Sabíamos de cor
as ruas onde as ondas amaravam
os códigos sem regras
os versos que agigantam as almas
o extasiante ocaso sem ninguém por perto.
Tirávamos à sorte
a vez às divindades,
nós que nem sabemos do seu paradeiro,
e subíamos às varandas
só para sentirmos a pele arrepiada
(e não era do vento impulsivo).
Juntávamos o olhar
numa sinfonia singular
e perguntávamos à noite
se não seríamos loucos
se não seríamos
os argonautas onde as causas se não esgotam
e esperávamos pela resposta
sabendo
que nós erámos os tutores da resposta
e que ela tinha o selo do sim
a tudo o que nos ornamentasse de fausto.
Projetávamos as veias
numa piscina onde apenas vivia um néctar,
à procura de mantimentos
à procura de um sentir,
e saímos ricos
no conhecimento de que não precisávamos
da autoria alheia do nosso remanso:
tudo em nós era bastante,
nós
soma maior do que as nossas partes.
Sabíamos de cor
os labirintos onde outros sabem decadência
e da decadência não queríamos saber
enxotada para as calendas
no juramento de que não há tempo visível
nem amarras que amputem o uníssono nosso.
Jogávamos a alta parada
o jogo inelegível,
diriam,
insensato,
mas não queríamos saber.
Só nos importava
a lava ininterrupta em ascensão irrefreável
e nós,
curadores de todas as coisas nossas,
cegos ao alheio,
ao vetusto,
ao contratempo,
no sangue cruzado
na tangência das bocas
no sexo sem esteios
na manhã luminosa
por sermos um pedaço inteiro do outro
improviso homérico
as cidades que deixavam de ser estranhas
o céu onde as mãos desenhavam os nossos nomes
a matéria funda que arrematava a medula
e o conhecimento
– o conhecimento
que triunfávamos na eloquência da simplicidade,
sem trunfos
sem modas
sem truques
sem segredos,
apenas nós
e um apenas do tamanho das galáxias.
Hoje
sei que os verbos no pretérito
são como uma fala do presente.
E sei
que se voltasse ao início do poema
substituía todos os verbos
pelo tempo no presente.
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