26.6.24

Trovoada de Verão

Eram todas estas contradições

a trovejarem 

sobre todos os ontem de que és feito:

um pião a rodar ao acaso

a ementa por gastar

ao longe um uivar de cães sem sono

as artes talvez de pesca deixadas para trás 

um diplomata perdido na conspiração da tarde

e tu, 

tão melancolicamente jovem,

convencido do passado

empenhado

até à medula mais funda das pobres moedas. 

Não encontravas 

o mel que dizias rimar com as palavras

mas só as que tinham a tutela da tua boca;

em vão

sobre o vau em que giravam os rostos avivados

uma serenata sem musa ocupava o som,

deletéria,

arrematando os nós da alma 

contra as tempestades

no atroz medo que não te pedia licença 

à mostra do vento

em incontáveis esgares que disfarçavam 

o rosto. 

 

Ouvias dizer que o luar tudo curava. 

 

E falavas com a lua

noites a eito

sem perceberes 

que não eras curador de um diálogo. 

De cada vez 

que o teu peito esbarrava no lodo do cais

subias as muralhas

outrora inacessíveis

só para dizeres

com a voz inteira com que foste criado

que podiam tirar a argamassa do medo

coar o colostro dos demónios

para te declares dono do estuário todo. 

 

E ainda que desmentissem 

a posse desse império

não te importavas:

esse foi um usufruto apenas declarado

nas tuas interiores áleas 

feitas de sangue dourado.

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