30.4.24

Estridente

Olhou por dentro

a estranha locomotiva 

negociava a paragem a tempo

o velho absorto 

tirava partido dos versos embainhados

a musculatura dos rostos 

adestrava um sorriso

antes

que a maré dissesse que era tarde

que as lâmpadas apagadas 

cerceassem a noite

que imperadores errassem 

em lugarejos especulados

e mestres de artes variegadas

empunhassem o cetro indiviso

e dissessem

com a respiração mineral 

dos contadores de histórias

que tinham metido greve no calendário. 

Injustiças indocumentadas (347)

É preciso reparar 

que reparar é o consentimento 

do despassado.

#3138

Olho à distância

as cicatrizes do mundo

fujo de ser vítima tatuada.

29.4.24

Aterragem forçada

Se soubesse o idioma das marés

dispensava as pontes

os frugais heterónimos do Verão

um lugar no sol da meia-noite

como se as sinfonias alisassem as cicatrizes

e em vez de portas 

as arrecadações no postigo espreitassem

o céu preparado para o ocaso. 

 

O que nos vale

é que não há arco-íris à noite. 

 

A chuva não se mistura 

com os barcos estacionados

ensinada a cair onde a terra precisa. 

 

Os velhos

já não acordam para as conspirações;

não acordam às conspirações

preferem usar a baioneta servida a palavras

do que esculpir sonhos que precisam de tempo. 

 

Quando se amontoam os barões ajaezados

confundidos com o testamento dos tempos

as palavras engrossam no fino caudal da tarde

fingem que dão a volta ao mundo em meia hora

enganando os guardas-noturnos ensinados

no auditório encenado onde só os profetas

são esquecidos. 

 

Não é deste esgrima que se alimentam

ou a greve de fome atraiçoa os sentidos

por mais que se esforcem por ser vulcões

outra vez vulcões

porventura derrotados pelo raiar de maio.

Injustiças indocumentadas (346)

Os cinco minutos de fama

nunca duram cinco minutos. 

#3137

Guardas o relógio

onde amanhecem as palavras

e esperas

que as quimeras inaugurem o dia.

28.4.24

Injustiças indocumentadas (345)

Cobras e lagartos

também servem

para sapatos.

#3136

Eu

acredito.

Até

no inverosímil

descafeinado.

27.4.24

#3135

Entra

pelo nevoeiro inaugural

o barco altivo

pactuando com o silêncio 

através das velas levantadas.

26.4.24

Injustiças indocumentadas (344)

Quando chegasse

a grande

queria ser

marco geodésico.

Rouxinol

Através das saias do tempo

antecipo a luz que trespassa o dia

um rosto coibido no estirador do luar

a neve adiada na Primavera provecta. 

As folhas esbracejam ao vento

fogem das palavras entardecidas

como se de um microfone se ungissem

e na pele de um lobo emudecessem

amotinadas em musgos sem preparativos. 

A voz muda a conspiração

deixa-a, hibernada, no púlpito dos olhos torpes

levantando um auto contra os histriões

a maçada que se amanhã contra o dia suplício

e no fogo abraçado que caldeia tempestades. 

 

Sou este lugar ávido

um limão separado das ramagens

olhando de atalaia para as rodas fluviais

precocemente endoidecendo os dedos gastos

como se pela praça centrípeta

passasse um circo mudo

um relógio perenemente atrasado

três anciãos derrotados pelo tempo madraço

volteando as cordas lassas que vêm do miradouro:

este 

é o altar

sob o lume das candeias

os mares que cabem no colo

uma miragem tirada do caudal amarelecido

o cio confiante. 

 

Dizem

o medo foi extinto

e eu era capaz de hipotecar 

um pedaço de alma

era homem 

para deitar a coreografia à sorte

só para ver 

que número saía em sorte.

#3134

Oxalá

o amanhã

seja indisciplinado.

25.4.24

Injustiças indocumentadas (343)

25, de Abril sempre.

#3133

Da madrugada sideral

a memória futura

da metáfora intemporal.

24.4.24

Injustiças indocumentadas (342)

Não queiras matérias-primas

as matérias-tias são mais experientes.

Narizes & varizes

Cultiva o heavy metal

já que não podes deitar mão

ao light metal

nem a captura do carbono

participa nas empreitadas

verossímeis.

 

Os escândalos deviam ser

órfãos

para não ser ofendida

a virgem, dignidade democrática 

e todos sabermos 

de lição feita

que a igualdade (não) é uma patranha.

 

Se deres um pé de dança

onde deixas o outro?

 

Aloja os morcegos mentais

que disparam coreografias coerentes

que disparam fotografias indecentes

quando o entardecer beija a noite.

 

Por falar em beijos

quantos deste hoje?

 

(De tantos, ou poucos, dares

fica por conta do crédito

na santa horinha de subires ao céu,

sem ajuda da escada dos bombeiros.)

Injustiças indocumentadas (341)

Mulheres a dias.

Mulheres há noites.

Injustiças indocumentadas (340)

Wish

the

fuck.

#3132

Hoje vesti

cor de sim,

é véspera

de júbilo.

23.4.24

Quintal

De cada vez a boca morde o mundo

estorva os logros arrematados no caudal invernal

absolvendo os párias alinhados na parada

em rima com o horizonte desembaraçado

que promete dias maiores do que espelhos. 

 

Sou o mecenas literal que escolhe os baldios

a espada que se recusa a dilacerar

um ónus do avesso enquanto se cumpre a chama

as ondas revoltadas subindo o abismo adunco

um estaleiro inacabado que se não adultera. 

 

Participo no afogueado despique de silêncios

atravessando as cordilheiras sem o espaço do tempo

cobrando a lava que amedronta pesadelos

na estreita enseada que não aceita embaixadores

antes que de mim façam etéreas cinzas

antes que seja um neto despojo

no alfabeto dos medos assinados.

Injustiças indocumentadas (339)

É mesmo verdade

que a mãe do rato

é a montanha

e que Maomé é tão importante

que até a montanha veio até ele?

Injustiças indocumentadas (338)

Deve ter a mania das grandezas

a nódoa 

para se derramar no melhor pano.

#3131

Sonhou a farsa

e não era palco,

a divisa fraca

por conta própria.

22.4.24

Microscópio

Desliga o motor da desconfiança

lê os sinais de fumo do luar

a malapata é uma farsa sem provérbio. 

 

Alimenta os obesos de ideias

terça o verbo afiado

contra os estetas de dietas cruéis. 

 

Canta por dentro do átrio

até os versos distorcidos

na paleta onde se esconde o vulcão. 

 

Não te dês aos talhos 

foge dos punhais debruados a injúria

e admite os cães gastos no jardim recuado. 

 

E se dormires no sopé da tarde

que sejam almirantes os sonhos 

e não alucinações destemperadas. 

 

As palavras todas fatiadas, todas janotas,

juntam-se à sede dos equinócios

e tudo soma um arroz que não deve a Baco. 

 

Antes que o convés te arranque da letargia

as horas gastas sem paradeiro

a música cercando-te por todos os poros. 

 

Está é a estultícia dos fracos

a forca onde são decepados

o sangue a esmo na estimativa dos segredos. 

 

Até que do novo sejas arcano

e no olhar gasto te assenhoreies

das estrofes onde se embelezam os nomes.

Injustiças indocumentadas (337)

Mnemónica para os conservadores:

lavrar em ata

a intendência

do Ministério Púdico.

#3130

Vermelho

o céu incandescente

a vela do entardecer.

21.4.24

Injustiças indocumentadas (336)

Em desacordo

com fontes mal informadas

o dia um de abril

já não é os outros dias do ano.

#3129

Servi 

o verbo ambulante

a monotonia 

tira-me do sério.

20.4.24

#3128

O mundo

está a precisar

de um sedativo

para se esquecer

que existe.

19.4.24

Praça do silêncio

A praça descansa no litoral da tarde

com o leve desassossego 

de estudantes boémios

e a proverbial charla 

entre os comerciantes vizinhos. 

Antes que seja noite

antes que os estabelecimentos hibernem

deixando de fora a musculatura mercantil

que fica de véspera à espera

da ossatura dos clientes. 

Nessa altura

a praça ganha direito ao exílio

os ladrilhos voltam a ser obra de arte

então sem ser agredida 

pelo calçado dos utentes. 

Da noite

a praça só tem o testemunho

do silêncio

que rima com a solidão

e não se importa com a descompanhia.

Injustiças indocumentadas (335)

Desconfio

que o XXXI governo constitucional

vai apanhar com um 31 colossal.

Injustiças indocumentadas (334)

Dar uma mão

ou duas,

mas não mais.

#3127

Era ainda

muito manhã.

O silêncio,

o idioma.

18.4.24

Radicalismo

As rodas-vivas

só para contrariar a morte

espelhos que avivam as cores

delas fazem disfarces propositados

um galanteio à estética em forma de verso

ou apenas 

um logro

para manter a anestesia geral

em forma de letargia. 

 

O que seria de uma roda-viva

se fosse atirada 

para o poço da morte?

 

Mecenas autorizados

esclarecem

o sentido da vida:

é como uma levedura

empolada na fermentação

frouxa quando esfria

à saída do forno. 

 

Os luditas 

mergulham nas profundezas das farsas

encolhem a noite 

para não serem seres inanimados

e se os idiomas párias estremecem em pesadelos

é porque deixaram aos demónios 

a curadoria dos dias

espaçados entre as cortinas 

que se agitam no caudal do entardecer. 

 

As guitarras arranham um som descolorido

arrematam as sílabas furibundas

e na melhor escotilha

sem esperar pelo rastilho

os homens aturdidos recolhem o arco-íris 

levantam com as mãos a âncora funda

só para deixarem 

um envelope com versos

pois não acreditam 

no fado de garrafas deitadas borda fora. 

 

Ninguém sabe o paradeiro das marés. 

Ninguém se sequestra no convés ermo. 

As muralhas do medo não se escondem

não se agigantam 

no perdido movimento banal

dos amantes do estertor

dos sibilinos generais dos arsenais 

desarmados. 

Injustiças indocumentadas (333)

Troca-tintas,

as cores

estavam do avesso.

#3126

Disse

o não-dito,

no refúgio

da inverdade.

17.4.24

Desacontecimento

Leve o vento

que te leva

entre as levas

que levitam.

 

Leva o vento

antes que em ti leve

o vento te leve

e não te subleves.

 

Lava o vento leve

que atira a lava

a favor da leva 

que se levanta.

#3125

Não imaginas

o que a imaginação

imagina por ti.

16.4.24

Interrupção

O casario sobe a colina

no seu dorso o açaime do silêncio

o refúgio das casas habitadas

todas aquelas vidas sem nome

anónimas

como a parte do rio feita de urina desaguada. 

 

Não são segredos que se desembaraçam

na coutada das mãos arrefecidas

é a maresia arrancada ao mar amaciado

o remorso tingido de medo

na sepultura avivada que entontece

no divã do futuro desalinhado. 

 

Os olhos são como idiomas

juntam-se à pele amanhecida

no cofre das sílabas desenhadas

com o ouro da língua. 

 

Os versos

não são sobre os moradores

ou o lugarejo com as casas como presépios. 

 

Os versos

não são sobre a perfeição confecionada

ao anoitecer

pela coreografia de corpos sem número

ou do desejo que fora feito património. 

 

Os versos

são um feixe de luzes combustíveis

que irradiam no céu avulso

deixando o chão ornamentado

pelas vozes litorais

em cores arrancadas ao siso.

#3124

O chapéu sem sol

adormece 

na litania de um pesadelo.

15.4.24

Assanhado

As rosas sangram o carvão fervido

desencontradas do vulcão amordaçado

procuram nas raízes a água módica. 

 

Sangram a lava messiânica

dançando no viés das nuvens

enquanto há precipício para amar. 

 

Lava o chão puído

a lava debitada da boca irreparável

no freio solto da língua aferroada. 

 

Do chão falam os sepultados

o idioma tartamudeado entre vírgulas

dado ao suor noturno em vez de pesadelo. 

 

Não houve elegia no planalto varrido a vento

os dedos cruzados suplicam cores extasiadas

e dos rostos intactos sobram áleas cumpridas. 

 

O socalco esculpido deita-se no ocaso

as arcadas da noite quase juradas

no mercadejar silencioso dos artífices. 

 

As contas que nunca são feitas

na conspiração de anónimos zeladores

deixam órfãs as dádivas sem manhã procuradora.

Injustiças indocumentadas (332)

As cartas

em cima da mesa

ou em temporada no correio?

#3123

O mar

entre o seu murmúrio

e o segredo condimentado

guardado no peito dormente.

14.4.24

Roll the dice

Joga-se com o caos

à espera 

do idioma da vingança

e ninguém repara

que o caos pode encomendar

a vingança 

como paga da usura. 

#3122

Arrefece

no sangue solene

a bala ao acaso,

o paradeiro incerto.

Injustiças indocumentadas (331)

Beco,

com saída.

 

[Vigília]

13.4.24

#3121

As asas sentadas no devaneio

conspiram com as nuvens:

doces são as horas a seguir

não o mosto arrancado ao torpor.

12.4.24

Baldio

Jorro

num jato

a jactância

e não cubro

nem cobro

o cobre acabrunhado. 

Luto

pelo luto

num lugar

em que medram

mortos em profecia

dos marcos finitos. 

Enceno

sem seno

o sino sentinela

depois do sono

sonso. 

Mondo

o mando métrico

sem mando

o monstro mancebo. 

Calço

o calço que cansa

na calça camba

que coça a cedilha. 

Um penso

no que penso

para não ter de pesar

o peso apenso.

#3120

O carrossel desfalece

no crepúsculo diuturno

arrumando a sombra capataz.

11.4.24

Sem as asas de um anjo

O objeto imóvel

espera

na paciência enferrujada

ou 

imerso em ciência imponderável

contra a matilha enfastiada

atirando as pedras angulares.

 

Sonha 

com a de agência dos visionários

sonha

enquanto, imóvel, 

anoitece no sono.

Injustiças indocumentadas (330)

O tira-teimas,

a tiracolo.

#3119

Corrigiu o futuro

antes de perceber

o que é um paliativo.

10.4.24

Bíblia ambiental

Deste petróleo

não dás a beber

que a inveja farta

não cabe no alforje.

 

Deste o petróleo

na encenação generosa

e não soubeste parir

a fratura do pretérito.

 

Deste petróleo minado

à míngua destarte

que pilhas amontoadas

servem para ser arcaico.

 

Não é desse petróleo

que verdes empenhados

aceitam loas

antes que seja funda a cova

e a terra-mãe se exaura 

num simulacro de solução.

Injustiças indocumentadas (329)

Arroz,

malandro!

#3118

Não se menoscabe

a roda-viva

pois a roda está viva.

9.4.24

Ramal

Casual

o desprendimento de um ramo

uma palavra mal colocada

deixando a frase a azedar

um cão faminto à espera dos despojos

a menina corada

envergonhada pelo senhor 

tão estranhamente amável

o circo desfeiteado pela alarvidade da chuva

o mosto arrumado nos desperdícios

um planisfério em forma de candeeiro

(ou o contrário, se calhar)

a moeda metida entre os dentes salários

a vetusta matrona depois da dieta

o chocalho da vaca no testamento da manhã

o homem possuído pela coragem admirável

os navios numa nesga do rio

o corcel desemparelhado

as fuças de um lobo atrevido

a mata que esconde o calor

três mil seiscentos e quatro euros de multa

o diâmetro enfiado na culatra

as pegas com os dentes podres, a grasnar

o tira-teimas a tiracolo

a desseleção nacional, ah pois é!

a matriz dos selos usados

a catedral ruidosa

a central de cervejas confundida com oásis

o camartelo (apenas)

a senhora com a perna matematicamente cruzada

o arroz salgado

as portas com a serventia do avesso 

a pedra remendada antes que seja lousa

ou a ametista

o património da desumanidade

o acaso do ocaso

o miradouro esquecido na página anterior

o percutir assimétrico do comboio

a vantagem complementar

as gravatas colonizadas pelo bolor

o xadrez puído

o senhor engenheiro estacionado no lugar proibido

a maturidade à procura de paradeiro

o indexante asfixiante do mutante

a razia, a razia principal

o fumo denso do tabaco proscrito

(que a civilização avança

oh, se avança!)

a vingança frita no óleo dos rissóis

os zangões impecavelmente zangados

o florete perdido na paragem do metro

a trovoada que foge do entardecer

a câmara municipal não sabe do autarca

a moda saiu de moda

o esquilo a fazer pose

o ministro da pátria imovelmente esquecida

o desarranjo intestinal

o quadro em branco

as marias exiladas e os manuéis estatuados

a pose – silêncio – de – respeitinho – estadista

o curso de desinformação

mais o preço da moeda má. 

Uma ilustração. 

O eclipse a passar de rasante

e o canto dos pássaros 

a fazer lembrar 

o uivo dos lobos avulsos.

#3117

Os faróis nos máximos

para diluir a noite

na véspera dos olhos rasgados.

8.4.24

Rua direita

Acabou

o século vigente

na boca de demónios sem sangue

disfarçados em métricas errantes

bolos averbados no distante extinto

que se usa na manga arregaçada.

Injustiças indocumentadas (328)

O rei e o roque

o presidente e o rol.

Injustiças indocumentadas (327)

O pobre,

a lamber botas;

quando podia lamber

lascivamente.

#3116

Desminado o crepúsculo

seguia o dia o curso viável

esperando o sonho

incontroverso.

7.4.24

Mausoléu a dias

Mudas as chaves, talvez compense; 

da noite reclamas o apátrido silêncio

cultivas o fingimento para não seres 

inverosímil presa dos altivos marçanos

mobilizados a favor da indigência

e tu, solteiro de causas,

no sopé da perplexidade

desafias os dentes de tigre mordidos na carne

folgas com a obediência dos demais

sem saberes o que fazer

com tanta rebeldia estacionada nas mãos. 

 

Arrumas as sílabas ao canto esquerdo da página

para não seres surpresa para os conhecidos

e absolves as cordilheiras onde empilhada

descansa a volumetria do desvario. 

 

A lama adesiva 

esconde-se nos interstícios da alvorada

como se fosse 

um posfácio do dia vespertino

ou uma ponte fizesse a junção dos dias separados

e tu, provocador sem estrado,

estilhaçasses as bocas plausíveis

dos engenheiros da letargia. 

 

Não te comoves com a bondade apática;

deixas a escotilha aberta

para os enigmáticos pesares que arrebatas

dos lutos limítrofes. 

Convocas o adeus

essa sumptuosa declaração de finitude

convencido da probabilidade da morte.

#3115

Estendeu o dia 

até sair do perímetro dos braços 

só para sentir 

o que é a soberania.

6.4.24

Setentear

Setentear

como se pedissem à pele

um ocaso

o sexo embriagado

em memórias de nevoeiro.

#3114

A candeia amestrada

bruxuleia, hesitante:

faz-se ao caminho incógnito.

5.4.24

Injustiças indocumentadas (326)

Creio poder afirmar

com toda a propriedade

antes ser assim

do que assado.

#3113

A boca sem aval

no auto frágil do dia

avança com as sílabas inteiras.

Injustiças indocumentadas (325)

Trás-os-Montes.

Traz 

os montes.

4.4.24

Harmonização

De todas as tochas

acesas as que simulam a sede

que nem mil rios encobrem

o hesterno pesar pela prosa vindoura. 

Ai de nós

que apoucamos a pele que temos

e por miragens nos fingimos heróis

vetustos a destempo

no contratempo deslindado 

sob os holofotes dos profetas desmentidos. 

De todas as tochas

empunho as que vertem lágrimas de seda

e desmontam os desperdícios de palavras. 

Desses

risivelmente gongóricos

em marés baixas que anoitecem avulsas

trocando sílabas por indolência

de todas as corrupções a maior.

Injustiças indocumentadas (324)

Das boas línguas

ninguém 

fala.

Injustiças indocumentadas (323)

Tira as teimas 

antes que 

as teimas te tirem a ti.

#3112

A fábrica do rancor

onde sangue e azedume

juram ódio perene.

3.4.24

Espelho baço

[Espelho baço,

espelho baço

diz-me 

quem a autoestima

tem em pior cadastro

do que a minha.]

 

Sei que não é poético

fazer um poema que começa por

varizes.

 

Antes que sobre mim se abatam

os anátemas

em minha defesa tenho a dizer

que só tentei ser

poeta.

#3111

Firmo a voz

na enseada matinal.

Arranco do medo

a gramática tutelar.

O choro do pássaro repentino

O choro do pássaro repentino

tantas as pontes sulcadas

entre a migração 

e onde a agulha da bússola

mandou aterrar. 

O choro

não por dor sua

antes o suar da dor dos outros

pressentida nas asas que abertas

recebiam ventos de diferentes paradeiros. 

O choro por procuração

não havendo quem queira desse choro

nem um duodécimo. 

O choro,

generoso 

antes de o pássaro 

querer aninhar na casa da partida.

2.4.24

Injustiças indocumentadas (322)

Um número redondo

é contra 

o seu quadrado.

#3110

Deixa o apogeu

como marca de água

a moldura que se aviva

na pele tatuada.

1.4.24

Gramática noturna

Na noite órfã, 

o sono perdeu o chão

para a rebeldia da insónia.

 

Depois da hora adiada

as paredes alvas desmaiam

e às mãos despoja-se a capitulação.

 

Sem a conjura dos demónios

avanço uma pétala

contra o penhor da noite.

Injustiças indocumentadas (321)

O medo

            existe.

 

Não

            o medo.

 

Existe

            o medo

                        não.

 

O medo

não

            existe.

#3109

Cabelos soltos

o vento que fala,

ou apenas 

uma miragem.