9.5.16

Contrastes

Um prego na estopeta
para quem caça baleias em mar alto.
E um tubarão furtivo
para desenhadores dos mares.
Uma cruz ao alto
para ateus sem remédio.
E as cores do Érebo
para seguidores de igrejas.
Dois beijos no rosto
para frígidas emblemáticas.
E algemas álgidas
para amantes abrasadores.
Uma montanha de arroz
para modelos anoréticas.
E um freio na boca
para gulosos empedernidos.
Um papel de embrulho
para um desapossado da estética.
E uma página em branco
para um asceta da estética.
Um chão firme
para o nómada incorrigível.
E um mundo aberto nas palmas das mãos
para o sedentário esquizofrénico.
Um manual de ideias
para os sibilinos do obscurantismo.
E um banho de humildade
para os insaciáveis da erudição.
Quase tudo em novo
para os conservadores de linhagem.
E um módico de estar
para os ganhadores de vanguarda.
Uma rosa dos ventos
para cidadãos desgovernados.
E um manual de Bastiat
para aduladores da ordem social.
O mar aberto
para pastores de serranias.
E as cumeadas pintalgadas de neve
para os pescadores de alto mar.
Um pau cinzelado a cobre
para os pioneiros da maré.
E um copo de chá
para elefantes brancos.
O martírio assinalado
para os devotos de perfeição.
E a algazarra inominável
para dementes do espaço.
Um impropério banal
ao polícia de costumes.
E uma genuflexão
ao meliante dos costumes.
A noite adorada
para os meninos bem-comportados.
E a alvorada fresca
para catedráticos bon vivants.
Um livro de poesia
para burocratas mangas-de-alpaca.
E três quilos de formulários
para poetas poltrões.
Um olhar iracundo
para o trovador das inconsequências.
e um desleixo aluado
para o zelador das coisas constituídas.
As trevas sem fastio
para o pintor psicadélico.
E a impertinência das cores luxuriantes
para cantores sorumbáticos.

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