19.10.15

Feiticeira

O sal cinzento veste as árvores
no compósito outono sem memória.
As pessoas interrogam-se:
que origem tem o sal cinzento?
Será do mar mestiçado
das chuvas poluídas
dos peixes adoentados
de um navio à deriva
de um vento transatlântico?
O sal cinzento não tem sabor
(já o documentaram habitantes curiosos).

Por tentativa e erro
cientistas rasuraram as hipóteses
com ponto de interrogação no fim.
Estavam azoados
cientistas e gente comum
no engodo do sal cinzento
que não saliva sabor algum.

Uma feiticeira proscrita
berrou no meio da feira semanal
onde os oradores encontram pedestal:
são as lágrimas dos desafortunados,
entranham-se nas terras
e desaguam nos mares açambarcados.
Os ventos
devolvem-nas à copa das árvores
para que ninguém se esqueça
das mortificações suas e alheias.

E o povo
sem norte em que confiar
fez de conta que tinha sido um sussurro
de um pássaro migrante.
Já se habituara a olhar
sem o pasmo inaugural
para o sal cinzento.
Fazia-se constar serem cinzas,
restos tão inertes
como a decadência das ruínas.

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