As cinzas arrestadas da montanha
pousam a meus pés
na planície que deixou de ser dourada.
Corvos dançam entre as nuvens
entre os pedaços de azul
que as nuvens deixam à mostra.
A mãe passeia o bebé no carrinho
cruza-se com um cão vadio
que fareja o oráculo do nascituro.
O mar encolheu-se na maré baixa
dir-se-ia temer a multidão na praia.
Os carros passam sem cessar
vão e vêm ao deus-dará
empalidecendo o asfalto que é seu chão.
No apeadeiro
duas adolescentes grasnam ao telemóvel
num idioma quase ininteligível.
À porta do supermercado
a senhora velha deixa cinco euros
no chapéu indigente do mendigo.
Uma folha de jornal perdida,
levada pelo vento que se pôs,
É lustre para prosa entediante
do neófito escritor careca.
A noite que se anuncia faz acender os
lampiões
e uma penumbra consome a senescência do
dia.
As pessoas jantam nos restaurantes
os namorados beijam-se no banco do jardim
o velho acabrunhado sobe a avenida,
impassível
os turistas de nariz no ar celebram o desconhecido
o motorista do autocarro boceja no fim da
jornada
e as estrelas congeminam-se para uma
noite mágica
a antevéspera de todas as proezas juntas
numa só página de um livro.
Como se estivesse para vir uma parada de
músicos
e a música fundida fosse uma partitura
aguada
com estrofes compostas em forma de
nenúfar.
Na planície onde estou
as cinzas foram varridas
e a planície resgatou o vestido dourado.
O dia foi um triunfo inteiro.
Estou como um imperador em visita às
hostes
apreciando a vastidão do território
e o respeito dos súbditos.
Naquela altura
em que as sombras se dissolvem
e deito a mão ao peito
só para dizer
em rima com o sentimento
como subi ao promontório
e extingui o fogo que tudo ameaçava
consumir.