14.12.15

Pós-qualquer-coisa

Enquanto lá fora
as folhas ganham vida
despojadas no chão.
Enquanto lá fora
a chuva agride a relva
e o rio ganha volúpia.
Enquanto lá fora
os reis habituais reinarem
na também habitual sobranceria.
Enquanto lá fora
se escondem na consciência
os sótãos da expiação.
Enquanto lá fora
as nuvens correm céleres
na exata medida da preguiça.
Enquanto lá fora
as palavras entoadas
forem pregões vetustos.
Enquanto lá fora
os joelhos tiritam de frio
por o medo subir à boca de cena.

E
enquanto lá fora
houver três dentes de tristeza
lágrimas furtivas de desencanto
punhais espetados à mercê do desamor
cães vadios destratados
velhos e menos velhos corroídos pela solidão
casas lúgubres medonhamente húmidas
o odor fétido das fábricas
ideias comidas pela desonestidade
sapatos rotos que deixam entrar a chuva
rumores transfigurados em certezas
ruas pútridas de gente
e gente órfã de si mesma:
eu encontro refúgio cá dentro
onde se acastelam miragens
doces enovelamentos de ideias por provar
palavras que apetecerem
e sempre,
sempre,
uma desdança sem gente por perto.

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