bocas entoavam
e nós
portadores do atlas escondido
desenhávamos a geografia
na simetria dos corpos alinhados.
Se dissessem
que éramos loucos
acreditávamos.
E nós
falávamos os idiomas avulsos
até os que não sabíamos ser conhecedores
só para darmos asilo ao vocabulário reservado
e em jura solene
contássemos as sílabas da confiança.
Não partíamos de dados com números
e também éramos capazes
de poemas escondidos das palavras
a celebração do silêncio abastado
que dispensava o logro das palavras.
De nós
subia ao resto do dia
o sangue sem provações
a terra que partia no convés de um navio sem nome
a toponímia que era a que nos quiséssemos
a cada instante.
Desatámos os nós inteiros
com a destreza de marinheiros
e as cordas ficaram à espera das mãos
o mar inteiro sob a nossa tutela.
Da geografia sem adiamentos
colhemos os violinos que ciciam nas paredes.
Hoje
sabemos que o tempo não é uma dilação
e o coabitar numa medida sem avesso
é a quimera que soletramos
sílaba a sílaba
enquanto dizemos ao mundo
como deve desenhar a fala
como não pode respirar as preces.
Em contemplação do horizonte
no miradouro que se afivela no olhar
abotoamos os centímetros de um vulcão
e toda a lava vertida
é a fecunda prova dos versos
que soubemos ser.
Pois em nós
os verbos não têm tempo
e o olhar funde-se na matéria funda,
a maresia de que somos feitos.