Se o mar não fosse fundo;
se as lágrimas tivessem nascente;
se a lava não amanhecesse irascível;
se os lados do mundo fossem fungíveis;
se as bocas não se embebessem em falso mel;
se os países não tivessem bandeira;
se o luto fosse anulado por decreto;
se a lua tivesse paradeiro na orla do dia;
se os peões soubessem que são peões;
se a lucidez não fosse emparcelada;
se os condutores de almas fossem para o diabo;
se os regentes não rimassem com mitomania;
se os corpos não mentissem ao tempo
(ou será o tempo que mente aos corpos?);
se todas as coisas válidas se extinguissem;
se não deixássemos de lado as palavras por dizer;
se não fôssemos reféns de um labirinto;
se nós adiássemos no passado sem causas;
se não fosse perda toda a matéria venal;
se não houvesse carestia de sermos nós;
se os disfarces não ocupassem o palco;
se os versos não se fizessem desacompanhar de mãos;
se a maresia tombasse sobre o entardecer;
se os rostos dos filhos fossem sempre pueris;
se as pernas não tergiversassem ao menor sinal do medo;
se a raiz quadrada de tudo fosse o sangue combustível;
“e assim sucessivamente”.
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