Dizem
que o mundo é cão
e quem o diz
ignora
que um mundo cão
não é a representação
que querem impor ao mundo.
Que deste mundo se diga
que não é flor que se cheire
também é seta sem alvo certo
pois as flores não são repúdio para narizes
e às piores flores
pode apenas cair em libelo
o serem inodoras.
Diga-se do mundo,
em ativação desse desprazer congénito
dessa verberação
que ferve no sangue que se não curva,
que é limítrofe
a uma câmara de horrores
ao olhar cansado
que arremata as consoadas desimperativas
aos fingimentos tornados código de conduta
às carripanas
que ultrapassam os limites da decência
ao usar, como palavra maldita,
decência
quando a decência é o desviar dos olhos ingentes
diga-se
deste mundo que é a nossa coutada
que é indigente.
Proteste-se
contra as dores excruciantes
que fazem aderir à pele
os farsantes que deixam conceitos vagos
os lídimos apanhadores de cereja moral
mais a incorrigível mania de açambarcarem vidas outras
o leme viscoso
a que deitam mãos os medíocres entre os medíocres
o tanto húmus adulterado de normalidade,
em cinco palavras,
o mundo virado do avesso,
tão do avesso que o estuque não adere
por deixar de ser possível saber
o que é o avesso e o seu avesso
(sem contar
que o avesso do avesso pode não ser
o contrário do que se intui
na antítese do avesso).
Mas não se diga
em desabono do mundo-exílio
que tem parecenças com um cão
ou com flores imaginativamente fétidas
que nem os cães nem as flores
merecem ser portadores da metáfora,
nem o mundo é idílico
para se disfarçar atrás
de cães venéreos e de flores vadias.
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