31.12.22

#2635

As estatísticas

são apenas 

uma dança dos números,

sem gramática. 

30.12.22

#2634

Para a reificação 

do puro complot

só falta o Arlequim

loucamente percorrendo as ruas

nu. 

29.12.22

#2633

O mosto que se mostra

não é a lava fundida

que fala por um vulcão. 

27.12.22

#2632

Não contes

com a posteridade

para narrar o passado.

26.12.22

#2631

A janela descida;

o sangue que areja.

25.12.22

As bocas carnudas

As bocas carnudas

as que falam por dentro do silêncio

sabem a maresia

ou uma redução de maresia

da maresia pagã

que acompanha o caudal. 

 

As bocas carnudas

estimam-se superiores

contra maldições

e divindades afins

na véspera do foral que autoriza 

o mais fino calibre da areia

em que se estilhaça a cidade. 

Injustiças indocumentadas (59)

Para andar

à pala

é preciso bater

a pala.

#2630

Não te pesarás

no dia de natal.

 

[Mandamento constante]

24.12.22

#2629

Dia de vistoria

dos petizes peticionários

pelo barbudo de vermelho

enfarpelado.

23.12.22

Manifesto contra os heróis

Sob tortura

o segredo

os vintes agora no selo

e a bandeira

ah! a bandeira

o peito às balas

se os heróis forem admitidos

a concurso

 

(não existe a certeza

sobre a pendência).

 

Sob tortura:

que os heróis

candidatam-se à imortalidade

lá,

de onde não conseguem sentir

o sabor da imortalidade 

sem chão.

 

Quanto ao demais

um nome numa rua esconsa

ou numa nota de rodapé

em obscura dissertação de História

não são a paga devida

pelo mito mal disfarçado.

Injustiças indocumentadas (58)

Agora 

que a míngua de água

teve epílogo

já são autorizadas

as barbas de molho.

#2628

Dali

Dali saiu

para o panteão.

Injustiças indocumentadas (57)

Palavra de desonra 

(ode à mentira).

22.12.22

Tabelado

Como areia 

que se torna aresta 

no olhar,

o altar

que amanhã se atesta

como ceia. 

 

Como fugitivo

que não resiste 

à decadência,

a dissidência

que não desiste

como imperativo. 

 

Como angústia

que adia o pressentimento

no oráculo,

o ósculo

que rejeita o sofrimento

e dita a simpatia. 

 

Como fortaleza

que treina os nervos de aço

no cenário,

o bestiário

que germina o embaraço

e desfaz a fraqueza. 

Injustiças indocumentadas (56)

Perder 

o norte

e encontrar 

o sul.

#2627

Arregaço o frio

em novelos 

de cinzento nevoeiro

e digo à manhã

que não me derrota o torpor.

21.12.22

Como torcer o pescoço ao idioma sem dar conta do perjúrio

Escuto as palavras espancadas

como gritam no eivo da entorse

e vejo

como indiferentes e ínscios

prosseguem os fautores da tortura.

 

E escuto as palavras espancadas

e às vezes

sinto-me acossado

por não sermos credores

do idioma que tornamos contrafação.

Injustiças indocumentadas (55)

Se o Inverno é general

qual é a patente do Verão?

#2626

Não olhes 

para o que eu burguesio

olha 

para o que eu falo.

20.12.22

Obelisco

Os gólgotas exercem o seu pesar

antes que balanças sem fiel

cobrem um preço exacerbado. 

São desta igualha

os mercados que não recebem leis

e quem neles afocinhar

não descuide a atalaia permanente. 

Antes fosse assim a tinta

mister que não combina com a modernidade

que é algo que nunca deixa de existir

quando o tempo se dá a conhecer. 

Outrora

os homens

(que se notabilizavam enquanto cavalheiros)

usavam chapéu

gravata exceto ao deitar

sapatos devidamente ensebados

fato de três peças

ceroulas invernais 

(que fazia um frio de rachar)

e só davam azo à luxúria

em visitas a prostíbulos licenciosos

(como se esse fosse o momento 

para terem autonomia

das algemas que os aprisionavam

dentro de um estar meão). 

Agora

só o Espada é que se mantém 

cavalheiro

fiel aos espelhos arcanos

que teimam em verter sobre o presente

a mantilha de um passado

que deixou de ter validade. 

Às vezes

nas poucas vezes

que me desensimesmo 

e pratico 

a modalidade olímpica do arrependimento

sinto-me refém de duas metades iguais:

uma de mim diz que devia ser conservador

e a outra moderadamente progressista 

– socialista, em tributo ao modismo

que já mexicanizou este lugar. 

Teimosamente impuro,

continuo um contínuo ludita

de extravagantes prescrições do mundo.

Sem remédio

e de alma que, 

de tanto errante,

já perdeu as estribeiras da salvação.

Injustiças indocumentadas (54)

Rabos de palha

ou não são rabos

ou não são feitos

de palha.

#2625

Atira vinagre

para cima das feridas

mas não esperes 

cicatrizes.

19.12.22

O mundo não é um cão (ou uma flor exilada)

Dizem

que o mundo é cão

e quem o diz

ignora

que um mundo cão

não é a representação 

que querem impor ao mundo. 

Que deste mundo se diga

que não é flor que se cheire

também é seta sem alvo certo

pois as flores não são repúdio para narizes

e às piores flores

pode apenas cair em libelo

o serem inodoras. 

Diga-se do mundo,

em ativação desse desprazer congénito

dessa verberação 

que ferve no sangue que se não curva,

que é limítrofe 

a uma câmara de horrores

ao olhar cansado 

que arremata as consoadas desimperativas

aos fingimentos tornados código de conduta

às carripanas 

que ultrapassam os limites da decência

ao usar, como palavra maldita,

decência

quando a decência é o desviar dos olhos ingentes

diga-se

deste mundo que é a nossa coutada

que é indigente.

Proteste-se

contra as dores excruciantes 

que fazem aderir à pele

os farsantes que deixam conceitos vagos

os lídimos apanhadores de cereja moral

mais a incorrigível mania de açambarcarem vidas outras

o leme viscoso 

a que deitam mãos os medíocres entre os medíocres

o tanto húmus adulterado de normalidade,

em cinco palavras, 

o mundo virado do avesso,

tão do avesso que o estuque não adere

por deixar de ser possível saber

o que é o avesso e o seu avesso

 

(sem contar

que o avesso do avesso pode não ser

o contrário do que se intui 

na antítese do avesso).

 

Mas não se diga

em desabono do mundo-exílio

que tem parecenças com um cão

ou com flores imaginativamente fétidas

que nem os cães nem as flores

merecem ser portadores da metáfora,

nem o mundo é idílico

para se disfarçar atrás 

de cães venéreos e de flores vadias. 

#2624

A bula

embebe o espírito 

num bálsamo.

18.12.22

#2623

Muda a consoante:

emudece,

consoante muda. 

17.12.22

#2622

Este é o magistério

as confidências imarcescíveis

à prova de farsa

à prova de corruptelas. 

16.12.22

#2621

O tempo

mentiu

aos meteorologistas.

 

[Arqueologia de uma tempestade imprevista]

Não venham tarde os dirigentes do nada

Coloquialmente

o vento fala com os dentes todos

mostra as unhas propositadamente por tratar

como se ensinasse

nos ensinasse

que a descivilização é que compensa. 

 

Insistentemente

gatos com cio arrancam um fio à noite

lutam entre eles

masculinamente marcando coutadas

mesmo sabendo

que não será em vão a espera. 

 

Propositadamente

afiam-se as facas

que a peleja pugna pelo sangue

desejavelmente o dos outros

que o próprio é alérgico a agulhas

que é o mesmo que dizer

só admite a batalha

se a der como vencida à partida

(se não, tomem-no como contumaz). 

 

Idilicamente

o corpo enamora-se nos socalcos da noite

abraça-se a um seu congénere

cuidando de saber diferente do seu o género

e no feixe de luzes que se poetiza

sente o epílogo como campo de batalha

mas redime-se dos pesares

e proclama

oxalá as batalhas fossem com estas armas,

como estas armas,

e o sangue tivesse nome 

noutra seiva.

Injustiças indocumentadas (53)

[Resposta a injustiças indocumentadas (52)]

 

(Na volta

o diabo é deus 

em pessoa.)

#2620

Para não deixar oxidar 

a relativização de tudo:

há as mentiras boas

(dizem: piedosas)

e as boas mentiras

(dizem: periciais).

Injustiças indocumentadas (52)

Deve ser 

uma grande ajuda

vir o diabo e escolher.

15.12.22

Manifesto contra os diminutivos

Estas estranhas mezinhas

que se entranham 

comezinhas

como se fossem

madrinhas mazinhas

a quem a mão puxa

para o lúbrico rodopio

e nós

sentidos inocentes

todavia imunes às falinhas 

de quem não se espera que mansas sejam

nem espezinhas

apenas proclamações gentias

que não se fingem

nem no mais fundo das entranhas

nós

os não valentes

nem valetes por conta

que espreitam

no protesto dos diminutivos

oh! manigante peste

pior 

do que as mais temidas pestes.

#2619

Estas são as clepsidras

que abrandam os sonhos

as clepsidras

que amansam as águas.

14.12.22

Tribunal superior

Sai dessa pele

no teu papel de sobrinho da esperança.

Pele

em vez de osso maduro

nem que seja em impuro esbracejar

a indulgência dos almocreves

a certeza dos infantes. 

 

Sai da pele

que careces de corpo em nome próprio

esteta infinito

poeta antecipado

mecenas postergado

procurador dos muros sem pousio

assim achado numa clareira onde houve fogo

matriz promitente no denodo dos dias. 

A pele que trazes tatuada

é candidata a estilhaço

mourejando nos flancos de um mar adormecido

depois do tumultuoso dia que o arruinou. 

 

Sai da pele;

precisas de outra

e só não sabes que costuras serão suas

e a sua gramática sortilégio. 

 

Não é de uma pele servil

o amancebado distrate em falta,

nas convulsões adiadas 

que espreitam pela escotilha de um luar furtivo

luar eflúvio

que rima 

com o flúmen onde teu olhar repousa. 

 

Tua será uma pele subjacente;

ou uma pele herança

fruída num futuro sem data

à espera

sem a espera das contingências

como se num adro vazio

todas as estrofes levitassem

à espera de vez

à espera da declaração de autonomia. 

 

Sai dessa pele

e encontra a Primavera 

que se insinua nos poros suados

torna-te o trono dessa Primavera

e escreve

num papel feito de rosas 

o teu nome a ouro

o teu nome

de ouro.  

#2618

Uma vez

chamaram-me

erudito.

 

Não me pareceu

que fosse

elogio.

#2617

O fogo puído

em vez do frio,

a reparação do amanhã.

Injustiças indocumentadas (51)

Ninguém

viu orelhas

coladas às paredes.

13.12.22

Ocultação

O areal 

era testemunha do mar

que lhe arrancava pedaços do rosto

a meio da acrimoniosa maré. 

No vento

dir-se-ia cavalgarem, 

escondidos,

vultos empenhados em contrariar a sorte. 

A coligação entre o mar e o vento

castigava o lugar

dando-se ao Inverno

dando a seu nome toda a propriedade. 

 

Não se diga 

que não houve vítimas:

pescadores desavisados

sacerdotes desempossados

escrivães de matéria baça

uns quantos senhores de aristocrática mentira

outros que passaram rente ao esbulho.

Nenhum diga

que não foi sujeito de aviso

e que as estrelas caiadas se deitaram 

num musgo inválido

mesmo a preceito,

mesmo.

Injustiças indocumentadas (50)

Não pode 

ser mau o tempo

em tempo de estiagem.

#2616

O abotoado sorriso

a esmo

mesmo que seja Inverno.

12.12.22

Sem absolvição

Não se inaugure o salvo-conduto

que não há tanta renúncia a ditar

perante os degraus onde transitam

interiores consumições.

 

Absolvição

se houvesse culpa;

ou

mesmo sendo a culpa reconhecida

a prestação de contas delimita-se

ao território do ser.

Não cuidem da absolvição

se ela não foi impetrada. 

 

Fujo dos braços generosos

dos juízes maneáveis

que se amesquinham nas brandas

de onde tem idioma 

a complacência.

Fujo

pois não meti requerimento

para a complacência

e menos ainda pretendo

que me salvem dos piores infernos

por meu será o padecimento

se deles vier a ser inquilino.

#2615

Se ao menos

pudesse levar a nau

até ao epílogo da cordilheira.

11.12.22

Injustiças indocumentadas (49)

Por tanto andar

nas bocas do mundo

caiu na má graça

dos cidadãos em geral.

#2614

Abstração ou obstrução

sempre os soubemos

tese e antítese.

#2613

O nascer do guia.

A nascer

o guia. 

Matéria fundente

Desde o dia feminino

uma glicínia oferece as pétalas

perfumam a cama de folhas outonais. 

A curvatura do corpo

fermenta na rebeldia dos elementos

como se apenas contassem

as paisagens retidas no olhar imorredoiro. 

E depois

deixamos em palavras

o nosso festim

os beijos que as bocas incensaram

os corpos em forma de dádiva

semântica de desligamento

uma fábrica com a mão-de-obra insubmissa.

Esta é a fratura exposta

sem gesso como remedeio:

exposta

por não se esconder de segredos

e neles se tornar o magma fundo

dos próprios segredos. 

Não contamos com prazos de validade

nem somos candidatos à angústia. 

Os medos contam como candeias:

à sua custa

superamos as cordilheiras remotas

soubermos ser 

poetas antes do próprio poema. 

10.12.22

#2612

Em negociações

entre a apatia da manhã

e a extinção do entardecer.

9.12.22

Pivot

É a fulgurante incisão dos desacontecimentos

como se fosse 

o desapertar de uma camisa-de-forças

a lava intempestiva que fala com a boca do vulcão

ou a cordilheira que se agiganta no espaço do olhar:

em tudo 

espectros demissionários

vultos às voltas com insónias

extintos, enfim, 

com a água retirada de uma boca de incêndio,

as mordaças que calaram o passado

os fogos ateados à pele arrefecida

os palcos feitos de sobressaltos

os hotéis onde moravam pesadelos mordazes

todas as vendas que condenavam ao silêncio

e as cortinas onde desmaiava 

o entendimento de tudo. 

Agora

só contam os agoras retesados

num leilão sem agenda

a boca que precisa das palavras irrefreáveis

o teatro onde se jogam as farsas sem máscara

contra os mendazes que enchem a boca de verdade

(em mentiras elevadas ao quadrado)

os vocais embaixadores de causas avulsas

que escrevem leis de bronze em camas de xisto,

todavia,

em tinta sem ser impermeável

que se abate com as chuvas inaugurais. 

Este é o desacontecimento

a desfiguração do mundo teimosamente ideal

reduzido à sua imensa fragilidade,

enfim,

ao reconhecimento da sua escondida fortaleza. 

Sem aspas nem metáforas a arredondar as palavras

sem compensações por perdas que são pretextos

sem o exaurido lugar em que todos procuram

habitar um lugar 

que não é seu. 

Injustiças indocumentadas (48)

Antes 

uma carga d’água

do que

uma carga d’ombro. 

#2611

O dicionário

não trata das almas

e essa é uma culpa

que não é do dicionário.

8.12.22

Vindima

Bebemos as mãos;

as mãos que tudo têm para contar

elas, 

servidas na fábrica do entendimento

em que tudo se anestesia

em perguntas 

que levantam as cores do céu. 

Tu dizes:

dou-te o meu perfume

nos versos que as mãos desenham 

no teu corpo. 

Eu esperava. 

Fingia dormir

enquanto as tuas mãos

faziam do meu corpo um mapa

e não podia fingir

não podia fingir

que a madrugada não fala ao ouvido da noite

nem as pétalas vertidas pelos teus dedos

eram como a cura 

para o que precisasse de cura. 

Lembrava 

os novembros desmaiados,

como eram compensados

pelo teu sussurro que me cercava

como se fosse abraçado por uma ideia de ti

pois de ti 

sabia de cor a cor que havia por saber

os tremeluzentes dedos ungindo as palavras

com o prazer irrenunciável;

o prazer de nós sabermos 

à distância das mãos

e por elas falarmos

as estrofes de poemas apenas guardados

na memória.

#2610

A beata

protesta contra a beata

por o chão

não ser lugar

para a beata estar.

7.12.22

Naufrágio sem socorro

Sem meias medidas

o naufrágio estrepitoso

açambarca o ocaso abreviado. 

Não se compensam as falas arrependidas

autênticos bálsamos de farsas

todavia, 

farsas legítimas;

pois se tudo não passa

de um teatro imenso

cobrindo todas as latitudes e longitudes

traduzindo os verbos venais

por semântica com direito a panteão. 

 

O que dizer dos mares arrevesados

que industriam o naufrágio?

Que dizer dos náufragos

pois se ninguém se convoca

para o papel de vítima?

 

A indulgência atravessa os corpos

deita-os na rota das culpas sem autor 

 

– ao contrário da cozinha de autor

esse terrível modismo

em que o autor se apega ao narcisismo. 

 

A indulgência

é a pior traição 

de que podemos ser avalistas;

não remedeia naufrágios

nem sumptuosas e, porém, risíveis

exibições de candidatos a arcebispos da idiotia

pese embora a idolatria

pese embora

as tentaculares redenções

que não passam de disfarces. 

Que os vultos perenes 

não descolonizem o horizonte. 

Se a manhã não fosse infernalmente crepuscular

seríamos autómatos da indiferença

sitiados numa enseada sem saída

condenados a ruminar 

entre as perdes corrompidas de um labirinto. 

 

No fundo

estaríamos no fundo

sem sabermos;

que é a geografia própria

de quem foi abraçado 

pela pérfida sereia

do naufrágio.

#2609

O pivot do telejornal

a jogar à patela

com os acasos do mundo.

6.12.22

Monumento

Risco as farsas

os mapas amarrotados

as vozes que contrariam o silêncio

e vou 

pelas montanhas intrépidas

saltando os ribeiros que se agigantam

prometendo os dias sem crepúsculo

 

o miradouro a subir

desde as minhas mãos. 

 

E não deixo o sono vingar

não quero ser 

colónia de sonhos avulsos

simples matéria passiva à mercê dos sonhos

não deixo

que os atónitos passageiros da cidade

se amordacem na matéria invisível 

ou que sejam apenas

 

peões

meros peões

 

numa aritmética acima das suas possibilidades

para se tornarem irrisórios números

condenados à decadência antes do tempo. 

 

Arrisco

que não são profecias

estas aqui costuradas com a saliva da rebeldia

apenas

 

um desejo que se deseja

 

na primeira pessoa 

do singular. 

#2608

O Outono na Rússia

é mais Inverno

do que o Inverno 

em Portugal.

5.12.22

O adro das intenções

Pelo fundo da garrafa

o pináculo da audácia

numa cordilheira de juras.

Amedronta-se o medo:

nem vulcões irascíveis

lobrigam o rapto do sono

nem eles

fermentam o desassossego militante.

Amedrontem-se

as estrelas cadentes

os astronautas de galáxias amancebadas

os regentes garbosos:

pelo fundo da garrafa,

que é onde sobra a valentia pura,

os dias chegam ao peito

e são eles que se afeiçoam

à lava incandescente

imparável

que sobe à boca

contra as vendas amestradas

os emissários do silêncio

os procuradores da tirania arrevesada.

Até que o fundo da garrafa

traduza a inteireza

apenas a inteireza

que não capitula 

às reticências oxigenadas

pelos apóstatas da liberdade

que não desaprendem de cuspir

no direito a ser 

que é o ser dos outros.

Injustiças indocumentadas (47)

A idade média

não é 

uma média de idade.

#2607

O suor

que fala pela alma

o idioma embainhado

no sacrifício.

4.12.22

Testamento

Testamentário 

da vontade dos deuses

vestia o oráculo sem flores a ornamentá-lo

e murmurava

no cio do dia

os versos saídos de sonhos

os versos

que outrora ficavam 

reféns da desmemória.

#2606

O artesanal sentir

em vez 

do malquisto penhor

ao irmos de visita

a mercados larvares.

 

[Dirás não ao ominoso capitalismo]

3.12.22

#2605

O elevador da glória

é puramente

antidemocrático.

2.12.22

Fogo de artifício

Os segredos

ouviam-se em sessões clandestinas

quando todos estavam a dormir

ou em lugares adivinhados pela ausência. 

Os segredos

se viessem a ser contados

estariam por conta de catástrofes

por não irrisórias bombas crepusculares. 

Os segredos

são facas afiadas sobre o futuro

penhores que absorvem o oxigénio

areias movediças só depois de lá entrados. 

 

Se sumissem os segredos

o que seria das mentiras?

E se fosse declarada extinta a mentira

            

(que o seria

certamente

pelos maiores mitómanos)

 

deixariam os diligentes curadores da verdade

de falarem seu nome?

#2604

Nem as fronteiras

travam o nómada.

#2603

Logo em menino

queria ser arauto da moral.

Ninguém lhe explicou

que estava condenado a fracassar.

1.12.22

Injustiças indocumentadas (46)

Quem se ri

a partir um coco?

#2602

Benzina, dantes

cripto moedas, agora.

(E depois, amanhã?)