29.1.16

Vulcão

Trazia as mãos molhadas ao peito
com sede de o arrefecer.
Foi assim
enquanto duraram as tempestades
enquanto pesadelos furtivos caiaram
as paredes do sono.
Receava que a alvorada
fosse uma partida sem chegada
que pedras grotescas mortificassem o peito.
Parecia
que o chão tinha a quentura de um vulcão
e toda a aderência dos pés
se derretia na lava ácida.
Mas isso
foi no tempo das tempestades irrefreáveis.
No tempo
em que as alvoradas tinham a forma
de penumbra
os ossos doíam num desfalecimento
e o sono era contumaz.

Agora
subo ao promontório,
ao mais alto de todos,
e levo comigo a inteireza que sou.
Sou capaz
de ver a alvorada
por entre a noite medonha.
Sou capaz
de decantar as palavras malditas
meditar sobre os sobressaltos espúrios
raptar da maldade a maldade toda.
Agora
abro o peito inteiro
ao vento frio que desalinha os cabelos
no mais alto promontório.
De onde vejo,
com o olhar de lince,
os antúrios a medrar
o rio a escorregar para a embocadura do mar
as neves teimosas atapetando os sopés
um falcão em suave coreografia
o vulcão com a lava arrefecida
e ao longe
o fumo das chaminés
desdizendo o frio invernal.

E sei,
agora,
quando descer ao casario
ter nas portas entreabertas e nas janelas
um trunfo que derrota intempéries
por dentro.
Sei
que não há ideias desarrumadas
nem zeladores da inverdade
a furtar as flores coloridas
que compõem a planície.
Pois sou eu que as tutelo
dia e noite
protegidas contra sabotagens.

Agora
de dentro do peito
gritam as palavras belas.
E agora,
por entre as portas entreabertas
e as janelas oportunidades,
sou rei do reinado reposto,
sem dar conta às cinzas embotadas.

Agora
apenas o ouro da coroa do rei
e os dedos de veludo
em récita generosa. 

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