21.6.20

Meta-entendimento

De cada vez que havia penumbra

o mosto do medo tornava-se

a saliva da extinção. 

As cortinas eram muros ermos

ao mesmo tempo muralha e algema

insensato pedaço de verbo

nas sílabas vagarosas que arrastavam o dia. 

Dizia alguém:

devias sentir o que eu sinto. 

Houvesse quem recordasse

ser um logro a demanda

por imperativo do princípio 

da intransferibilidade dos sentidos. 

Como pode alguém convocar

uma comiseração destas

a não ser na demência da dor 

que consome até os ossos?

Pode alguém conter a ideia

que as consumições se perfilham

com almas que se protestem generosas?

Os cânones são implicáveis, contudo:

a solidariedade é exigência

ainda que seja não mais

que um logro para libertar interiores dores

que mergulham 

os labirínticos corredores da alma

numa castração 

se não souberem peticionar

a piedade com as presas dos infortúnios. 

Ao que dizem

a hipocrisia sempre foi o selo dos disfarces,

o teatro supremo 

em que todas as boas almas

são alistadas. 

A hipocrisia. 

A cortina plúmbea que se abate sobre os rostos

uma pousada onde temos o rogo

das exonerações das más carnes 

que nos consomem. 

Saiba na melhor das fazendas,

a que desaproveita a densidade das interpelações,

que o logro seja meu

é que do fado inscrito no oráculo

esteja o alinhamento com o palco sem limites

onde se confecionam 

o princípio geral do fingimento.

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