26.4.24

Rouxinol

Através das saias do tempo

antecipo a luz que trespassa o dia

um rosto coibido no estirador do luar

a neve adiada na Primavera provecta. 

As folhas esbracejam ao vento

fogem das palavras entardecidas

como se de um microfone se ungissem

e na pele de um lobo emudecessem

amotinadas em musgos sem preparativos. 

A voz muda a conspiração

deixa-a, hibernada, no púlpito dos olhos torpes

levantando um auto contra os histriões

a maçada que se amanhã contra o dia suplício

e no fogo abraçado que caldeia tempestades. 

 

Sou este lugar ávido

um limão separado das ramagens

olhando de atalaia para as rodas fluviais

precocemente endoidecendo os dedos gastos

como se pela praça centrípeta

passasse um circo mudo

um relógio perenemente atrasado

três anciãos derrotados pelo tempo madraço

volteando as cordas lassas que vêm do miradouro:

este 

é o altar

sob o lume das candeias

os mares que cabem no colo

uma miragem tirada do caudal amarelecido

o cio confiante. 

 

Dizem

o medo foi extinto

e eu era capaz de hipotecar 

um pedaço de alma

era homem 

para deitar a coreografia à sorte

só para ver 

que número saía em sorte.

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