21.11.22

E assim sucessivamente

Se o mar não fosse fundo;

se as lágrimas tivessem nascente;

se a lava não amanhecesse irascível;

se os lados do mundo fossem fungíveis;

se as bocas não se embebessem em falso mel;

se os países não tivessem bandeira;

se o luto fosse anulado por decreto;

se a lua tivesse paradeiro na orla do dia;

se os peões soubessem que são peões;

se a lucidez não fosse emparcelada;

se os condutores de almas fossem para o diabo;

se os regentes não rimassem com mitomania;

se os corpos não mentissem ao tempo

(ou será o tempo que mente aos corpos?);

se todas as coisas válidas se extinguissem;

se não deixássemos de lado as palavras por dizer;

se não fôssemos reféns de um labirinto;

se nós adiássemos no passado sem causas;

se não fosse perda toda a matéria venal;

se não houvesse carestia de sermos nós;

se os disfarces não ocupassem o palco;

se os versos não se fizessem desacompanhar de mãos;

se a maresia tombasse sobre o entardecer;

se os rostos dos filhos fossem sempre pueris;

se as pernas não tergiversassem ao menor sinal do medo;

se a raiz quadrada de tudo fosse o sangue combustível;

“e assim sucessivamente”.

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