30.5.16

Lembrete

Das ervas daninhas
perseverando em lugares ermos;
das fontes de água forte
onde se lavam as lágrimas;
dos orvalhos outonais
quando a alvorada era temporã:
dos êmbolos matraqueados
num murmúrio poluente e atulhado;
das lojas de especiarias
no bazar ululante e vagaroso;
das rimas forjadas
nos dedos trémulos que tocam uma tela baça;
da graça em que caíra
antes do jogo virado do avesso;
de uma estrada estreita
sulcando o desfiladeiro cavernoso;
das promessas infundadas
tirando o siso à sua formulação;
das proezas (ou do que assim tiver achamento)
em movimento ondulante de nostalgia;
de um epitáfio encomendado
a um juiz sem rosto;
das intenções alteradas
entre dois dedos de conversa propedêutica;
de uma reparação geral
às mãos de um tutor dessas coisas;
do olvido das coisas malsãs
mercê da recapitulação da alma;
de um panteão das nulidades
onde sobram ossadas emudecidas;
de um chapéu à maneira dos antigos
que não hei de usar.
De tudo isto
hei de possuir um lembrete
com a serventia do oblívio.
Para anotar num caderno a preceito
os passos perdidos
da desmemória.

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