Cessar fogo:
a artilharia emudecida
o clamor que celebra as pessoas.
Disparo a centelha ávida
contra a tremenda voz tumular
a voz que se esconde no crepúsculo
e amedronta com os dedos fingidos.
O céu está do avesso
e as mãos remexem as raízes das árvores
talvez demandem uma gramática
talvez
peregrinem as pedras válidas
escondidas da avareza.
Os braços não se deixam cair
ainda que a teia da gravidade conspire
a desfavor.
As casas estão todas atadas a um sono
e esquecem-se do dia militante.
Um começo que espera
esboça umas sílabas tentaculares
(como se fossem flocos de neve
a precipitar em câmara lenta)
abotoa as asas do pensamento insubmisso
capitulando
capitulando na hibernação confortável
dos que renunciam a ser quem são
por imperativo de transfiguração forçada.
Não digam
que este palco em que medramos
não é a pertença de sistemáticos fingimentos.
Não digam
que as bandeiras que se colam à pele
não são bandeiras que nos colam à pele
que deixamos que nos colem à pele
e nós
apenas timoratos que se anestesiam
suspeitamente adereços da vontade não nossa.
O casario parece todo igual
e até as diferentes cores parecem cores iguais.
Às vezes
a maré-viva decompõe a lhaneza pretendida
espalha o caos na geografia desarrumada;
é como se os alicerces fossem remexidos
e uma colossal colher de pau
arrancasse do fundo os sedimentos
dando um outro desenho à tela
– lavrando a mudança
que desconfia dos que conservam o passado
como se a mudança não fosse o verbo claro
do tempo que estuga o andamento.
Tomo posse da vontade
que abandona o exílio.
Sei que amanhã é amanhã
e que depressa um amanhã será passado
quando for a vez de um amanhã sucessivo.
As janelas não estilhaçam
nem sob a ameaça de tempestades.
Há uma tempestade de palavras
que espreita pela escotilha
enquanto a manhã se faz mulher;
essa é a tempestade que se espera.
Se houvesse cartografia dos contratempos
meu seria um mapa reescrito
liso e ausente
um paradoxo tornado livro de estilo.
Os genes não tergiversam
na intensa demanda que mantém o pensamento
de atalaia.
Não concebo a medida do tempo
e avanço
mar adentro
eu,
a nau de mim próprio
capitaneada pelo mesmo,
só para atestar
a tremenda pequenez que não me acossa.