18.5.16

Boca do inferno

Da excelência dos propósitos
nem reticências.
Os dobrões apanhados no veio das ruínas
contam os calendários acidulados
as rainhas sem coroas
os dedos feitos garfos mendazes.
Os rochedos enegrecidos
distinguem o precipício
de onde o mar intransigente veste
um luto medonho.
Saio da boca de cena
para os bastidores vazios
à espera de um amanhã adiado.
Saio dos candeeiros gastos
da luz frouxa que coalha os sentidos
e digo que os infernos não têm prazo.
Digo
que uma ventura tingida no céu
se me oferece meretriz insincera;
que os olhos aplacados de uma sereia
tingem as páginas com o sangue gasto;
que naus viquingues sem remos
sulcam as águas macias de um mar sem cor;
que senhores apessoados
prelecionam argutas prédicas;
que velhos sem dentes
se saciam com framboesas imaturas;
que o torniquete do museu
não deixa passar os estultos ao engano;
que sôfregas divindades
escondem aperaltadas vestes acetinadas.
Digo
o que oxalá queira dizer
entre duas notas de vinho branco
e três módicas doses de fruta madura
enquanto o sumo escorre da boca
e inunda o chão de uma sementeira capaz.

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