10.4.18

#534

Os pretensiosos culturais
não merecem mais 
do que duas palavras.

9.4.18

#533

A tua nudez
santuário
suor e lágrimas.

Trunfo

O berço 
viveiro perene
húmus irradiando seu sol próprio. 

A ponte
contrato sentinela
semente transfigurando as veias frias. 

A árvore
esteio fundo
braços tingidos na maresia distante.

A casa
santuário centrípeto
muralha convocada no refúgio imperativo. 

A promessa
museu labiríntico
vento murmurado nas costas da maré. 

O canto
sereia habitada
crepúsculo segredado no ouvido quente. 

A boca
armadura matinal
desejo emoldurado no seio intumescido.

A página
socalco íngreme
desafio atirado à erupção devolvida.

O muro
repúdio substantivo
âncora presa no cais lamentável.

O paramento
jura assenhoreada
planície esquecida no país atávico.

O rosto
bastião singular
fértil seara de raro centeio.

A ideia
prisão domiciliária
lastro reinventado na lareira acesa.

O mar
chão desalinhado
navio armilar em demanda agigantada.

A manhã
radiografia vespertina
mercado triunfado na macia pele.

#532

O chapéu aloja 
uma miríade de lugares
o ubere das ideias em seu digladiar.

8.4.18

Enquanto

Não sigo o clamor
no antiquado lenço gasto
e durmo o sono inteiro
fazendo da noite minha testemunha. 

No sopé das frases feitas,
proezas chamadas aos seus autores;
prefiro a glosa das palavras vazias
o fogo fundido no olhar sem freio
em meneios originais
contra ladainhas 
que repetem todas as vírgulas
e têm o mesmo lugar sentado. 

Portanto:
tiro do espelho as medidas
e do fundo do poço
sinto a estatura maior 
tomar conta de minhas medidas.

#531

Saio do perímetro
em que me aprendi
no melífluo proveito do alter ego.

7.4.18

O buda parlapatão

O buda nada esfíngico
arrota sapiência bolorenta
estica a laca da casta,
seu dedicado servidor
seu autoinvestido tutor,
seu cultor de ritos 
– que o altar da sobranceria quadra 
com elevada sinecura abarbatada.
O buda de curta memória
esfola os possíveis rivais
nem por lhe ser dado a saber
que não serão concorrência à altura
não por causa de sua meã condição:
às regras obtusas impute-se o delito,
o manto protetor dos budas e afins.
Mas o buda persevera.
Seus são fantasmas apenas quixotescos
e oglareda casta vetusta.
O buda apalavra sapiência
por inerência estatutária 
– como quem diz: 
assim é porque sou o primeiro do escol
o tiranete que cavalga por cima de preceitos
e se unta na condição de as mudar
se a mudança quadrar com sua vontade.
Palavroso e vazio,
sapiência na inversa proporção
da balofa condição,
ostenta a farda da casta 
– certidão que chegue 
para atestar autoridade de intelecto.
Não deixa de ser buda
e não deixa de ser parlapatão
em mal disfarçada usura
de estalão embolsado à margem do engenho.
E assim se explica
o buda parlapatão
ardina dos ardinas
comezinho charlatão
meirinho temente dos concorrentes
que o são como os gambozinos.

#530

Matemática em silêncio:
o coiote vadio
a roer a corda ao tesouro.

6.4.18

Garantia

Dizia-se:
não são as sombras
o penhor das mãos trémulas;
não são as ondas
adamastores foragidos 
na descompostura da noite;
não são as adagas desembainhadas
oráculos onde fermente a lucidez.

Dizias:
não é na penumbra 
que se esgrimem as teias do tempo
ou os oráculos infundados
de onde se avistam 
as cavernícolas traves da mentira.

Dizia:
não é com desmodos
que se levantam as nuvens férteis
nem os seus abencerragens merecem
sequer
a cozedura de um verbo sem lustro.

Dizia-se:
são os artesãos dos sentidos
tutores de bustos grados
das letras não triviais
de um módico de viabilidade intrínseca
das frutas nos pomares onde somos vida.

Dizia:
deixamos o olhar refém
das escotilhas por onde arde a maresia
e agarramos os versos inspirados
contra a desdita dos ergástulos.

Dizias:
sabemos os lugares desempoeirados
as livrarias da alma
e seguimos atónitos as convenções desusadas
compondo em linhas arrevesadas
a prosa que nos cimenta
muralhas de nós mesmos
no enredo cautelar
de que somos
narradores e intérpretes.

#529

Não guardo aplausos,
exíguo roteiro extinto
no olvido metódico.

5.4.18

Seminal

Bebo no orvalho
a cor do futuro
sem espera que não seja a espera.

Corto ramos desprendidos
diligente no regresso a casa
diante das veias assaltadas pela volúpia.
Depois
na contagem dos poros suados
no inventário das mãos atadas
componho o sol vertical
no pretexto de viagens lembradas
dos lugares emoldurados na memória.

Corro 
contra as paredes altas,
não sei se são muralhas 
ou um lago disfarçado;
corro
apanho os autocarros que trazem versos
ensino os vagos rumores segredados
destrono lugares-feitos
assino páginas e páginas contra o torpor.
E no orvalho fresco, 
matinal,
enquanto houver,
encontro auroras boreais
uma janela piramidal
cestos de flores secas
crianças que por nada saberem
são as mais sábias.

Aceito o efémero
a caução do tempo selada a tinta invisível:
sei que não há lugar para as lágrimas
sublimadas no orvalho da manhã.

Agora 
tenho os braços livres
o corpo inteiro 
a pedir a água dos mananciais
e mais páginas a eito por tingir
os versos à espera
a alfazema silvestre como paisagem-tela
e a noite 
como lição inteira.

#528

Não tinha fogo para apagar
no estio chuvoso
de minha alma.

4.4.18

#527

Deixa que te conte
os segredos dos sonhos
para sermos seus diletos atores.

Não alinhado

Não sei dos entulhos
maré dominante;
náuseas são sua linhagem
e nem prebendas e sinecuras
agitadas por teatrais testas-de-ferro
congeminam mudança dos termos 
em que as coisas medram.
Não sendo
vendilhão
asceta da conformidade
titular de ideias banais
carne para canhão de conspirações alheias;
e não aderindo
a modas
às palavras matraqueadas e fúteis
com a benevolência das multidões
ou a divãs imperativos;
nem dando ouvidos
às serpentes ludibriosas que acenam
com sua língua bífida
o veneno disfarçado da mortal congruência:
proclamo:
não alinhado
mesmo na aresta viva do repúdio
da solidão destinada
no varejo metódico das algemas recusadas.

#526

De que espessura é este entardecer,
como se abraça a penumbra tenente
ao corpo insatisfeito?

3.4.18

Fortuna

Cortejo as palavras
na coreografia redesenhada
no salto em frente
duas léguas por cima do precipício
e tenho na chama da lareira
onde crepita a rendição do simbólico
alimento filial.

Reveem-se os caudais fartos
onde navegam vocábulos enquistados
vocábulos à espera de reinvenção
(à espera da alforria)
na gramática que abre o peito 
à imoderada lógica rompendo bastiões.
Não sossegam os dedos famintos
na insubmissão das palavras áridas
da tela sem cor a devorar a imaginação.

E as palavras sucedem-se
insurgem-se
lutam contra seu sopesar
deslimitam-se no sopé das fronteiras
desarmadilham-se das poeiras atávicas
falam idiomas versados no novo
idiomas falando entre si.

Cortejo as palavras
na fértil paisagem do pensamento
e sei
que as palavras de hoje perdem sentido 
no turbilhão da memória futura.

#525

Tenho o corpo no diabo
e a chave perita algures,
em falésia erma.

2.4.18

Arranha-céus

Deixo a voz
no cabaz do silêncio
onde se junta aos murais mundanos.
Pelo caminho
congemino as estrofes diletas
os pergaminhos sem inventariação
e a boca morde a corpulenta montanha
à procura de água.
Deixo a voz
dar em si o gutural anúncio:
um silêncio sagaz
com a cor das ligeiras ondas
que sondam a superfície do mar
enquanto da maresia retenho
a raridade de um alfabeto por inventar.

#524

The client is always wrong.
(Company’s new policy).

1.4.18

#523

Contar uma mentira às mentiras
conta para o primeiro de abril?

31.3.18

Skin deep

Como uma tatuagem
a tinta da China em pele minha
a tua pele.
Não a segunda pele
pele parte de mim
no estuário largo onde nos depomos
na filigrana forte dos vasos
onde o sangue nosso entra em combustão.
Recolho da pele funda
o eu que sou tu
fusão a quente
diadema incomensurável
avenida de perder de vista
o colo em minhas, tuas mãos
vinho fértil espreitando o calendário
promessa resgatada no peito quente
selada na mais funda pele
regada com a carne imparável de desejo.

#522

Whether the weather is better
talking the weather is whither.

23.3.18

#521

Sobre a falésia
sobra a emenda ajuramentada
a grande farsa.

22.3.18

Contador de histórias

Oxalá
as pedras perdidas
contassem histórias.
Oxalá
as pessoas por que passo
fossem histórias avivadas.
Teriam o aval dos curadores da memória
e apreciação bastante nos círculos demais.
Pois de histórias somos feitos:
no esgar de um sonho embaciado
no parapeito da imaginação agitada
na púrpura luz de que é feito o outrora
nos enredos, patranhas sem maldade.
Oxalá
as histórias contadas com arroubo
fossem a avença do tempo
e não houvesse lugar para ocupar o resto.
E dos corpos transidos
autêntica anestesia de tudo
se desprendessem
palavras fétiche
palavras armadura
palavras sem medo
palavras verossímeis
palavras serpenteadas
palavras
no estonteante precipício das emoções.

#520

Os olhos fundidos no mar
colhem a maresia
o lenço que enxuga as lágrimas. 

21.3.18

Corda desatada

Imitação sem fundo
os bolsos fartos do esquecimento. 

Não tira sono a morte
que nela o sono já não importa. 

Mordo as paredes da bondade
e aprendo a agridoce ingenuidade. 

Mantenho as teimas
na estrutura em escombros feita. 

Dos espelhos na penumbra
retiro os versos tumultuosos. 

Na linha contrafeita da vontade
configuração imprevisível de um devir. 

Anoiteço com a alma leve
assenhoreando-me dos gramas em conta. 

Devolvo ao corpo ganhos sem número
na recusa do implacável dia consecutivo. 

Amanheço sem mordaças
o apetite inteiro pela úbere do mundo.

#519

Metido no nevoeiro
diametral labirinto sem chave
da baça luz uma claridade mareia.

#518

Qualquer semelhança com a realidade 
é coincidência.
Qualquer coincidência com a realidade 
é semelhança.
Qualquer realidade com semelhança 
é coincidência.

20.3.18

#517

É esta roda demencial
imperfeição perfeita
síntese de tudo,
aplauso.

Paisagem

Recorto os dedos da paisagem
na água indomável do rio
no castigo indolente da pedra alcantilada
no sossego imposto pela genesíaca tela
o alimento que se dá aos olhos.
Da paisagem
recruto a pequenez de mim
por mais que a desenhe com os dedos túrgidos
por mais que de olhos fechados a cante
e nas estrofes vindouras tenha repouso.
Não reclamo elegias
nem inverosímeis enredos
ou fábulas pueris:
altar é o palco certo
uma escadaria ao desafio
as mangas sem cansaço
fotografias incessantes e, todavia, singulares
cada qual na protuberância de um lado
de um ângulo escondido do olhar
deixando
à paisagem desenhada ao longo da paisagem
o recobro em extinção das angústias.
Paisagem em postal belo,
sem o embraço dos homens,
apenas paisagem
no néctar da solidão
vertida nos claustros da convalescença.