17.6.16

Cimento

Esboço um bocejo
enquanto dedilho as folhas brancas
sentadas no meu colo.
Sinto
no regaço indolente
um vitral que irradia um pesar
insubmisso.
Nos contrafortes do entardecer
enquanto as pessoas correm para casa
esgueiro-me ao lugar onde o mar
se aquieta nas molhadas areias.
Respiro, o mais fundo que sei.
Não dou nada de mim ao mar madraço
nem convoco o mais leve sinal de prece
no ideal destemor dos príncipes malfeitores
que contaminam o céu todo.
Retenho apenas a parte do horizonte
onde depressa o sol decaíra em seu desmaio
à espera dos estorninhos delgados
e da noite que já não fermenta o caos.
Penso no mar
penso na noite
penso na insubmissão sem freio
o criterioso moldar de um corpo
às ondas imperiais
quando o mar está a preceito.
Encontro os rudimentos
que me fazem levitar,
como se, de repente,
todos os poros em mim
todos os milímetros do meu corpo
todas as partículas da alma
todo o olhar não desperdiçado
esconjurassem os males
(os maiores e os outros)
que espreitam no dorso
de um cavalo sem olhos.
E, de repente,
vejo os meus dedos percorrendo
as teclas de um piano
magistralmente assentando na praia.
Vejo
como
sem tirocínio em música
sou lídimo intérprete de uma partitura
de instantânea composição minha.
Já não adormeço
só para emoldurar,
para memória futura,
a proeza destra.
Amanhã são os dias todos.
Os possíveis e os impossíveis.
Porque as impossibilidades
passaram a ter honras de possível.
E eu
com uma rosácea vivaz nas mãos
empresto alimento ao mundo inteiro.

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